(Miguel Carqueija)

Vejamos as repercussões do ataque de Faisão Verde entre os Rebeldes e a cúpula do governo de Lemuel:


CAPÍTULO 2

O CHANCELER


        Aquele incidente ocasionou diversas consequências. Uma delas foi a surpresa de Lorne Hurne ao ver o amigo são e salvo, ainda que assustado. Tousand parecia ter-se entrevistado com medonhos fantasmas, a julgar pelo seu transtorno fisionômico. Demorou muito tempo a contar tudo, precisando tomar uma bebida e sendo muito puxado para falar.
        Lorne teve a impressão de que o seu amigo estava delirando; mas o simples fato de estar ali, livre, já era espantoso.
        — Nós já o dávamos como perdido.
        — Bem, e que fará você em relação ao Faisão Verde?
        — Você não tem outro nome para chamá-lo? Não gosto de coisas ridículas.
        — Coisas ridículas! Você não viu com os seus próprios olhos!
        — Bem, não vamos discutir isso. Você terá de ficar aqui por algum tempo. Escondido, sem sair de casa. Todo o pessoal aqui é de confiança. Se vier algum estranho você não aparecerá. Terá de ser assim.
        — É claro. Tenho amor à pele... mas lamento incomodá-lo.
— Ora, você faria o mesmo por mim.
        — Você ainda não respondeu minha pergunta.
        — E que posso dizer? Não sei como entrar em contato com esse tipo.
        — Ele deverá aparecer... a qualquer hora.
        — Mas não com a tal fantasia, espero. Se viesse bater aqui desse jeito, em quinze minutos estaríamos todos encanados.
        — Eu não imagino como ele fará. Afinal, também não irá tirar a roupa e mostrar quem é.
        — Acho melhor discutirmos isso depois. Vou ter que sair agora.


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        Era domingo e, não obstante, dia de trabalho normal em Lemuel. O feriado de fim-de-semana fôra abolido há anos, bem como todos os feriados históricos — não relacionados com a Revolução — e religiosos. É verdade que o descanso semanal ainda existia, mas numa escala de revezamento com poucas possibilidades de escolha da parte dos funcionários. Apenas a alta cúpula do governo, bem como os governos estaduais e municipais, mantinha, por comodidade, para melhor concatenação, o feriado rígido aos sábados e domingos.
        Hurne, homem de princípios religiosos, sentia repugnância em trabalhar aos domingos, mas não tinha escolha. Trabalhava porém, naquele dia, meditando o estranho mistério do Faisão Verde e como aquela aparição poderia influenciar o futuro do país.

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        O Chanceler Saturnino, homem cadavérico e com olhar de peixe morto, ergueu-se e fitou, do outro lado da escrivaninha, o Capitão Marte.
        — Espera que eu acredite em tudo isso?
        — Não esperaria, senhor, se não contasse com o testemunho de meus homens.
        Saturnino pegou um isqueiro-laser e acendeu seu cigarro.
        — O trem desmontado é realmente algo de inaudito... mas eu não posso crer que tudo se resuma a isso. Que nada mais vocês saibam. Ou estou lidando com um bando de covardes?
        — Senhor, se estivesse lá...
        Arrependeu-se, no mesmo instante, pelo que dissera.
        — Teria corrido também? É isso que você pensa?
        — Desculpe, Senhor Chanceler. Estou perturbado.
        — Isso eu já notei. Pois bem. Mandarei fazer o mais minucioso exame que for possível do túnel, do vagão, da locomotiva, de tudo. Se for comprovado que os Rebeldes dispõem de uma arma secreta tão poderosa, não nos restará outra alternativa senão aumentar a repressão. Procure o Professor Iantok e vá com ele e seus auxiliares para fazer o exame. Mantenha em quartel todos os homens que participaram da operação. Você assinará o relatório junto com o professor, entendeu?
        — Entendi, senhor.
        — Pode ir!
        Depois que Marte saiu, Saturnino aproximou-se da janela oval e fitou contemplativamente a prateada Cúpula Energética.
        A insatisfação do povo e as ações cada vez mais atrevidas dos Rebeldes estavam colocando o regime de Lemuel contra a parede. Mas era uma parede perigosa, pensou Saturnino.


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        E a opinião pública?
        O caso não podia ser totalmente abafado, mas os detalhes mais extravagantes foram ocultos. Os morcegos frugívoros que habitavam o túnel sabiam mais que o cidadão comum que comprava o seu jornal nas bancas eletrônicas.
        
        “ATAQUE TERRORISTA DOS INIMIGOS DO POVO”

        A manchete do “Revolução” antecedia uma série de afirmações mirabolantes, forjadas às pressas.
        “Elementos traidores, infiltrados na guarda, fizeram parar o trem que conduzia o inimigo do povo Tousand ao Triângulo, e através de alucinações provocadas por drogas, colocadas na bebida de seus companheiros, conseguiram aterrorizar os vigilantes fiéis à República, e que eram a maioria. Embora tenham dado fuga ao criminoso, os guardas traidores, cujos nomes estão sendo mantidos em sigilo, foram presos e responderão pelo que fizeram.”
        — Aposto em como nada disso é verdade — comentou Tody de si para si, após ler as notícias.