Carta de um piloto espacial ao seu comandante
Por Miguel Carqueija Em: 21/06/2010, às 10H28
Das crônicas da Frota espacial...
CARTA DE UM PILOTO ESPACIAL AO SEU COMANDANTE
Miguel Carqueija
“Ilustríssimo Senhor............, Comandante-em-chefe da Frota Interplanetária nº. 4:
Eu estou escrevendo, Senhor Comandante, em termos bastante pessoais e sob minha completa responsabilidade. Bem sei que é uma atitude ousada de minha parte, e fora das minhas obrigações profissionais; mas prometi a minha mãe que seria um homem honrado, temente a Deus, e assim não precisaria me perturbar diante dos nomes e dos títulos. Não posso, pois, sem grave dano para minha tranquilidade, calar diante de atos contra os quais minha consciência se agita e revolta.
O senhor já está a par dos fatos, ou de boa parte deles. No dia 7 de abril, às 16 e 34, hora de Greenwich, nosso cruzador Estrela Roxa registrou em seu serviço radascópico a presença, ainda distante, de um destroço em órbita. A total ausência de emissão, mais a artificialidade da forma, convenceram nosso técnico em comunicações tratar-se mesmo de um destroço, e pelas dimensões poderia ser uma astronave fantasma. Dirigimos, pois, nosso navio na direção indicada, a uns 36.000 quilômetros da superfície terrestre. Nessa altura eu já não sabia o que dizer, tal a estranheza da visão. Era uma nave alongada, e em sua ponta fina e comprida podíamos distinguir a cabeça horrenda e feroz de um dragão, ou coisa parecida, uma cabeça de olhos arregalados e dentes à mostra. Isso e outros detalhes que íamos descobrindo deixaram-nos embasbacados, mas prosseguimos e afinal abordamos a coisa.
O resto o senhor sabe. Os peritos que depois chamamos atestaram, jogando nisso a sua reputação, que se trata de navio viking, por mais absurdo que pareça. A cauda alongada, a cabeça chifruda de serpente, os escudos acompanhando o casco, soldados a ele por método desconhecido, ou pela própria condição do espaço; o uso de carvalho, pinho, abeto, calafetagem de pelos, tudo isso, mais os detalhes constantes do relatório por mim redigido e assinado, com os testemunhos em anexo do restante da equipagem e dos cientistas, mostra com bastante peso que se trata de barco viking; encontrava-se porém fechado hermeticamente com liga desconhecida. Os corpos descobertos no seu interior estão em perfeito estado de conservação, e assim quase todos os objetos, como lanças, espadas, capacetes etc.
Agora chegou no transporte Alfa-16 o Tenente................., com a ordem de destruir o achado, reduzindo-o a poeira atômica, e a ordem de silêncio absoluto de nossa parte. Estamos à espera dos meios necessários para desintegrar o barco.
E agora, Senhor Comandante, chego ao âmago do problema. Não quero crer que o senhor deu a ordem, apesar da chancela do seu secretário. Tenho para mim que a atitude de negar ou ignorar os fatos desconcertantes, e que contrariam o que geralmente se admite, chegando ao ponto de destruir propositalmente os indícios incômodos, não é, não deve, não pode ser a atitude de um alto oficial da Astronáutica. Envio este ofício, senhor, pelo transporte que trouxe o tenente; escrevo às pressas porque já irão partir. Rogo, pois, que o senhor ouça o meu apelo, e reconsidere, e consinta que o achado chegue ao conhecimento das universidades e depois do público. Aceite as minhas desculpas e protestos da mais alta consideração.
R........................., piloto do Cruzador Espacial Estrela Roxa.”