"Clarice às claras"
Em: 01/03/2012, às 13H00
Fabio Victor
O enigma que (des)norteia a obra de Clarice Lispector (1920-1977) foi levantado pelo professor e crítico português Carlos Mendes de Sousa ao mergulhar nas profundezas da escritora.
Sousa é autor de “Clarice Lispector – Figuras da Escrita”, que saiu em 2000, com uma tiragem de 500 exemplares, pela editora da Universidade do Minho, em Portugal, tornou-se objeto de culto entre claricianos e só agora chega ao Brasil, editado pelo IMS (Instituto Moreira Salles).
Tese de doutorado de Sousa no Minho, o trabalho mescla ensaio, crítica e biografia, mas é também uma declaração de encantamento.
Instado a definir sua natureza, o autor afirmou à Folha, por e-mail: “Há uma componente ensaística forte, mas há, na verdade, outros vetores (de investigação, crítica, filologia, elementos da esfera biográfica etc.) e que constituem um desejo de compreensão totalizadora até onde se pode chegar, sabendo que se fica sempre num limiar”.
Querer abarcar toda Clarice parece audácia, mas, mesmo em se tratando de uma autora vasta e crescentemente esquadrinhada pela academia, de fato o livro de Sousa se destaca pela amplitude.
“É o mais completo estudo até hoje realizado sobre a obra de Clarice”, afirma o poeta Eucanaã Ferraz, consultor de literatura do IMS que coordenou a edição brasileira ao lado de Samuel Titan Jr.
Se não chegam a tanto, biógrafos da escritora atestam a excelência da empreitada.
Autora de “Clarice – Uma Vida que se Conta”, a professora da USP Nádia Gotlib diz que o livro de Sousa “resulta de pesquisa séria e conscienciosa sobre a produção ficcional de Clarice e sobre sua fortuna crítica” e “detém-se em questões de linguagem e de construção literárias que são responsáveis pela originalidade dos textos” da autora.
“Esse, aliás, é o que considero o seu maior mérito entre os demais textos sobre Clarice que nos têm chegado de fora: a competência com que desenvolve uma leitura familiarizada com os mecanismos da escrita literária e das suas ‘figurações’”, diz.
O americano Benjamin Moser, autor de “Clarice,” escreve na orelha da edição do IMS que “poucos ousaram a quase impossível tarefa de abordar a quase totalidade da grande Clarice -mas, finalmente, pensei, ei-lo: um estudo que combina o conhecimento dos mais sérios pesquisadores com o amor e a empolgação, mal disfarçados, que são marcos do clariciano legítimo”.
Em 632 páginas, Sousa disseca toda a produção da autora de “A Hora da Estrela”: livros publicados, cartas, entrevistas, notas, manuscritos.
NOME ESTRANHO
O que ele mesmo nomeia de “obsessão” pela obra de Clarice começou em 1979, quando, pesquisando para um trabalho que faria sobre “Bangüê”, de José Lins do Rêgo, para a disciplina de literatura brasileira do curso de letras em Coimbra, deparou com um nome estranho.
“Foi o nome da autora, Lispector, e um título, ‘A Maçã no Escuro’, que me atraíram”, conta. O fascínio só cresceu.
Em 1992, tendo definido que Clarice seria o tema de seu doutorado, obteve uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian e veio ao Brasil pesquisar. Ficou seis meses no Rio, imerso em especial no acervo da autora na Fundação Casa de Rui Barbosa.
Na volta, penou até achar a embocadura da tese. Só conseguiu após uma situação radical: “Fiquei paralisado. Copiei na íntegra ‘A Paixão Segundo G.H.’. Foi uma experiência decisiva”.
A repercussão do trabalho se deu aos poucos. Moser lembra que o livro era “caríssimo e dificílimo de achar”.
“De certa maneira era uma edição quase clandestina”, situa o autor. “De vez em quando recebia e-mails de leitores, especialmente do Brasil, que não conseguiam adquirir o livro. Enquanto tive exemplares, ofereci-os.”
Publicar em escala comercial soava a ilusão. Pela extensão, o livro parecia pouco viável às editoras, inclusive aqui: “E eu não tinha ânimo para o cortar”, conta o autor.
Eucanaã Ferraz afirma que o fato de o IMS ser uma entidade sem fins lucrativos facilitou. “Tudo o que o IMS edita tem caráter de exceção.”
Num momento em que a escritora é cada vez mais citada em redes sociais, Ferraz ressalta um aspecto original da obra de Sousa: “Não trata Clarice como uma coisa misteriosa, mas como a escritora que ela é. Não vem alimentar o mito, mas para ajudar a compreender a escritora”.
CLARICE LISPECTOR – FIGURAS DA ESCRITA
AUTOR Carlos Mendes de Sousa
EDITORA Instituto Moreira Salles
QUANTO a definir
LANÇAMENTO dia 8/3, às 20h30, no IMS-Rio (r. Marquês de São Vicente, 476, Gávea, tel. 0 /xx/21/3284-7400)Publicado originalmente em Folha de S. Paulo, 25.02.2012