Cartas a um jovem
Por Gabriel Perissé Em: 03/11/2004, às 22H00
Contardo Calligaris acaba de publicar Cartas a um jovem terapeuta (Alegro, 2004). Estou lendo de alegre, pois nem mais tão jovem sou, nem jamais fui terapeuta (e muito menos aspiro a ser, embora possa imaginar, na linha das hipóteses descartáveis, que algum talento teria para a profissão).
Mesmo sem ser o melhor destinatário das cartas em questão, sinto-me inspirado por elas, lembrando as insuperáveis Cartas a um jovem poeta, de Rilke, título que vem à memória, obrigatória e imediatamente.
Há no mercado dezenas de livros em forma de cartas a outros jovens, poetas ou não. Antes de Calligaris, Marialzira Perestrelo publicou Cartas a um jovem psicanalista, e, numa rápida pesquisa, encontrei uma certa Mary Pipher, autora de Letters to a Young Therapist: Stories of Hope and Healing.
Os jovens do Brasil e do mundo devem estar sedentos pela leitura de cartas, porque a pesquisa continua e não paro de encontrá-las.
Renato Bernhoeft escreveu Cartas a um jovem herdeiro. Deixará o jovem rico, quando conquistar a velhice – deixará esse livro como herança para os seus?
Cartas a um jovem chef, de Laurent Suaudeau, parece ser uma leitura saborosa. Garçom, por favor!
O conhecido sociólogo francês Alain Touraine lançou nos anos 1970 Cartas a uma jovem socióloga, em que o mestre recomenda: "É preciso abandonar as utopias e profecias, ainda que catastróficas, para analisar o movimento, desconcertante mas real, das relações sociais".
Cartas, cartas, cartas
Em 1997, com a assinatura de Vargas Llosa, surgiu o Cartas a un novelista, não traduzido entre nós, mas que em inglês saiu como Letters to a Young Novelist. Lá, as perguntas de sempre. Como se tornar escritor? De onde saem as histórias? Como usar o material autobiográfico? Como "funciona" a responsabilidade do escritor?
Precisamos publicar cartas e mais cartas a tantos jovens leitores!
Cartas a um jovem jazzista, para que improvise na leitura.
Cartas a um jovem racista, para que saia da leitura com um sorriso amarelo...
Cartas a um jovem nazista, para que se dê conta da história.
Cartas a um jovem artista, para que entre na história com tudo a que tem direito.
Cartas a um jovem fanático, para que relativize tudo.
Cartas a um jovem "desencanado", para que absolutize alguma coisa.
Cartas a um jovem advogado, para que não faça das leis a suma injustiça.
Cartas a um jovem drogado, para que se vicie na liberdade.
Cartas a um jovem... Cartas, cartas, cartas, cartas!
Gabriel Perissé é Doutor em Educação pela USP e escritor