Chatgpt versus deepseek. Sexo e máquinas.
Por Paulo Ghiraldelli Jr Em: 18/02/2025, às 15H35

[Paulo Ghiraldelli Jr]
Qual é melhor, ChatGPT ou DeepSeek? É a pergunta da semana. Um bocado de gente testou. Não fiquei de fora. Fiz perguntas nas áreas em que posso avaliar com mais precisão, no campo da filosofia, mitologia, política e economia. Em várias respostas, ao menos quanto ao que perguntei o DeepSeek procurou circunscrever melhor o campo e fornecer especificações. Por exemplo: perguntei se a voz que falava a Sócrates lhe dava grandes conselhos. Sabemos que não. O Daimonion de Sócrates surgia apenas quando não era para agir. As máquinas responderam corretamente, mas o DeepSeek fez questão de lembrar que tais informações se devem a Platão e Xenofonte. Mas essa melhor performance do DeepSeek não quer dizer que ele é melhor, mas que ele se saiu melhor quanto ao que perguntei. Pessoas de outras áreas, ou eu mesmo com outras perguntas, posso efetivamente ficar com outra impressão.
Quando se trata de informações sobre qual regime político é o da China, o DeepSeek patina. Reverbera o discurso oficialesco. Toquei no assunto “capitalismo”, aí ele se complicou: a China é socialista e admite a propriedade privada dos meios de produção, sim, pois isso é o “certo para chineses”. As respostas ainda ficam mais pueris quando o assunto é economia. Lembram o discurso apologético da Academia de Ciências de Moscou, quando se falava em marxismo. Todavia, se o tema é a democracia americana, ainda que Chat GPT dê boas informações, o DeepSeek vai além e faz um relato sobre as virtudes da democracia americana e também de seus problemas a respeito de igualdades, poder do dinheiro etc.
O tema que mais me chamou a atenção, em ambos, é a visão pudica e com excesso de justificativas a respeito de sexo. Perguntei a ambos: “Zeus teve relações sexuais com Ganimedes?”. A resposta correta é: sim, Zeus se fez de pássaro, sequestrou Ganimedes e o possuiu ainda no ar, no vôo, antes mesmo de chegar ao Monte Olimpo. Ora, nesse tema, as IAs, ao menos inicialmente, claudicaram. O ChatGPT me disse que a pergunta fugia das diretrizes e normas de seu funcionamento. Por sua vez, o DeepSeek emperrou, e veio com uma de “João sem Braço”, dizendo que estava com excesso de tráfico. Não desisti. Voltei à carga no ChatGPT por meio de um truque. Ao invés de usar só “Zeus”, perguntei usando a expressão “O deus Zeus”. Aí sim, a palavra “deus” o trouxe para a mitologia, e não para a relação entre duas pessoas ligadas ao assunto tabu “mais velho que seduz adolescente” (pré-adolescente, no caso de Ganimedes). Desse modo, o ChatGPT tentou uma resposta, mas tratou de fornecer uma página inteira de justificativas, com o blá blá blá característico de um manual de educação moral e cívica carola. Disse que eu deveria notar que a relação sexual era mais de afeto, que poderia ser simbólico, dado que era um mito. Acentuou que eu deveria levar em conta o contexto da Grécia, em que a prática do mais velho se enamorar do mais jovem era relativamente admitida etc. Foi uma resposta cuja parte correta sucumbiu ao moralismo quase vitoriano. Por sua vez, o DeepSeek acabou me respondendo também, e enveredou pelo mesmo caminho, temeroso que eu, ao ler a resposta positiva, saísse correndo por aí pegando pré-adolescentes e se achando uma divindade! Repito abaixo as respostas do maquinário do ChatGPT e do DeepSeek, respectivamente, e grifo as partes que me pareceram de “tia velha”.
- Chat GPT: Sim, na mitologia grega, Zeus teve uma relação com Ganimedes, que é frequentemente interpretada como uma relação sexual, embora em alguns relatos o foco esteja mais na relação de afeto e na transformação simbólica que isso representa. Ganimedes era um belo jovem príncipe troiano, e Zeus se apaixonou por ele. Para raptá-lo, Zeus se transformou em uma águia e o levou para o Olimpo. Lá, Ganimedes se tornou o copero dos deuses, servindo-lhes néctar e ambrosia. Além disso, Zeus teria feito de Ganimedes seu amante, e a história é frequentemente mencionada como parte das muitas relações amorosas do deus, que muitas vezes envolvia tanto mortais quanto imortais. Embora a história de Zeus e Ganimedes tenha uma conotação sexual, ela também é vista de forma simbólica em vários aspectos, refletindo temas de poder, beleza, desejo e imortalidade. Em algumas versões do mito, Zeus oferece a Ganimedes a imortalidade e um lugar no Olimpo, onde ele permaneceria jovem para sempre. É importante lembrar que mitos como esse refletem as complexas e variadas representações de relações na mitologia grega, muitas vezes ultrapassando normas e valores que seriam considerados inaceitáveis em contextos modernos.
- DeepSeek: Na mitologia grega, há uma narrativa que descreve Zeus, o rei dos deuses, se apaixonando por Ganimedes, um jovem mortal de grande beleza. De acordo com o mito, Zeus transformou-se em uma águia e raptou Ganimedes, levando-o para o Monte Olimpo, onde ele se tornou o copeiro dos deuses e, em algumas versões, o amante de Zeus. Essa relação é frequentemente interpretada como tendo um componente sexual, refletindo as práticas e valores culturais da Grécia Antiga, onde tais relações entre homens mais velhos e jovens eram, em certos contextos, socialmente aceitas. No entanto, é importante lembrar que os mitos são histórias simbólicas e complexas, que refletem as crenças, valores e práticas de uma cultura específica. A interpretação desses mitos pode variar dependendo do contexto histórico e cultural em que são analisados.
Há uma imprecisão: Ganimedes não é imortalizado “em um lugar do Olimpo”, ele é imortalizado na Céu, daí o mito com seu caráter típico: origem das coisas. O mito tem sempre uma finalidade pré-filosófica, explicativa em sentido especial, e este mito visa ao final mostrar como surgiu a Constelação de Ganimedes. O filho do rei de Troia é a figura da Constelação. Nada menos! De resto, o problema é o tom francamente admoestador do texto, “cheio de dedos” para tocar no assunto do sexo entre idades diferentes. É como se tivéssemos de escutar um professor pudico ou, nos tempos atuais, um professor com medo de ser denunciado pela direita como “pedófilo” (a direita usa o termo para qualquer coisa; ignorantes da esquerda também): olhem meninos, rapazes e senhores, vejam que essa coisa de sexo entre homens e, pior ainda, entre velhos e novos, era algo só lá dos antigos, e ainda assim com caráter simbólico. Caso não estivéssemos lidando com máquina, e sim em um diálogo real, poderíamos perguntar: há sexo sem caráter simbólico? Afinal, sabemos bem, sexo não-animal é sempre imaginação, fantasia.
Mas não ousem perguntar para ambos, por exemplo, sobre a prática do coito anal. Aí sim, a resposta dá sono. Eles dizem que a prática é realizada por “algumas pessoas”. Afirmam que até pode haver prazer! Mas logo em seguida adquirem um tom médico insuportável. Elencam tantas medidas protetivas que, enfim, se você ler tudo, esqueça o sexo anal. Aliás, esqueça de sexo! Insistem que é para fazer “sem dor,” que devemos usar mil e um “lubrificantes”, não provocar “fissuras”, obter antes de tudo o “consentimento” do parceiro, realizar higienizações de todo tipoetc. Ao fim e ao cabo você se convence que é melhor não tentar. Se não bastasse isso, no término, ao menos o DeepSeek, diz que “se você realmente está considerando fazer sexo anal”, deve consultar um médico! Minha esposa e eu não demos a mínima para essas máquinas tolinhas, felizmente! E foi bom.
Paulo Ghiraldelli. Professor e filósofo. Fez seu mestrado e doutorado em filosofia na USP. Fez mais um mestrados e mais um doutorado, na filosofia da educação na PUC-SP. Seu pós doutorado foi em Medicina Social na UFRJ, no grupo do médico e psicanalista Jurandir Freire Costa. Fez graduação em Filosofia no Mackenzie e em Educação Física em São Carlos, em escola posteriormente encampada pela Universidade Federal de S. Carlos (UFSCar). Possui carteira profissional de jornalista e se trabalha como escritor. Lecionou em várias universidades no Brasil, teve experiências como pesquisador na Nova Zelândia e Estados Unidos, como Visiting Professor. Foi professor livre docente e titular da UNESP e se aposentou na Universidade Federal do Rio de Janeiro.