(Miguel Carqueija)

 

Poder contra poder: Saturnino e Faisão Verde medem suas maiores forças

CAPÍTULO 11

O ÚLTIMO RECURSO


        Lena recolocou a máscara.
        — Para que isso? Agora que a vi...
        — Por favor, Riní, agora não. Eu sempre o amei... é isso o que você queria ouvir? Mas vamos primeiro salvar o nosso país!
        Apontou uma das poltronas em frente ao painel, a da direita, e sentou-se na sinistra. Riní sentou-se ao seu lado.
        Lena, o Faisão Verde, regulou a grande tela. Existiam painéis menores, que mostravam de diversos ângulos o exterior do palácio.
        — Nesse exato momento, Riní, nossa fortaleza está sendo submetida a intenso bombardeio de pedras-pome expelidas pelos vulcões Hombre e Terror Vermelho, que estavam inativos há séculos. Além disso faíscas gigantescas e um ciclone se chocam contra nós. Estão ocorrendo abalos sísmicos. Bolas de fogo tentam nos crestar. Tudo isso mostra que o nosso querido amigo Saturnino já nos localizou, já sabe que aqui é o nosso reduto energético e portanto a maior emissão de força do Triângulo se dirige contra nós. Se você souber interpretar aquele mapa eletrônico, verá que há subdivisões na emissão de força, que atingem outras regiões do país, mas em menor intensidade.
        — E você acha que poderemos resistir?
        — Teoricamente sim, pois estamos envolvidos pelo campo Y, a não ser que a radiação dura do Triângulo consiga abrir uma brecha, o que estou tentando impedir. Mas isso não resolverá o caso, pois a rebelião será esmagada e nós mesmos, ainda que inexpugnáveis, seremos submetidos a cerco e não teremos como nos alimentar...
        — Então, há algum meio de contornar tudo isso?
        — Não se lembra do que eu falei há pouco?
        — Erguer o castelo... voar com ele? Com a tensão nervosa cheguei a esquecer. Vamos fazer isso agora?
        — Sem mais um minuto de demora. Me ajude!
        — Que devo fazer?
        — Puxe aquela alavanca verde à sua direita. Puxe o máximo que puder!
        Riní obedeceu e Lena regulou e apertou diversos botões. Luzes começaram a piscar. Lena abriu uma tampa, com uma chave tirada de um esconderijo no seu uniforme, e fez subir um timão embutido.
        — Segure-se, Riní, que lá vamos nós!
        Riní sentiu a sala sacudir. Só que não era a sala, era o castelo. O cachorro latiu e começou a tentar se mover, mas escorregava em direção à parede oposta ao painel. Um sacolejão mais forte, e uma sensação de liberdade, indicaram a Riní que o Faisão Verde conseguira o seu intento.
        O castelo levantara vôo.    


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        Desenrolava-se nos ares uma das cenas mais incríveis que o mundo conhecera em todos os tempos.
       O imenso castelo voava. Um ciclone o acompanhava. Imensas descargas elétricas nele se enroscavam, assemelhando-se a serpentes descomunais. Fogos-de-Santelmo de um tamanho inédito arremetiam contra a construção voadora e nela se esparramavam, com chiados e explosões. E como se tudo isso não bastasse, estrelas cadentes e já agora grandes bólidos incandescentes, que normalmente ter-se-iam incendiado e destruído na atmosfera, vinham chocar-se contra o castelo de Hermógenes. A cobertura energética apresentava mossas, sua superfície luminosa estava já bastante irregular, mas o estranho veículo, aumentando de velocidade, prosseguiu obstinado em sua rota. Sua velocidade passava de oitenta quilômetros por hora, o que não parece muito mas, considerando-se a ausência aparente de mecanismos de propulsão, era bastante.
        O castelo jogava, lutava para livrar-se da laçada gasosa, levava tudo de roldão. Os projéteis esboroavam-se, abalavam a grande massa, cuja aura energética reagia com grandes descargas.
        No Triângulo o ambiente era de estupefação e incredulidade. Saturnino, com os olhos fuzilando sobre Iantok e Ipuwer, cobrava uma explicação dos dois sabichões.
        IPUWER — Que esse castelo voe, é uma constatação nova dos recursos dessa energia. Mas o que importa, no caso, é que ele está vindo sobre nós. — Nesse ponto Ipuwer voltou-se com severidade para o Professor Iantok: — Cabe a você, sem dúvida, deter essa joça. Você é que é o grande entendido em Arma do Poder.
        — Senhor Ipuwer! Nós estamos tentando! Mas por que não disparar mísseis atômicos sobre essa coisa?
        SATURNINO — Há tempo, general?
        — Darei as ordens. Acontece, porém, que o Triângulo é inexpugnável...
        — Não lhe perguntei senão uma coisa.
        — Sim, senhor.
        Ipuwer correu ao vídeo-microfone para comandar o batalhão de balística. Algo muito fora de moda, tendo em vista a quase abolição da energia atômica. Os mísseis lemuelianos eram secretos e seu uso poderia acarretar problemas internacionais...
        Iantok encontrava-se diante de uma tela fantástica na qual dançavam lençóis de cores cinematográficas. Só um especialista poderia dizer o que aquilo significava. Marte, porém, que não era um especialista, e desejoso de fazer esquecer o fiasco do trem, aproximou-se indignado do cientista:
        — O senhor vai ficar aí vendo televisão em vez de tomar enérgicas providências?
        — Mas que quer o senhor dizer? Estou interpretando as linhas de força que definem a emissão de nossa cúpula...
        — Por que o senhor não concentra toda a força destrutiva no castelo?
        — Se fizer isso, desviarei dos outros pontos...
        — Escute aqui, homem — disse Loana. — Os últimos relatórios dizem que os Rebeldes foram dizimados em todos os pontos exceto em Gloria já que não pudemos direcionar a força dura em nossa própria capital. Os estragos foram muitos, pagamos um violento preço, mas ganhamos a guerra. Só falta acabar com essa coisa maldita.
        — Mas já fiz de tudo! Até atraí grandes meteoros e a coisa continua vindo!
        IPUWER — Já mesmo? O castelo está no ar! Já usou o ar?
        — É claro! Tornado e furacão...
        — Faça mais que isso. Aeromoto.
        — Isso é algo que eu nunca tentei...
        — Sabemos que pode ser feito. Vire esse negócio de pernas para o ar e jogue-o ao chão!


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        — Nós temos um campo gravítico artificial aqui dentro, como eu disse. Mas estou preocupada com os outros. Até agora não jogamos tanto assim, mas pressinto que vem coisa feia...
        — Do jeito que o tempo está feio lá fora...
        Riní afagava a mão de Lena, ainda que protegida por uma luva. A jovem procurava não encorajar nem repelir muito essas manifestações. Havia uma prioridade, um dever a cumprir.
        — Riní, temos que evitar que nos desviem! Em última palavra é o que querem fazer!
        — Você acha mesmo? Por mim querem fazer coisa pior!
        — Sim, claro que querem nos destruir! Mas se não puderem, tentarão nos impedir de chegar ao Triângulo!
        — E falta muito?
        — Em quinze minutos chegaremos se não nos retardarem. Meu Deus! Veja a agulha!
        Realmente, a agulha do sismógrafo parecia ter enlouquecido.
        — Riní, vamos deixar os outros entrarem! Vamos jogar muito agora!
        Bateram na porta.
        Ao abri-la, Riní teve consciência da situação externa à sala: móveis e objetos jogados e quebrados.
        Lorne e todos os demais entraram, ocupando o pequeno espaço, recebendo as festas de Stambul, que continuava nervoso, sentindo a anormalidade da situação. Lorne esclareceu logo:
        — Chamei todo mundo. Nós já demos uma cambalhota e não foi nada agradável. Vocês dois já estiveram sozinhos demasiado tempo.
        Riní corou. O Faisão Verde encarou Lorne friamente:
        — Que está insinuando? Nós não tiramos as nossas roupas, se é isso que quer saber. Mesmo que quiséssemos não haveria tempo; estamos dirigindo. Fechem a porta! Venha, Riní!
        Entre risos, Lorne respondeu:
        — Bem, não precisa se zangar tanto! Foi um comentário sem maldade...
        O castelo estava sendo envolvido pelo aeromoto.