Igreja de Santa Cristina de Meadela
Igreja de Santa Cristina de Meadela

Reginaldo Miranda*

 

Elementos da família Antunes estão presentes na colonização do Piauí, desde seu início, embora nenhuma família tenha se caracterizado ou notabilizado com este nome no Estado. Na Descrição do sertão do Piauí, finalizada pelo padre Migual de Carvalho, em 2 de março de 1697, constam os seguintes nomes: Antônio Antunes (fazenda Gameleira, no rio Canindé); Gonçalo Antunes (fazenda o Saco, no rio Itaim); Domingos Antunes (fazenda Santo Antônio, no riacho Canabrava, afluente do Poti) e Francisco Antunes (fazenda Buritis, no rio Gurgueia).

Na Relação de todos os possuidores de terras desta capitania de São José do Piauí, concluída em 15 de novembro de 1762, pelo conselheiro ultramarino Francisco Marcelino de Gouveia, constam os seguintes: Francisco Alves Antunes, que juntamente com Amaro Luiz, comprou a Balthazar Amorim, a fazenda Santo Hilário, na freguesia de Piracuruca; Manuel Antunes da Fonseca, comprou a Antônio da Costa Oliveira, a fazenda da Barra, onde hoje viceja a cidade de Barras; João Antunes de Abreu, comprou às Freiras de Santa Clara do Desterro da cidade da Bahia, a fazenda Aldeia, no rio Canindé; e, por fim, Manuel Antunes da Assumpção, compossuía a fazenda Boa Vista, na ribeira do Canindé, como herdeiro de Francisco Cardoso Rosa.

No entanto, com o nome Trigo apenas colonizou o território piauiense o lusitano Manuel Antunes Trigo, fundando a fazenda da Barra, no riacho das Cobras, afluente do rio Marataoan. O padre Miguel de Carvalho noticia sobre ele já residindo naquela fazenda quando de sua diligência em 1697. Mais tarde, o conselheiro Francisco Marcelino de Gouveia nos dar notícia de um filho dele, Adrião Antunes Trigo, possuindo a fazenda Algodões, que herdara do pai, que a povoou; assim como tendo vendido a Duarte Teixeira, a fazenda São Boaventura, ambas situadas no termo de Piracuruca, onde aquele residia. 

Mas quem era esse Manuel Antunes Trigo? Pouco sabemos sobre ele. Fazendo uma pesquisa nos arquivos da Torre do Tombo, encontramos informações sobre as seguintes pessoas: Sebastião Antunes Trigo, natural e batizado na freguesia de Santa Cristina, na vila de Viana, morador na cidade de Lisboa, filho de Domingos Pires e Maria Trigo, fez a Leitura de Bacharéis em 1694; em 1690, outro Sebastião Antunes Trigo, também filho de Domingos Pires e Maria Trigo, pleiteou o cargo de familiar do Santo Ofício, dizendo ser natural da freguesia de Santa Cristina de Meadela da vila de Viana e morador na cidade da Bahia, onde era homem de negócios; por fim, em 1699, um seu contemporâneo e homônimo tentava obter o hábito da Ordem de Cristo, porém, na realização das provanças foi constatado que ele exercera na juventude a profissão de caixeiro, seguindo-se-lhe a de mercador de loja aberta; e que seu pai e o avô paterno foram pedreiros, além de que a avó materna fora criada de servir.

Esse conjunto de informações nos fazem supor que esse Manuel Antunes Trigo, o moço, colonizador do norte do Piauí, onde fundou três fazendas, era também natural da freguesia de Santa Cristina de Meadela da vila de Viana do Castelo, extremo-norte de Portugal, ou de seus arredores. Ali nascera no ano de 1654, filho de outro Manuel Antunes Trigo[1].

Certamente, no rastro desse parente seguiu para a Bahia e depois para o sertão do Piauí, situando-se nos vales ribeirinhos que atualmente se localizam entre as cidades de Barras e Piracuruca, no norte do Piauí. Ali fundou inicialmente a referida fazenda da Barra, nas vertentes e curso do riacho das Cobras[2], que entra no Marataoan; depois fundaria as fazendas São Boaventura e Algodões, que legou ao indicado filho, Adrião Antunes Trigo[3].

Portanto, a fundação destas três fazendas é prova cabal de que Manuel Antunes Trigo foi bem sucedido no criatório de gado bovino e cavalar no norte do Piauí. Cumpriu, assim, a missão a que se destinara ao deixar a terra natal e vir chantar o solo da colônia na América.

Paralelamente a esse bem sucedido trabalho na implantação de fazendas, Manuel Antunes Trigo também encetou carreira militar, auxiliando no combate às tribos indígenas que perturbavam os fazendeiros por aqueles dias. Ingressou nos postos militares de menor graduação até alcançar o de capitão de infantaria da ordenança da capitania do Piauí, então anexada ao Maranhão.

Por esse tempo se destacou no combate ao elemento indígena que levantara-se em violento conflito que entrou para a história com o nome de Levante Geral dos Índios ou Revolta de Mandu Ladino. Segundo o capitão-general do Estado do Maranhão, Christóvão da Costa Freire, em todas as ocasiões que se lhe ofereceram, esse militar achou-se sempre com muita prontidão, cumprindo com desvelo todas as diligências que se lhe ordenou. Em uma ocasião, sob ordens do mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior, seguiu em busca de socorro para o Ceará, debaixo de rigoroso inverno, tendo de atravessar matos, serras e terras alagadiças, em cuja diligência gastou mais de três meses. Foi, porém, toda a jornada realizada pontualmente e à sua custa, com escravos, cavalos e armas de sua propriedade. E ali chegando solicitou o socorro com grande fervor e zelo, sendo, assim, bem sucedido em seu pleito. E no retorno ainda teve a ventura de prender dois criminosos que encontrou pelo caminho, não sem grande trabalho.

Em 1712, quando o indígena rebelado matou o referido mestre-de-campo, integrou ele as tropas de repressão comandadas pelo cabo Assenço Peres Macino, prosseguindo firme por todo o tempo em que durou a campanha e em todas as ocasiões em que houve encontro com o elemento indígena; em uma ocasião em que não pode acompanhar o dito cabo, mandou um homem de sua obrigação com cavalos e armas, assistindo-lhe com parte de sua fazenda para o apresto das ditas tropas.

Em 1714, recebeu ordem do mestre-de-campo, Bernardo de Carvalho e Aguiar, que substituíra Souto Maior, para juntar alguma gente e se incorporar com ele à tropa que ia fazer guerra ao gentio bárbaro. E deu pronta execução, partindo da sua casa no auge do inverno e fazendo todo o gasto à sua custa. Buscando contato com os demais fazendeiros, percorreu diversos caminhos, atravessando muitos rios a nado, além de vencer outros muitos perigos que se lhe antepuseram; e, com efeito, além de juntar muita gente, a ela ainda reuniu dois homens de sua obrigação, dando-lhes três armas de fogo, pólvora e mais munição necessária, “não indo pessoalmente ao dito mestre-de-campo por padecer algumas moléstias e achaques por ser um homem de 60 anos, mostrando sempre o zelo de bom soldado e muito cuidadoso no aumento daquela capitania”, disse o capitão-general do Estado, Christóvão da Costa Freire, que o nomeou para o posto de capitão-mor dos moradores da freguesia de Santo Antônio dos Alongases.

Ao tempo dessa nomeação, já servia desde três anos no posto de capitão de infantaria da ordenança. E a nova patente de capitão-mor foi confirmada por el rei, em 14 de janeiro de 1718, “por tempo de três anos, de cujo posto não haverá soldo algum da Real fazenda, mas gozará de todas as honras, privilégios, liberalidades, isenções e franquezas que em razão dele lhe pertencerem” (PT/TT/RGM/C/0009/56222. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 9, f. 371).

Foi, assim, o capitão-mor Manuel Antunes Trigo, um destacado agente da colonização portuguesa em terras do Piauí, onde deixou família, fundou três fazendas, criou rebanhos, lutou pela pacificação dos moradores e aumento do criatório, assim contribuindo de forma decidida para o assentamento da base colonial portuguesa em ultramar. Sem julgamentos anacrônicos, foi um homem do seu tempo e que deu a sua parcela de contribuição à sua pátria, ajudando a consolidar o minúsculo e valente Portugal, como um reino onde o sol nunca se punha.

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*REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: [email protected]

 

 


[1] Em 1714, possuía 60 anos de idade. Na confirmação de uma patente militar consta referência à idade e a filiação (PT/TT/RGM/C/0009/56222. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 9, f. 371).

[2] Para o padre Cláudio Melo, o antigo riacho das Cobras é o atual Surubim, em Campo Maior, embora não saiba explicar o fato deste não ser afluente do Marataoan, aventando a possibilidade de lapso do padre Miguel de Carvalho.

[3] Família com este nome não prosperou no Piauí, provavelmente porque os descendentes adotaram outros apelidos familiares ou porque se mudaram para outras terras.