ELMAR CARVALHO

 

 

Prezado Gen. João Evangelista:

 

Estive em sua bucólica e simpática Piracuruca, de muita glória e tradição, hospedado nas proximidades da velha estação ferroviária, onde os trens não mais passam, onde só passam os longos comboios de saudade e solidão.

Acordei cedo e resolvi olhar a linha férrea. Era uma manhã de densas névoas. Os frondosos oitis se esvaíam, embranquiçados, no meio das brumas, como em certas pinturas impressionistas. Ao longe, na curva, a estrada férrea se dissolvia na neblina, despertando a imaginação para longas viagens no tempo e no espaço, feitas de pura emoção. O bairro sossegado mais parecia uma aldeia, em que só faltavam os repiques saudosos de um sino e o canto vibrante e melancólico de um galo, ambos anunciando e saudando o alvorecer.

De longe eu contemplava a pequena estação, de longa história, pois uma inscrição em suas paredes assinalava a sua construção como sendo de 1922. E eu lamentava que ao invés do progresso, com locomotivas mais ágeis e confortáveis, a velha ferrovia estivesse desativada, em completo abandono e desperdício.

O frio leve e gostoso dessa madrugada de muito sentimento e quietude era por vezes avivado pela carícia suave de uma quase imperceptível brisa, que perpassava como um leve toque sobrenatural, em que a gente se sente envolvido pela paz e proteção do Onipotente, em verdadeira sensação de êxtase e beatitude.

E como não poderia deixar de ser, lembrei-me do amigo, um dos mais ilustres e dedicados filhos de Piracuruca, sempre fidalgo nos gestos e no trato, e sempre em prontidão, na defesa dos interesses maiores da pátria, do Piauí e de sua cidade natal. É que a sua condição de militar, e de militar herói da guerra contra o nazi-fascismo, nunca lhe impediu de ser um perfeito cavalheiro e cidadão sensível e preocupado com a justiça social, com os desmandos administrativos, com a sorte dos miseráveis e com os valores artísticos e culturais de seu Estado natal.

O Sr. tem, com muita propriedade e argúcia, analisado em seus artigos e crônicas as mazelas que afligem o povo brasileiro, sempre com um elevado senso de justiça, e invariavelmente apontando sugestões e alternativas.

Embora não seja propriamente um crítico literário, em sentido estrito, todavia pela sua capacidade de análise e observação, embasada em larga cultura humanística e em profunda sensibilidade e empatia para com a arte literária, tem produzido comentários críticos com muita propriedade e pertinência, e desvelado ângulos e aspectos que os afoitos, apressados e superficiais nunca vislumbrariam.

Quando estive em sua Piracuruca, por força de minha nova função na magistratura, como forma de homenageá-lo, e talvez movido pelos incentivos que o Sr. sempre me dispensou, escrevi um longo poema sobre Sete Cidades, em que canto:

Sete Cidades:

                                  Sonho feito

                                  De pedra

                                  Pedra feita

                                  De sonho

                                  Sonho que se fez sonho

                                   Na concretude da pedra.

E  a velha Piracuruca não ficou sendo apenas uma fotografia na parede, como no dizer do poeta, mas se tornou mais viva e presente, através da escrita e da memória do Gen. João Evangelista Mendes da Rocha, que lhe tem como permanente fonte de ternura e inspiração.

Agora só me resta dar um longo mergulho nas páginas de seu livro, de ricos e variados assuntos, e delas extrair a seiva rica e saborosa, para o salutar alimento e regozijo de meu espírito.