Rogel Samuel

 

 

Celso Furtado talvez tenha sido o escritor que eu mais tenha lido, no que se refere ao estudo do Brasil. E foi o autor que eu mais recomendei, em sala de aula, no mestrado ou doutorado da UFRJ. O pouco que sei sobre o Brasil, e sobre as questões culturais brasileiras, devo a ele. Não só o lia, mas anotava seus livros, fichava, relia-os. Minha opinião derivava dele. Eu sempre vi o Brasil através de seus olhos.

         Sua «Formação econômica do Brasil» tornou-se uma espécie de bíblia de todos os que pensaram o Brasil depois dos anos 50, e rivaliza com a «História econômica do Brasil» de Caio Prado Jr.

Ele era um raro caso de pensador de esquerda não-marxista no Brasil, e um dos poucos brasileiros mundialmente citados.

Sempre o encontrava em Copacabana. Era meu vizinho na rua Anita Garibaldi. Muitas vezes o vi andando pela rua, ou na fila do Banco do Brasil. Mesmo sendo ministro entrava na fila como todo cidadão. Mas nunca tinha conseguido falar-lhe. Nunca ousara.

A primeira, única e última vez que consegui falar com ele foi no Iate Clube do Rio de Janeiro. Era por ocasião da vernissage de Leite Lopes, o cientista-pintor, e Mirian de Carvalho, minha amiga, tinha escrito o texto crítico. Convidou-me. Celso Furtado já estava bem doente, falava com certa dificuldade, mas mantinha ainda aqueles olhos de penetrante inteligência que a doença cerebral não tinha conseguido destruir.

         - O senhor sempre foi o meu mestre, eu lhe disse. Tive coragem de dizer, ao cumprimentá-lo.

         Ele riu - coisa rara nele - mas nada falou.

         E foi só.