[Maria do Rosário Pedreira]

A nossa literatura foi, ao longo de décadas, contida e envergonhada em matéria de sexo e corpo. Até recentemente, os nossos escritores eram incapazes de reproduzir por escrito uma cena de sexo com naturalidade, tornando às vezes ridículo e nada visual o que descreviam nos seus livros, ou simplesmente contando que aquilo se tinha passado, e pronto, estava dito que os protagonistas tinham tido relações sexuais. Já houve, aliás, quem fizesse um levantamento de «pérolas» literárias contemplando o relacionamento íntimo de personagens, trazendo à luz algumas metáforas bastante risíveis ou até de mau gosto. Lembro-me da lufada de ar fresco que foi para mim ler há muitos anos Estação das Chuvas, de José Eduardo Agualusa, que, talvez pela sua parte africana e quente, descrevia como ninguém uma cena de amor físico. Mas parece que, com a geração mais nova (que vive, e ainda bem, uma sexualidade mais descomprometida e sem tabus), a literatura ganhou nesse sentido, e agora fala-se muito do romance O Meu Amante de Domingo, da jornalista e escritora Alexandra Lucas Coelho, vencedora com a sua obra anterior do Grande Prémio de Romance e Novela da APE. A protagonista, revisora de texto, resolve vingar-se de um homem que podia ter amado escrevendo um romance sobre um suposto amante, mecânico de profissão, com violência e até, ao que leio numa entrevista, palavrões... É caso raro e fico curiosa, não por causa do sexo, claro, mas por causa do que é novo na literatura portuguesa.