Cajuína
Em: 16/06/2009, às 05H07
Cajuína
(Foto de Rogel Samuel)
Rogel Samuel
Será que existe a cajuína bebida lágrima e fina em Teresina? Sim, mas existirá a linguagem a que se destina àquela matéria de Torquato e a poesia tão fina? Existirá aquela bebida dos deuses e aquela a que se destina a rosa pequenina? Existiu em Teresina, existiu um homem que o ocaso se lhe deu a sina de se iluminar com aquela luz nordestina, que era de olhar a intacta retina?
Caetano compôs um poema tecido em lágrima e gotas de caju, em saudades do morto que era o menino cuja matéria da vida era tão fina. Começa por "existirmos". A que se destina o existir? O poema de amor em versos de dozes sílabas, sofisticadíssimo.
No primeiro verso "a que será que se destina" - repete um SE, uns sss. E o destino de dar, destinar-se é doar, e um rumo, um lance de dados, um laçar e apontar um lugar no ponto do horizonte e do futuro.
Mas o futuro é a morte...
Para que "existimos"? pergunta Caetano.
O personagem "menino", "homem lindo", ou seja, este homem-menino é um destinado
deus-menino para nós, mas a nós não nos pertenceu, não se nos ilumina a sua luz nem se amofina sua dor e a sua morfina. Bem, nem se confina o deus-menino que se foi.
Foi para o seu destino, desapareceu no ar. Nem se turvou da lágrima nordestina.
Apenas foi. Desapareceu na sua materialidade transparente, fina, gaze. E éramos ele,
e nós nos olhávamos nele, bebíamos nossas recordações em lágrimas da cajuína destilada em Teresina, matéria em fragmentos de um Torquato tecido leve e transparente ido, um Torquato que se desfia em sua sina, se fragmenta no ocaso as coisas finas.
Assista ao vídeo NESTE PORTAL.
Cajuína
Caetano Veloso
Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina.