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A POESIA DE CELSO PINHEIRO


            Diversos escritores piauienses estão a exigir estudo e divulgação, a fim de que se possa, de fato, rever conceitos e redimensionar a representatividade de suas obras na literatura piauiense. Entre esses escritores, o poeta Celso Pinheiro (1887-1950), cuja produção é quase que praticamente desconhecida dos piauienses. Um dos entusiasmados com a poesia dele é o poeta e crítico literário Hardi Filho, que quando do centenário do poeta, publicou o ensaio “Poesia e dor no simbolismo de Celso Pinheiro”. Com Hardi, conversamos sobre a poesia dessa grande expressão de nossa literatura.
Dílson - Gostaria de iniciar nossa conversa, pedindo ao senhor que situasse Celso Pinheiro no contexto da Literatura Piauiense.
Hardi - Na minha opinião, o que situa Celso Pinheiro no contexto da Literatura Piauiense é o mesmo que o situa nacionalmente: sua caracterização. Diz-se, por exemplo, que Castro Alves foi o Poeta dos Escravos; Augusto dos Anjos, a quem rendemos preito especial de admiração, é, com muita justeza, cognominado o Poeta da Morte; o sensualismo lírico-épico do inigualável Bilac pode servir-lhe de caracterização; o meigo Casimiro de Abreu é por excelência o nosso Poeta da Saudade; Gonçalves Dias é nitidamente caracterizado pelo indianismo. E assim por diante.
O estado do Piauí, sempre carente de divulgação artística, teve a honra de ser o berço de um poeta perfeitamente caracterizado dentro da literatura nacional, pela preponderância conteudística e pelo tom melódico-dolorido de sua poesia.
Celso Pinheiro é o Poeta do Sofrimento.
Dílson - O senhor inicia o estudo Poesia e dor no simbolismo de Celso Pinheiro, afirmando que a poesia deste vate comove e convence. Que aspectos são responsáveis por isso?
Hardi – Ninguém melhor do que ele soube externar, poeticamente, a sensação dolorosa em todas as suas nuanças e expressões de vivência; ninguém como ele, no Brasil, fez o panegírico da dor, parecendo que tinha como companheira inseparável a estuar-lhe no sangue, na alma, no destino de sua própria vida. Lendo a obra de Celso Pinheiro, temos a feliz impressão de que o poeta não morreu, tal a força comunicativa de sua poesia. Ali está ele de coração aberto e não vazio. Ali está, de coração transbordante de amor, ansiedade, tristeza, mágoa, desencanto, tudo que representa a ess~encia da própria vida, o sofrimento do Ser que vive e raciocina, que se preocupa, que se tornou, por assim dizer, o receptáculo da dor universal.
Dilson - Qual a origem da dor na poesia de Celso Pinheiro?
Hardi – O pensamento, a perquirição em todos os graus da angústia que a vida e a morte nos impõem. Dor resultante do conflito congênito entre as limitações materiais do Homem e sua inteligência e amplitude espiritual. Em outras palavras: dor nascida da percepção profunda do transitório da vida em confronto com o eterno, com o transcendental adivinhado e sentido...
Dílson - Lendo Poesia e dor no simbolismo de Celso Pinheiro, observa-se que o senhor aproxima Celso Pinheiro e o pré-modernista Augusto dos Anjos. O que exatamente aproxima os dois poetas?
Hardi – Insistimos em compara-lo com Augusto dos Anjos, porque notamos suas afinidades. Augusto: o Revoltado – linha retas e negras embora a resultante seja a resplandência! Celso: o Deserdado – linhas ondeantes de sombra e caridade, onde o otimismo às vezes pontifica. Entretanto, nos pontos sombrios a afinidade é notória. Poder-se-ia afirmar que foi também, como Augusto, um filósofo do verso. A dor, da qual se tornou o porta-voz por excelência, não é corpórea, a fisiológica, como a primeira vista deixa transparecer; é sim, a dor do ser racional, equivalente a dos “Eu” tão bem definido e cantado por Augusto. Vejamos a semelhança, por exemplo, nesta amostragem do longo poema Spleen:
Dílson - Sabemos que o bom escritor é um obcecado pela linguagem. Qual o comportamento de Celso Pinheiro em relação à linguagem?
Hardi – Exímio sonetista, Celso Pinheiro nos encanta com o seu poder comunicante e profundeza imaginativa. Lendo-o, sente-se a facilidade com que ele transpunha para o verso as idéias e imagens que lhe passavam pelo pensamento. Sempre numa linguagem simples e correta.
Dílson - Com tantas qualidades, como o senhor está deixando claro ao longo de sua fala, porque a poesia de Celso Pinheiro é ainda hoje tão pouco conhecida?
Hardi- A poesia de Celso Pinheiro faltaram as oportunidades de divulgação que teve a de Da Costa e Silva. Deste, o primeiro livro, Sangue, foi lançado no Recife, em 1908, onde o poeta viveu vários anos ainda como estudante; Zodíaco (1917), Verhaeren (1917), Pandora (1919) e Verônica (1927), acreditamos tenham sido editados no rio de janeiro, para onde se transferiu. Ainda assim, quando do lançamento das Poesias Completas de Da Costa e Silva, Edições O Cruzeiro, em 1948, dizia-se (na orelha do livro) que “há muito tempo as edições originais de seus livros estão esgotadas, sendo o poeta pouco conhecido das gerações que surgem”. Que se dizer de Celso pinheiro, que nunca se ausentou do Piauí e cujas produções, não enfeixadas em livros no tempo oportuno, permaneceram circunscritas aos limites do estado, quiçá de Teresina?! O fato comprova a assertiva, ainda hoje válida, de que o escritor piauiense, para ser conhecido e apreciado, tem mais chances em outras plagas onde encontre meios de exercitar seu talento e expandir seu idealismo.
Dílson- Na súmula das obras, publicada em "Poesia e dor no simbolismo de Celso Pinheiro". observa-se que o poeta escreveu poemas com conotações políticas. Nessas obras, Celso Pinheiro mantém a mesma qualidade das demais?
Hardi- A qualidade da linguagem é a mesma. Diferentes e variados são os conteúdos dessas produções e também de sua prosa, mas sempre obedecendo os ditames de um pensamento lógico diante de figuras, situações e fatos políticos de sua época.
Dílson- Com tantas qualidades, como o senhor está deixando claro ao longo de sua fala, proque a poesia de Celso Pinheiro é ainda hoje tão pouco conhecida?
Hardi- À poesia de Celso Pinheiro faltaram as oportunidades de divulgação que teve a de Da Costa e Silva. Deste, o primeiro livro, Sangue, foi lançado no Recife, em 1908, conde o poeta viveu vários anos ainda como estudante; Zodiaco (1917), Verhaeren (1917) e Verônica (1927), acreditamos tenham sido editados já no Rio de Janeiro, para onde se transferiu. Ainda assim, quando do lançamento das "Poesias Completas" de Da Costa e Silva, Edições O Cruzeiro, em 1948, dizia-se (na orelha do livro) que "há muito tempo as edições originais de seus livros estão esgotadas, sendo o poeta pouco conhecido das gerações que surgem".
Que dizer de Celso Pinheiro, que nunca se ausentou do Piauí e cujas produções, não enfeixadas em livros no tempo oportuno, permaneceram circunscritas aos limites do Estado, quiçá de Teresina?!
O fato comprova a assertiva, ainda hoje válida, de que o escritor piaiuiense, para ser conhecido e apreciado, tem mais chances em outras plagas onde encontre meios de exercitar seu talento e expandir seu idealismo.
Em 1939,  a Academia Piauiense de Letras, num esforço de divulgação da cultura do Estado e demonstrando o grande apreço que tem pelo poeta, fez editar uma coletânea volumosa (537 páginas) sob o título "Poesias", da qual foram confeccionados quinhentos exemplares. é o que se conhece de Celso Pinheiro. E é muito.
Celso Pinheiro, real expressão do simbolismo brasileiro, ao lado dos maiores poetas da escola do mestre Cruz e Sousa, merecendo por conseguinte, não somente ser mais conhecido e divulgado, mas, também, constituir-se objeto de estudo e permanente reverência.
Dílson- Ao finalizar o estudo sobre a obra de Celso Pinheiro, escritor, o senhor diz que Celso Pinheiro legou-nos "os sonos e as esperanças de um canto predominantemente amargurado na busca da verdade". Que verdade buscou o poeta Celso Pinheiro?
Hardi- Creio que ele buscou o que todos os homens de pensamento buscam: viver uma vida de verdade humana, através do sentimento, das idéias e dos sonhos.
Dílson- Se o senhor tivesse que escolher um poema para representar Celso Pinheiro em uma antologia, que poema o senhor escolheria?
Hardi- Difícil em Celso Pinheiro fazer-se uma seleção de poesias. Toda a multidão (se assim podemos dizer) de sonetos e poemas de sua lavra possui aquela exuberância artística, aquela preciosa essência que identifica um gênio criador. Não será exagero se dissermos que qualquer uma de sua produções lhe daria a imortalidade literária.
Para esta afirmação, eu fiz um teste: abri seu livro Poesias num página qualquer. Lá, estava o soneto Barreiras:
Barreiras de impossíveis, ai, barreiras
sem a brecha falaz de uma janela,
por onde eu possa ver a Imagem dela
na moldura das tardes brasileiras.
 
Nem meus gemidos monstros de cachoeiras
nem meus soluços roucos de procela
vos moverão dessa mudez de cela,
torvas, fatais, sinistras, agoireiras!...
 
Embalde, para a ver, alongo os olhos,
fico em bico de pés, e, alucinado,
piso os cardos, as urzes, os abrolhos...
 
Ai de quem, entre lágrimas e poeiras
só distingue entre si e o bem-amado
barreiras e barreiras e barreiras!
 
Atentai, para a agudeza filosófica do conceito, para a transmutação de um simples fato amoroso em teoria humanística, essencialmente verdadeira e universal:
Depois de ter amado a todas elas
e o coração por elas perdido,
fechei agora as portas e janelas
do templo de minhalma, entristecido...
 
Que nunca mais traspasse o meu ouvido
a seta de uma voz... Lindas donzelas!
O coração que muito tem sofrido,
deixai-o só pelas sombrias celas...
 
"não procureis abri-lo para exames!"
O fantasma da dor extremunhado
vos causaria sustos e vexames!!...
A um sonho bom sucede o pesadelo!
E eu prefiro ser sempre desgraçado
a ser feliz para deixar de sê-lo...
 
Outro soneto dentro da sua principal característica:
Mãos abanando, o coração vazio!
Até parece o pródigo da lenda,
eu queperdi a derradeira prenda,
meu trigal de esperanças pelo estio...
 
sou mais rude, mais triste, mais sombrio,
desde que vi, em áspera contenda,
invadindo-me as terras e a fazenda,
os selvagens da dor e do desvario...
 
Foram raptos febris de primaveras,
chacinas de Ilusões e de quimeras,
saques de sonho, frêmito, arrepio...
 
Ai de quem volve pela mesma estrada,
de alma abatida, lânguida, cansada,
mãos abanando, o coração vazio!...
 
E finalmente, o lírico admirável que é também Celso Pinheiro:
Minha, só minha, só, unicamente minha!...
As tuas mãos de luar, macias e cheirosas,
os teus seios ardendo em músicas de rosas,
a tua boca ideal, ó pérola marinha!
É minha a tua carne, a fulgurante vinha
que tem uvas de sangue, etéreas, luminosas,
e resplende na luz em ânsias ondulosas,
minha, só minha, só unicamente minha!
 
Minha toda tu és! A graça, o enlevo, o encanto,
a blandícia do olhar, a alva melancolia,
o dealbar do sorriso e o estelário do pranto!
 
É minha a exaltação, minha a esperança, minha
a glória de te ter nos meus braços um dia,
minha, só minha, só, unicamente minha!