De uns tempos para cá, venho acompanhado de minha mulher, tentando seguir à risca as recomendações da medicina.São os novos hábitos provocados, cedo ou tarde, pela idade que vai avançando – hábitos por certo salutares em que o corpo pede, mesmo exige mudanças físicas, movimentos das pernas, dos braços, do corpo, “oxigenando” o cérebro, como diria uma amiga médica. Essa nova forma de ganhar saúde, ou melhor, de recuperar saúde, no início, encontrava certa resistência, certa preguiça macunaímica, tão ao gosto do brasileiro, tão afeita ao físico mais treinado para o sedentarismo – inimigo implacável do corpo. Aos poucos, todavia, me vejo mais envolvido com a prática de exercício – a da caminhada, que me traz à lembrança aquele trechinho de Marcel Debrot lido e decorado para sempre desde os bancos ginasianos: “Rien n’est meilleur pour la santé que l’exercice physique pratiqué,, chaque jour,, d’une façon rationel.” Ah, tempos do Domício, das garapadas, das minhas aulas de francês do meu pai!
                       Eu não sei bem explicar o fato, mas como é que de tantos textos lidos, e não outros, alguns persistem em voltar à nossa rememoração com tanta nitidez e clareza? Talvez Freud, ou Jung, como vou saber, me elucidem essas extravagâncias mnemônicas, essa recorrências obsediantes. No meu caso, tenho, a par daquele tiquinho de texto didático, um outro fruto das aulas de francês. Ah,esse tem muito a ver com o assunto desta crônica e mesmo já o aludi sem citar uma vez ao falar de papai. Trata-se de um texto do iluminista Jean Jacques-Rousseau (1712-1778): “Je ne conçois jamais qu’ une manière de voyager plus agréable que d’aller à cheval: c’est d’aller à pied.” Rousseau descreve as delícias do prazer de andar a pé, sobretudo naquele ponto em que reconhece sua maior importância: quando andamos a pé, paramos onde queremos, e nisso me parece residir o pleno sentido que o filósofo suíço quis atribuir à ação de andar a pé, ou seja, o sentido de liberdade, de ausência de qualquer autoridade de alguém sobre nós. 
                    Um outro trecho que n ao me sai da retina se encontra num livrinho útil que provavelmente foi lido e consultado pelos amantes de línguas estrangeiras aprendidas autodidaticamente. Estou falando do Basic English, de Pandiá Pându – pseudônimo de um sargento da Aeronáutica -, o qual, no prefácio em inglês, termina sua exposição sobre o método usado, método que, de resto, não era original, mas inspirado nas idéias sobre o ensino do inglês formuladas pelo britânico Charles Kay Ogden:, da Universidade de Cambridge “It’s the sincere hope of the autor that anyone who studies this book carefully will be ready to be understood by any native.”
                     Pandiá Pându, que morreu de repente, e ainda relativamente moço, era um estudioso autodidata de idiomas modernos e antigos (dizia-se que estudava também o sânscrito, do qual fazia traduções, assim como do alemão ). Não me consta que tenha feito alguma universidade. Era um estudioso profundo do esperanto e deixou obra importante sobre essa língua artificial, criação do médico judeu-polonês Ludwig Lazar Zamenhof (1859-1917). Hoje, suas obras didáticas e práticas, algumas editadas pelas Edições de Ouro, andam por aí nos sebos e nas livrarias virtuais pelo país afora.Era alto, mulato, de bela presença. Até me indicou para um curso de aperfeiçoamento do inglês, que terminei não fazendo, pois assisti a uma só aula, porém fiquei na dúvida se as aulas seriam pagas por mim, que não dispunha de meios para pagar o curso. Me contaram que era baiano e de família modesta. Conheci-o pessoalmente e com ele ainda troquei algumas frases em inglês. Ele era rigoroso em se tratando de estudos. Costumava vê-lo quase sempre nas ruas do Centro do Rio, geralmente, na Treze de Maio, na Cinelândia, ou no Largo da Carioca. Quando o avistava, em geral andava acompanhado de belas senhoras com aparência de estrangeiras. Um outra vez, o vi discursando em russo e outras línguas em frente da então Embaixada Americana. Me contaram ainda que certa vez estava em polêmica com o grande tradutor Paulo Rónai, também ensaísta de altíssimo nível e que prestou inestimáveis serviços à cultura brasileira. Era húngaro e no Brasil tornou-se professor de latim e francês do Colégio Pedro II. Exímio tradutor, premiado internacionalmente. Com sua cultura imensa deu prestígio ao ensaísmo brasileiro e aos nossos autores.
                    Um outro trecho persiste na minha retentiva e, de quando em quando, m e vem à lembrança. Desta vez, é um trecho da autoria de Rui Barbosa (1849-1923): “Uma raça cujo espírito não defende o seu solo e o seu idioma, entrega a alma ao estrangeiro antes de ser por ele absorvida.” Não conheço maior elogio e maior defesa da língua portuguesa. Qualquer analogia com as linhas precedentes nada tem de sentimento linguístico-xenófobo tanto da visão de Rui, que também foi um estudioso de línguas, quanto da minha modéstia visão.Longe disso. 
                   Essa citação ruibarboseana remonta aos tempos do Domício, e ela foi pela primeira vez lida, em epígrafe, por mim num livrinho didático para o estudo de língua portuguesa, de Enéias Martins de Barros, da Editora do Brasil. Lá naquele livrinho longínquo, existe, numa página amarelecida, hoje perdida, uma frase que chamarei de “citação” – para dar unidade e coerência ao tema desta crônica -, e que diz com a ternura de uma bela jovem morena essas palavras a mim endereçadas: “Ao abrir nesta página, Francisco, não te esqueças da amiga Eva Maria”. Isso foi há mais de quarenta anos. Não sei onde andará essa bela colega de turma do Ginásio “Des. Antônio Costa”. Antes que esqueça, leitor, mais uma citação que me martela a memória afetiva  no tocante ao relacionamento  entre filho e pai : “Pas um filet de fumée.”  Uma outra citação  que me martela a cabeça é de shakespeare; "Life is but a walking shadow, a tale told by  an idiot  full of sound and fury signifyin nothing"   Esta última é terrível  e de cortar  o coração  de  qualquer crente religioso. Mas, vamos parar por aqui, leitor, porque eu já estou me lembrando de um verso outro  de Shakespeare, de um verso de Keats, de um pensamento bombástico de Oscar Wilde, -, e de um pensamento de natureza publicitária de Pitigrilli (1883-1975), de quem, nos anos sessenta, li um livro, Cocaina. Pitigrilli era italiano de Turim, e seu verdadeiro nome é Dino Segei. Se o fizer, não há leitor que agüente...