Camões recontou uma estória bíblica

Carla da Penha Bernardo investigou, com proficiência, o soneto camoniano "Sete anos de pastor Jacó servia".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

SEXTANTE

(http://www.astro.mat.uc.pt/novo/observatorio/site/museu/T0194sex.htm,

onde consta:

Construtor: WILLIAM HARRIS & Cº 
Proveniência: Londres, Inglaterra 
Data de fabrico: anterior a 1824 
Data do invento: 1731
Material: latão, madeira, platina, ouro e vidro
Dimensões: 20,5 cm de raio 
Peso: 1,800 kg

Inscrições: W. Harris & Cº 50 Holborn, London & at Hamburgh

Aquisição:

Preço: 18 libras e 18 xelins")

OBS. - A INVENÇÃO DO SEXTANTE É MUITO POSTERIOR ÀS PRIMEIRAS NAVEGAÇÕES PORTUGUESAS, MAS A EXIBIÇÃO AQUI DESSA FOTOGRAFIA faz sentido, UMA VEZ QUE CAMÕES recontou, POETICAMENTE, UMA FAMOSÍSSIMA ESTÓRIA BÍBLICA SÉCULOS E SÉCULOS DEPOIS DE ELA TER SIDO PRIMEIRAMENTE CONTADA, NA BÍBLIA (Antigo Testamento) 

 

 

"Família Verde, período Kangxi (1662-1772), travessa octogonal com borda policromada com flores e folhas. Col. particular-RJ"

(http://www.areliquia.com.br/Artigos%20Anteriores/67CiaIndias.htm)

OBS. - ESSA PORCELANA PINTADA DE SERVIÇO DE MESA DA CHINA É SESQUICENTENARIAMENTE (ou mais) POSTERIOR ÀS GRANDES NAVEGAÇÕES CUJOS RESULTADOS FORAM AS PRIMEIRAS INVASÕES ESPANHOLAS E LUSAS DO NOVO MUNDO, OU SEJA, DAS AMÉRICAS, MAS CAMÕES TAMBÉM recontou A ESTÓRIA BÍBLICA DE JACÓ, RAQUEL, LIA E O SOGRÃO LABÃO SÉCULOS DEPOIS DE A MESMA TER SIDO BIBLICAMENTE CONTADA

 À DIREITA: 

 

 
 
 
 
 
 
 
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
                                  
 
 
  
 
 
 
JACÓ E SEU TIO LABÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JACÓ E SEU TIO LABÃO: RELAÇÕES DO TIPO PATRÃO/EMPREGADO ANCORADAS EM AMOR SINCERO POR PRIMA, em estória sensacional, CUJA "MORAL" É MAIS OU MENOS A SEGUINTE: "- Quer a outra senhorita, então vá trabalhar mais, seu vagabundo!"
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
"Não, muito obrigado, senhor meu futuro sogro, queira me desculpar, mas eu quero, mesmo, é a Raquel" - Em razão de amor sincero, o esforçado pastor Jacó, durante sofridos anos ralou, de sol a sol, como um mouro, porque queria Raquel para compromisso eterno, mas o velho era muito muquirana
(A legenda é desta Coluna, mas a fotografia de noivos felizes está em: http://aindaexistepaz.files.wordpress.com/2008/09/casamento.jpg)
 
 
 
"Sete anos de pastor Jacob servia / Labão, pai de Raquel, serrana bela; / Mas não servia ao pai, servia a ela, /  E a ela só por prêmio pretendia (...)".
 
                Camões
 
"(...) o sete é o símbolo de um ciclo positivo de mudança em seu grau de perfeição, inclusive no que tange à moral do indivíduo. Enquanto perfeição, que se renova numa multiplicação ao infinito, o sete é o sinal da eternização. Isso corresponde à idéia presente na conclusão do soneto nas palavras de amor renovado de Jacó por Raquel. Portanto, na espera pelo amor absoluto e perfeito, o Jacó camoniano, muito mais intensamente do que o personagem bíblico, confirma e ratifica a eternidade de sua escolha amorosa e do objeto de seu amor, ao abrir e fechar o soneto com a alusão aos sete anos e ao verbo que atravessa todo o poema, 'servir', indicador de sua fidelidade amorosa".
 
                  Carla da Penha Bernardo
 
 
 
 
 
Aos eruditos e extraordinariamente atenciosos professores Luiz Cesar Saraiva Feijó e Leodegário Amarante de Azevedo Filho
 
 

O sogro Labão explorou em demasia a mão-de-obra do futuro genro Jacó (assim acontece a interface brutal entre puro e quase desinteressado amor, de um lado, e violento interesse patronal, de outro) - Nesta modesta Coluna, procura-se - para não levar à exaustão o amável e, às vezes, também estressado e apressado leitor [quase todos ficamos assim, com vida agitada e cheia de sustos que a maioria de nós leva] - não inovar muito: são mostradas as mais famosas estórias que vem sendo contadas e recontadas ao longo da história da humanidade: o cavalo de Tróia (que talvez não tenha acontecido), César "atravessando o Rio Rubicão" (que aconteceu, efetivamente), Cinderela ou a Gata Borralheira (que é estória inventada), Napoleão Bonaparte e suas tropas sendo derrotados em Waterloo (fato efetivamente acontecido), um cidadão que, quando acordou, percebeu que se tinha metamorfoseado em inseto asqueroso (criação inverossível, mas genial, de Franz Kafka), um chimpanzé que, depois de lenta, gradual e seguramente se ter transformado em homem, foi fazer (usando óculos no nariz, consultando, vez por outra, um relógio de ouro do tipo "cebolão" e trajando fraque, colete e cartola - *rs*) o relato autobiográfico numa academia de ciências (fato verossível, este tambem de Kafka), o assassinato de um presidente americano, na hora do almoço, na frente de todos (fato inverossível, mas que aconteceu) e assim por diante. Nesse contexto, o soneto de Camões "Sete anos de pastor Jacó servia" deve ser mostrado aqui. Mas, quando apenas mostrar é pouco, cabe apresentar a crítica teórico-literária que do fenômeno de produção de exemplar texto metalinguístico, teórico-acadêmico, procura dar conta. Carla da Penha Bernardo era - ou ainda é, não sei - doutoranda em Literatura Portuguesa na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Seu texto é aqui suficiente, a respeito do citado poema de Luís Vaz de Camões, por ser excelente, assim consideramos. Mas resta dizer algo: se as estórias são recontadas, quando será que, neste espaço - já se vê - de pouca inovação e muita repetição, algo inovador irrompe, produzindo informação nova? A resposta a seguinte: isso acontece quando uma estória PELA PRIMEIRA VEZ CONTADA é percebida (pelo responsável pela Coluna "Recontando...", que pode, é claro, acertar ou falhar) como algo de grande potencial de recontação. Não é o caso desse soneto de Camões, que já foi reproduzido incontáveis vezes. Entretanto, bem observe você, por favor: um dia ele foi pronunciado pela primeira vez (a partir de estória muito anterior, da Bíblia Sagrada). A inovação, abaixo, portanto, está na análise da professora Carla P. Bernardo. [Quem não aprecia teoria literária - não é o meu caso, já que eu gosto disso (mas como mero curioso) - pode, se quiser, ler apenas o poema, que está no início do artigo transcrito, contudo, certamente saírá perdendo, pois o texto da pesquisadora é verdadeiramente esclarecedor.]

 

"RELEITURA CAMONIANA DO AMOR BÍBLICO EM 'SETE ANOS DE PASTOR JACÓ SERVIA'
 
CARLA DA PENHA BERNARDO*
 
   Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.
 
   Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
 
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fôra assi negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
 
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fôra
Pera tão longo amor tão curta a vida![1]
 
A história do amor de Jacó por Raquel, presente no Gênesis, cap. 29., v. 15 e ss., está inserida em um contexto mais amplo, que envolve a questão da inveja de Jacó em relação a seu irmão Esaú, bem como o ludíbrio daquele em relação a seu pai. Para que compreendamos de que modo Camões se apropria e transforma esse tema bíblico, urge resumirmos a narrativa bíblica.
Entre os gêmeos Esaú e Jacó, aquele foi o primeiro a nascer. Como primogênito, Esaú teria todos os direitos de herança e de mando, o que causava a rivalidade do irmão. Chegando a hora da morte do pai, Isaque, como último desejo antes da bênção que daria a Esaú, pede ao filho que prepare uma carne. A mãe, Rebeca, sabendo disso, e mostrando preferência pelo mais jovem, prepara ela mesma o prato e manda Jacó, vestido com roupas do irmão, passar-se por ele diante do pai já cego, a fim de que ele receba a bênção. Ludibriado, Isaque o abençoa, provocando o desejo de vingança de Esaú em relação a Jacó. O pai e a mãe, então, mandam o filho para a casa de Labão, seu tio, onde Jacó entra em contato com Raquel e Lia. A partir daí, o que se passa entre os primos pode ser lido no soneto camoniano.
Contrastando o resumo que acabamos de ler com o soneto camoniano, podemos notar que o autor se apropria do tema bíblico, dando-lhe, contudo, uma nova feição, mais sentimental. Assim, é esquecida a referência bíblica ao fato de que Jacó teria ludibriado não somente seu irmão, “comprando” sua primogenitura, mas principalmente seu pai, Isaque, já às portas da morte. Este lhe teria dado a bênção, devida ao filho Esaú, por acreditar tê-lo diante de si.
Toda essa questão da primogenitura, tão importante nos antigos textos bíblicos e que diz respeito a Esaú e Jacó, bem como às irmãs Raquel e Lia (ou Léia),[2] é obliterada por Camões. A primogenitura é a causa por que também Jacó, de algum modo, é ludibriado por seu tio e pai das moças. O caráter moral do castigo pregado com a mesma peça pelo destino ao jovem Jacó sequer é referido no soneto quinhentista. Aí, o que importa é o sentimentalismo, a questão amorosa, que, embora não estando ausente das páginas bíblicas, não ganha, nestas, o mesmo realce que a questão da idade das irmãs.
De fato, sete anos servindo como pastor é a proposta feita por Jacó a seu tio Labão, a fim de receber, em casamento, a jovem Raquel, de quem se enamorara. “Mas”, afirma o sujeito lírico, “não servia ao pai, servia a ela/ E a ela só por prêmio pretendia”, tal qual ocorrera no texto bíblico.
Fugido da casa paterna e da vingança de Esaú por astúcia da mãe e por conselho do pai, Jacó, chegando à casa de Labão, não busca mais que um favor – refugiar-se. Assim, num primeiro momento, não fala sequer em salário pelos serviços que prestará. Mas Labão exige que haja a paga e o “prêmio” desejado por Jacó é o amor de Raquel, conquistado após sete anos de trabalho:
Aconteceu que Labão tinha duas filhas. O nome da mais velha era Léia, e o nome da mais moça, Raquel. Mas os olhos de Léia não tinham brilho, ao passo que Raquel se tinha tornado bela de figura e bela de semblante. E Jacó amava Raquel. De modo que ele disse: “Estou disposto a servir-te sete anos por Raquel, tua filha mais moça. /..../ E Jacó passou a servir sete anos por Raquel, mas eles se mostraram aos seus olhos como sete dias, por causa do seu amor por ela.[3]
Trazer à baila a questão da idade das moças diluiria a autenticidade e a profundeza do amor de Jacó. No texto bíblico, o amor é mais superficial, porque ligado à matéria e a sua efêmera beleza de forma enfática – “Raquel tinha se tornado bela de figura e bela de semblante”; no soneto, há referência não apenas à beleza de Raquel (“serrana bela”), realçando-se também o sentimento amoroso de maneira enfática. Por essa razão, ressalta-se a servidão amorosa de Jacó de uma forma mais tipicamente medieval no modo como o soneto se inicia e se fecha, ou seja, com os sete anos da espera, que se renova de forma cíclica: “Sete anos de pastor Jacob servia/ Labão /..../”; “/..../ Começa de servir outros sete anos”, apontando-se, ainda, para uma posterior renovação da espera nos dois últimos versos: “/..../ Dizendo: – Mais servira, se não fora/ Pera tão longo amor tão curta a vida”.
A servidão amorosa também é assinalada pela grande recorrência do verbo “servir” no poema (levando-se em conta sua extensão), o qual chega a aparecer duas vezes no mesmo verso “mas não servia ao pai, servia a ela”.
Diferentemente do recorte feito por Camões, o texto bíblico segue detalhadamente o destino de Jacó antes e depois de seu caso de amor. Comparemos ambos os textos, ainda que sucintamente, a fim de notarmos o quanto Camões selecionou certos elementos bíblicos com o intuito poético.
No dia de núpcias, Jacó descobre ter sido enganado por Labão, que lhe oferece Léia como esposa. Indignado pelos anos perdidos e pelo ludíbrio, dirige-se ao tio e recebe como resposta:
Não é costumeiro fazer assim no nosso lugar, dar a mais jovem antes da primogênita. Celebra plenamente a semana desta mulher. Depois se há de dar a ti também esta outra mulher, pelo serviço que podes prestar-me por mais sete anos. Concordemente, Jacó fez assim e celebrou plenamente a semana desta mulher, após o que lhe deu Raquel, sua filha, por esposa. /..../.
Daí teve também relações com Raquel e expressou também mais amor por Raquel do que por Léia, e foi servir-lhe mais sete anos.[4]
Mais do que o referido acima, a Bíblia dá conta de que Jacó, casado com Léia e Raquel, recebe ainda suas criadas como mulheres, tendo filhos e filhas com todas. Ora, nada menos propício ao intuito do amoroso poeta quinhentista do que os detalhes dos costumes antigos, daí o recorte feito por Camões.
Atente-se para o fato de que, na Bíblia, a idéia de renovar o prazo em troca de Raquel parte de seu pai, e não de Jacó. Apesar disso, em um e em outro texto é realçada a preferência do jovem por esta irmã.
No texto bíblico, embora partindo a idéia de Labão, Jacó aceita o novo prazo, renovando a esperança e a crença no amor, mas por um tempo estipulado – outros sete anos – e não mais por ele, e sim pelo sogro. No cíclico poema, como vimos, o prazo se renova.
Um fato a assinalar é o de que duas visões se apresentam no soneto – de um lado, a das tradições bíblicas com que o pai, em lugar de Raquel, oferece a filha mais velha; de outro, a de Jacó, figura muito mais próxima dos amorosos pintados pelo petrarquismo ou pelo Renascimento. Duas vozes de tempos distintos se batem e, disso, advém uma certa tragicidade nos sucessos dos amores de Jacó por Raquel e no desengano, mas, ainda assim, na renovada esperança com que ele a aguarda:
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida.
Mais uma vez, é o sentimento que se realça nesses versos camonianos. Repare-se que, inicialmente, a tristeza de Jacó se dá por não haver recebido a moça pretendida, mas também pelo fato de ser ludibriado, após sete anos de labores e de esperanças. O que se aguardaria, pois, seria seu desesperançar; contudo, e aí está o grande momento do soneto, não apenas o jovem reafirma sua fé no amor, mas propicia seu acrescentamento com a renovada promessa de duplicação do tempo de espera: “Começa de servir outros sete anos,/ Dizendo: – Mais servira, se não fora/ pera tão longo amor tão curta a vida.”
É neste momento de capital importância que o poeta acentua o aspecto dramático do poema, inserindo, pela única vez, em discurso direto, as palavras de Jacó. E o mais importante: lembrando-se o esquema dos sonetos italianos de tese, antítese e síntese, coincidindo esta última com o terceto final, e, sabendo-se que as palavras finais, sobretudo no soneto, são as mais importantes, a jura de amor renovado e acrescentado de Jacó a sua Raquel é o que de fato singulariza mais poeticamente o soneto camoniano face à narrativa bíblica.
Repare-se ainda que a desilusão (presente no primeiro terceto) em virtude dos anos perdidos, do ludíbrio e do sonho não realizado ganha também sua singularidade nos dois últimos versos da estrofe: “Lhe fora assi negada a sua pastora,/ Como se a não tivera merecida”. Diante disso, muitas possibilidades se mostravam a Jacó – ele poderia recriminar os Fados, os costumes, o tio Labão, sua própria ingenuidade... Talvez até a não interferência, por mínima que fosse, da jovem Raquel, malgrado os costumes da época ou, ao menos, algum sinal da reciprocidade de seu sentimento. No entanto, assume o amador toda a responsabilidade pelo caso, alçando a coisa amada a um patamar supremo, além do que estava, na crença de seu merecimento: “Como se a não tivera merecida”. Mas a culpa não é propriamente do amador, visto que, diferentemente do que ocorre na Bíblia, ele aqui não é um sujeito que erra e é castigado. Sua única pena aqui é a amorosa e seu único erro advém da ingenuidade com que se fia em quem pensa que ele, Jacó, pudera não ter merecido Raquel.
Raquel tem, pois, mais valia do que o próprio amador pudera imaginar e do que qualquer amador, por mais amoroso e paciente que fosse, poderia supor. Por isso, sete anos de pastor são insuficientes como paga pelo amor da jovem. E também mais sete, e mais sete, e mais sete. Na multiplicação de um número não aleatório, mas de muito cabalístico, Jacó reafirma ad infinitum tanto seu sentimento amoroso como a singularidade do objeto de seu amor.
Vale notar que as muitas simbologias do número sete ratificam a noção de acrescentamento utilizada pelo poeta a fim de singularizar o sentimento de Jacó por Raquel. Assim, de acordo com o Dicionário de símbolos de Chevalier,[5] o sete simboliza “os sete graus da perfeição”. Para os egípcios, ele é símbolo da vida eterna, correspondendo a um ciclo completo, de perfeição dinâmica. O sete indica uma mudança depois de um ciclo concluído e de renovação positiva. Indica ainda a totalidade do espaço e do tempo, visto que o 4 simboliza a terra (com seus quatro pontos cardeais) e o 3 simboliza o céu. O sete representa a totalidade do universo em movimento. Além disso, certos setenários (aquilo que vale ou contém sete) são símbolos de outros. O setenário resume também a totalidade moral, acrescentando as 3 virtudes teologais – a fé, a esperança e a caridade – às 4 virtudes cardeais – a prudência, a temperança, a justiça e a força. O número 7 é o símbolo universal de uma totalidade, mas de uma totalidade em movimento ou de um dinamismo total.
Em resumo: o sete é o símbolo de um ciclo positivo de mudança em seu grau de perfeição, inclusive no que tange à moral do indivíduo. Enquanto perfeição, que se renova numa multiplicação ao infinito, o sete é o sinal da eternização. Isso corresponde à idéia presente na conclusão do soneto nas palavras de amor renovado de Jacó por Raquel. Portanto, na espera pelo amor absoluto e perfeito, o Jacó camoniano, muito mais intensamente do que o personagem bíblico, confirma e ratifica a eternidade de sua escolha amorosa e do objeto de seu amor, ao abrir e fechar o soneto com a alusão aos sete anos e ao verbo que atravessa todo o poema, “servir”, indicador de sua fidelidade amorosa.
BIBLIOGRAFIA
CAMÕES, Luís de. Obras completas. Pref. e notas de Hernâni Cidade. Lisboa: Sá da Costa, /1946/. V. 1.
- - - - - -. Lírica. Introd. e notas de Aires da Mata Machado Filho. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1982.
CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, /1982/.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
LAGARDE, André & MICHARD, Laurent. XVIe siècle. Paris: Bordas, 1949. pp. 119-166.
LANSON, Gustave. Histoire de la littérature française. /Paris/: Hachette, 1951.
MACEDO, Helder. Camões e a viagem iniciática. Lisboa: Moraes, 1980. pp. 9-32.
- - - - - -. Apetite e Razão na Lírica Camoniana. In: Gil, Fernando e MACEDO, Helder. Viagens do olhar. Retrospecção, visão e profecia no Renascimento português. Porto: Campo das Letras, 1998. pp. 371-394.
MARTINS, Cristiano. Camões. Temas e motivos da obra lírica. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1981.
PEIXOTO, Afrânio. Camões lírico. In:___. Ensaios camonianos. Rio de Janeiro; São Paulo; Porto Alegre: W. M. Jackson, 1947, v. XIX.
- - - - - -. Dinamene, alma minha gentil. Lisboa: Biblioteca Nacional de Lisboa, 1926.
SARAIVA, António José & LOPES, Oscar. História da literatura portuguesa. Porto: Porto, s. d.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. Coimbra: Almedina, 1979.
TRADUÇÃO do Novo Mundo das Escrituras Sagradas. Trad. da versão inglesa de 1984. São Paulo: Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, /1986/.


* Doutoranda em Literatura Portuguesa (UFRJ).

[1] CAMÕES, Obras completas, ed. pref. por Hernani Cidade, pp. 193-4. Foi mantida a ortografia da edição.
[2] Como aparece em algumas edições.
[3] Gênesis, 29: 26-30.
[4] Id., ibid.