Prefeitura de Barras
Prefeitura de Barras

*Reginaldo Miranda

Foi um importante militar e fazendeiro com atuação na bacia do rio Longá, durante a primeira metade do século XVIII, sobretudo em sucessão ao pai, que fora figura central na colonização daquela região centro e norte do Piauí.

Nascido cerca de 1690, em fazenda paterna do vale do rio São Francisco, freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Rodelas, era filho primogênito do eminente mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar e de sua esposa Mariana da Silva, ele natural de Vila Pouca de Aguiar, em Portugal, ela do mesmo sertão do rio São Francisco. Possuía ao menos dois irmãos que lhe sucederam na ordem de nascimento: Bernardo Carvalho de Almeida e D. Antônia de Aguiar, que fora casada com o coronel Manuel Xavier A’la.

Desde a meninice acompanhou o pai em sua mudança para o sertão do Piauí, criando-se nas margens das lagoas e igarapés da fazenda Bitorocara, hoje cidade de Campo Maior. Ele assim afirma em petição endereçada ao governador do Maranhão, Cristóvão da Costa Freire, ao pleitear carta de sesmaria da fazenda Serra, no sertão dos Alongasses. Resumindo seu petitório, anotou aquele governador na carta concessiva da sesmaria, datada de 15 de janeiro de 1713:

“A Christóvão da Costa Freire, governador e capitão-general do Maranhão, enviou dizer por sua petição Miguel Carvalho de Aguiar[1], filho do coronel Bernardo Carvalho de Aguiar, morador na capitania do Piauhy, aonde se criou em companhia do dito seu pai, ajudando-o em tudo o que era necessário no serviço de Sua Majestade, contra os gentios da dita capitania em muitas hostilidades que cometiam contra os brancos portugueses dela” (PT/TT/RGM/C/0009. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 9. Fl. 370v. 447v-448)

No entanto, com o Levante Geral dos Índios e a nomeação de seu pai para mestre-de-campo da conquista do Piauí e Maranhão, a situação recrudesceu. Por essa razão, em 1715, sentou praça no posto de tenente do regimento de cavalaria do Piauí, auxiliando o genitor nas mais diversas diligências e entradas contra o gentio, servindo sempre com zelo e muita satisfação[2]. No ano seguinte, foi mandado[3] pelo referido mestre-se-campo em diligência à capitania do Ceará, para buscar índios aliados em Ibiapaba, a fim de auxiliar as tropas de combates aos revoltosos. E nesse desiderato seguiu jornada de cento e trinta léguas, em que gastou três meses no percurso de ida e volta, em pleno inverno em que muito padeceu, tendo de andar por terrenos alagados, atravessar uns rios a nado e outras em balsas por ele fabricadas, seguindo por terrenos ásperos e perigosos, passíveis de ataque do gentio rebelado. Os aprestos de cavalos, escravos, armas e munições foram por ele custeados, segundo informa, no que fez grande despesa. E trazendo os índios aliados, na volta ainda aprisionou dois criminosos que iam foragidos pelo caminho, trazendo-os para o arraial de seu genitor.

Em face do grande zelo com que sempre se conduziu no real serviço, em 1717, foi nomeado pelo governador Cristóvão da Costa Freire, para o posto de coronel de cavalaria, que vagou porque o titular André Gomes da Costa mudou-se para a cidade de Bahia. Nesse posto foi confirmado por carta patente de 6 de janeiro de 1718. Passou a auxiliar o pai em todas as diligências e combates contra o elemento indígena, sendo elemento decisivo em diversos confrontos. No entanto, um fato relevante desse período foi a incumbência que recebeu do governador do Maranhão, para liderar “uma escolta de cento e tantas pessoas a prender certos homens facinorosos”, “cuja diligência executou com pronta obediência e boa satisfação, trazendo-os presos e os entregando àquele governador.

No entanto, porque não vencia soldos nesses postos anteriores, os largou e novamente reiniciou a carreira, sentando praça de soldado raso em 4 de novembro de 1720, no dia seguinte galgando o posto de sargento do número da conquista do Piauí, em cujo posto serviu pelo tempo de dois anos, dez meses e quatro dias; em 1721, participou ao lado do pai da conquista do gentio paracati, matando e aprisionando à quase totalidade daquela nação; em 8 de setembro de 1723, foi provido no posto de ajudante do número da conquista, servindo por sete meses e vinte e sete dias; finalmente, em 3 de maio de 1724, alcançou a patente de capitão de infantaria da conquista, por nomeação do general João da Maia da Gama (19.7.1722 – 14.4.1728). Durante esse tempo, assistiu na conquista do Piauí pelo espaço de dois anos, quatro meses e dez dias, até 15 de março de 1723, dia em que se apresentou na praça do Maranhão; assistiu na conquista do Mearim[4], desde 18 de outubro do dito ano de 1723, ali permanecendo ao lado do pai no arraial que fundaram na margem daquele rio, para dar combate ao gentio bárbaro, conforme diz em correspondência datada de 3 de março de 1725. Lideravam um contingente de cem soldados da infantaria paga da guarnição de São Luiz, e ali grande serviço prestaram no apaziguamento da região. De retorno ao seu domicílio em março de 1725, pleiteia a confirmação da referida patente militar e o pagamento de soldos.

Com o fim dos conflitos fixa residência em definitivo na extensa fazenda das Barras, na ribeira do Marataoan, onde este entra no rio Longá, passando a apascentar o seu rebanho, por aquele tempo já em número avantajado, distribuído em diversas fazendas. Embora tendo sido casado na Bahia, durante a mocidade, Miguel Carvalho de Aguiar, pouco conviveu com a esposa, de quem separou-se, de fato, meses depois do matrimônio, antes de gerarem filhos ou construírem patrimônio comum. Segundo ele em seu testamento, esta foi-lhe arrancada de casa, violentamente, pelos parentes. Por isso, na fazenda recebia os favores exclusivos das negras escravas, com quem gerou alguns filhos.

Por esse tempo preocupou-se em regularizar seu patrimônio, assim requerendo às autoridades competentes. Como consequência, em 28 de janeiro de 1734, é passada provisão ao ouvidor-geral Francisco Xavier Morato Boroa, para tombar e demarcar as terras do peticionário. Em seu anterior petitório[5] alegou o proprietário que ele e seu defunto pai tinham conquistado muitas terras ao gentio brabo, tanto no Piauí quanto no Maranhão; também, que além dessas, seu pai havia adquirido em arrematação judicial três fazendas que pertenceram ao falecido mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior, denominadas: Campo Largo[6] (na margem do rio Parnaíba, limitando-se com o riacho Piranhas), Arraial Velho[7] (na margem do Parnaíba, lado do Maranhão, adquirida pelo primitivo proprietário juntamente com a contígua fazenda Nazareth, ambas com dez léguas de comprido e uma de largo) e São Francisco, sitas na Parnaíba, distrito das ditas conquistas do Piauí e Maranhão.

De fato, em 4 de junho de 1739, recebeu a confirmação de sesmaria no lugar Campo Largo, com três léguas de comprido e uma de largura, desbravada por seu pai. Este o havia recebido em sesmaria pelo governador Cristóvão da Costa Freire, no ano de 1713, porém, o pleito de confirmação fora desencaminhado no reino[8], obrigando ao novo pleito do filho e herdeiro. Pelo mesmo motivo, vai adquirir confirmação de sesmaria no Arraial Velho[9], situado na margem esquerda do rio Parnaíba, alegando que o seu falecido pai já a tinha adquirido em 1713, sendo o documento desencaminhado[10].

Em 15 de janeiro de 1713, já havia recebido do governador do Maranhão, uma sesmaria no lugar denominado Serra, no sertão dos Alongases, medindo três léguas de comprido e uma de largura. Foi confirmada[11] em 26 de janeiro de 1718.

Encontramos registro ainda de que o capitão Miguel de Carvalho e Aguiar, vendeu a fazenda Jatobá, com três léguas de comprido e uma de largura, ao seu cunhado coronel Manoel Xavier A’la; vendeu a fazenda das Matas, com três léguas de comprido e duas de largura, a Luiz Pinheiro dos Santos; e ainda traspassou a fazenda Riacho do Padre a seu irmão fr. Bernardo de Carvalho.

O capitão Miguel de Carvalho e Aguiar, fez testamento em 9 de dezembro de 1749, declarando que àquela altura possuía dezenove escravos e quatro fazendas, cujo valor estava avaliado em quarenta mil cruzados, pouco mais ou menos, a saber: das Barras, na ribeira do Maratahoan, no Longá, Campo Largo, São Francisco e Arraial, essas últimas situadas na ribeira do Parnaíba.

O capitão Miguel de Carvalho e Aguiar, deu início à construção da capela de Nossa Senhora da Conceição, em sua fazenda das Barras, por volta de 1740[12], falecendo sem concluí-la, mas deixando bem adiantada a construção, onde já se fazia o sacrifício da missa. Foi, assim, o primeiro morador do lugar e o pioneiro fundador do núcleo que deu origem à atual cidade de Barras, no norte do Estado.

Faleceu o coronel Miguel de Carvalho e Aguiar, por volta do ano de 1752, em sua fazenda das Barras, sendo o corpo sepultado em sua capela de Nossa Senhora da Conceição, vestido no hábito de São Francisco, conforme as disposições testamentárias. Deixou para patrimônio da capela quinze éguas com seu ferro na fazenda do Arraial[13]. Por disposição testamentária, deixou a fazenda para a filha Ana, ainda menor, havida com uma escrava. O padre Cláudio Melo nos dar essas importantes informações, mas desconhecia como a fazenda e a capela teriam passado ao abastado fazendeiro Manuel da Cunha Carvalho[14]. Ocorre que este a adquiriu por arrematação no juízo dos ausentes, em face da execução de dívidas. Ali estiveram paroquiando os devotos, os freis Manuel da Penha e Gabriel Malagrida, tendo este último, em 1759, com sua palavra fervorosa exortado Manuel da Cunha Carvalho para concluir o templo religioso, como de fato ocorrera. Segundo anotou o inolvidável David Caldas, filho ilustre da localidade, àquele tempo a capela “só tinha o presbitério coberto e o mais não passava de alicerces ou começo de paredes”, tendo a obra sido “concluída em pouco tempo”[15]. Posteriormente, o referido Manuel da Cunha Carvalho, vendeu a maior parte dessa fazenda a Manuel Antunes da Fonseca[16], porém, reservando para si pouco mais de uma légua de terras, no entorno da capela de Nossa Senhora da Conceição. Com o esfacelamento da fazenda das Barras, a gleba remanescente ficou conhecido por Buritizinho, segundo se depreende das notas de David Caldas. Ao falecer Manuel da Cunha Carvalho, em 8 de dezembro de 1776, deixou a referida fazenda e seus outros bens ao sobrinho Manuel José da Cunha. Para legado da capela deixou uma dotação de Rs. 150$000 a ser administrada pelo referido sobrinho, que a multiplicou com o giro do capital, transformando-a em Rs. 205$000. Ao falecer em 2 de abril de 1804, este sobrinho doou meia légua de terras que lhe restara, para patrimônio da Igreja. Por esse tempo, já se formara pequena povoação em torno da capela, contando com oito casas residenciais, sendo duas cobertas de telhas e seis de palha. Estavam, assim, lançados os fundamentos da futura vila, depois cidade de Barras, no norte do Piauí. O coronel Miguel de Carvalho e Aguiar foi dessa saga o iniciante.

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*REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: [email protected]

 


[1] O nome aparece com mais frequência Miguel de Carvalho e Aguiar, sendo esta a forma corriqueira de seu genitor, mas também Miguel Carvalho de Aguiar, como também, às vezes, aparece o genitor.

[2] Existe registro de que nesse ano, com uma escolta, perseguiu uma maloca de índios pelo baixo-Parnaíba, afugentando-a.

[3] Com ele foi também o capitão Manoel Antunes Trigo. Nesse mesmo ano, Miguel Carvalho de Aguiar acompanhou o mestre-de-campo seu genitor, numa tropa de guerra ao Maranhão, em que deram combate aos aranhi, matando muitos e aprisionando outros (AHU. ACL. CU 009. Cx. 14. D. 1446).

[4] Conforme seus assentamentos militares e certidão emitida pelo desembargador Francisco Machado, auditor da gente de guerra do Maranhão (AHU. ACL. CU 009. Cx. 14. D. 1446).

[5] AHU. ACL. CU 016. Cx. 2. D. 103.

 

[6] Confirmada por carta de 13 de maio de 1743 (PT/TT/RGM/C/0034/59853. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 34, f.120.

[7] Confirmada por carta de 5 de maio de 1743 (
PT/TT/RGM/C/0034/59854. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 34, f.12)

 

 

[8] AHU. ACL. CU 013. Cx. 24. Doc. 2289.

 

[9] Fundado pelo mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior. Depois as terras foram adquiridas por seu pai e nesta forma repassadas ao filho. É a origem da cidade de São Bernardo do Maranhão. Foi o último domicílio do mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, onde veio a falecer.

[10] AHU_ACL_CU_009, Cx. 14, D. 1445 e 1453. Cx. 26, D. 2718.

 

[11] PT/TT/RGM/C/0009. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 9. Fl. 370v. 447v-448

 

[12] O ano da fundação foi indicado pelo historiador e padre Cláudio Melo, em seu livro Fé e Civilização. Discorrendo sobre a capela de Nossa Senhora dos Humildes de Alto Longá, anotou: “Por volta de 1740 os moradores daqueles sítios se reuniram e levantaram a primeira capela de Nossa Senhora dos Humildes”. Em seguida, afirmou sobre Barras: “A primeira Capela de Barras foi construída mais ou menos no mesmo tempo em que se fez a de Humildes. É obra da piedade do Cel. Miguel de Carvalho e Aguiar”.

[13] O mesmo Arraial Velho.

[14] Manoel da Cunha Carvalho, posteriormente vendeu parte dessa fazenda a Antônio da Costa Oliveira e este, reservando para si uma parte, vendeu outra parte a Manoel Antunes da Fonseca. No entanto, Manoel Carvalho da Cunha, também reservou para si, pouco mais de uma légua de terras nesta fazenda, onde estava a capela de Nossa Senhora da Conceição.

[15] Notas de David Caldas transcritas por Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, em seus Apontamentos Biográficos.

[16] Também o comprador Manuel Antunes da Fonseca, reservou para si quase duas léguas de terras na mesma fazenda, vendendo para Antônio da Costa de Oliveira, uma porção com pouco mais de légua de comprimento e quase outro tanto de largura, o que comprova a grande extensão da área inicial da referida fazenda.