CAFÉ LITERÁRIO
Por Elmar Carvalho Em: 13/11/2014, às 06H33
ELMAR CARVALHO
Fui convidado pelo professor e escritor Wellington Soares para participar do Café Literário, que seria apresentado na livraria Anchieta, na quarta-feira, dia cinco de novembro, na condição de homenageado, ao lado do grande romancista e memorialista Graciliano Ramos. Não preciso dizer que me senti honrado e lisonjeado com esse convite, que para mim tem muito mais valor que certas medalhas e diplomas.
Pediu-me o organizador do espetáculo artístico que lhe enviasse quinze poemas, o que fiz, mediante e-mail. Esses textos, juntamente com alguns pequenos enxertos de Graciliano Ramos, foram enfeixados em folhetos, que foram cuidadosamente dispostos sobre todas as mesas.
Com persistência invejável, o Wellington Soares vem apresentando esse importante sarau lítero-musical há três anos, mês após mês, o que não é uma tarefa fácil. Esse tipo de evento já existiu em Teresina, sobretudo na primeira metade do século passado, quando as famílias mais proeminentes se reuniam, com os seus convidados e amigos, com o objetivo de declamarem poemas, e executarem e cantarem músicas.
Também, outrora, havia o romântico costume das serenatas, em que rapazes entoavam belas melodias, com letras que eram na verdade bonitos poemas, ao pé da janela da amada, mormente nas noites de plenilúnio. Depois, as serenatas se mecanizaram, com o advento das radiolas portáteis e gravadores, até a sua extinção total, com os tempos apressados e perigosos de hoje, e com o surgimento de certas músicas deploráveis, que jamais poderiam integrar uma seresta. Muitas letras são toscas, com palavras de baixo calão, e frases de duplo sentido (ou mesmo sem sentido), que nos embotam o sentido.
Como sei que o público que comparece a eventos literários é sempre pequeno, e José Saramago reconhece isso em seus registros nos Cadernos de Lanzarote, mesmo na civilizada Europa, anotei a estrofe inicial do poema Recital da Autora, da polonesa Wislawa Szymborska, para quando eu fizesse minha saudação preambular. Os versos da poetisa dizem: “Musa, não ser um boxeador é literalmente não existir. / Nos recusaste a multidão ululante. / Uma dúzia de pessoas na sala, / já é hora de começar a fala. / Metade veio porque está chovendo. / O resto é parente. Ó Musa.”
Contudo, a estrofe perdeu o seu desiderato de me servir de mote, uma vez que havia no aconchegante espaço destinado ao Café Literário um público quantitativamente razoável e qualitativamente seleto, com pessoas interessadas e atentas. Era, efetivamente, um respeitável público, como dizia o refrão circense de antigamente. O professor Wellington fez as suas considerações iniciais, e me chamou ao microfone. Após minha breve saudação, falei que passaria a “bola” ao ator Bonifácio Lima, para que ele marcasse um golaço.
O Bonifácio entoou, então, o meu Noturno de Oeiras. Com sua voz marcante, de boa dicção, interpretou o poema, com a modulação perfeita da voz, que se harmonizava com os diferentes “climas” sentimentais e psicológicos do texto, sem descurar da caracterização gestual e corporal, com que parecia dar vida aos versos. Além do Noturno, o Bonifácio recitou, com a mesma maestria e magia, outros poemas de minha lavra.
No final do evento, quando voltei a falar, relembrei que quando presidi a União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE-PI, consegui, com o apoio de minha Diretoria, inclusive com a utilização de abaixo-assinado, e sobretudo com o inestimável interesse do deputado Humberto Reis da Silveira, relator-geral da Constituição Estadual de 1989, que o estudo de Literatura Piauiense fosse inscrito no artigo 226 de nossa Carta Magna, como disciplina obrigatória.
E protestei contra o fato de que, passados mais de 25 anos, esse dispositivo constitucional ainda não tenha sido executado e cumprido pelo governo estadual, restando como verdadeira letra morta, e prova do descaso que os governantes têm pela arte e pela cultura.
Além de meu pai, de minha mulher, de minha filha e de outros parentes, inclusive meu irmão César Carvalho, compareçam alguns amigos, entre os quais ressalto os juízes aposentados Raimundo Lima e João Batista Rios, e o Valdenor, amante da arte, da música e do esporte.
O poeta João Carvalho Fontes, médico humanitário, que vem se destacando em fustigar, através da ciência, o abominável alemão Alzheimer, também se fez presente e disse um poema de minha autoria, que calou fundo em meu peito. João, com muito esforço e com dinheiro de seu próprio bolso, com uma ou outra eventual ajuda, mantém o sarau bimestral Ágora e o jornal cultural de mesmo nome, os quais divulgam os poetas piauienses e oeirenses, até mesmo os mais jovens.
Outros escritores e poetas divulgaram seus livros e seus textos. Tive a satisfação de ter alguns de meus textos recitados ou entoados por alguns desses artistas. Os textos literários eram intercalados por belíssimas músicas, cujas letras eram notáveis poemas, sob a responsabilidade de Dimas Bezerra e Alfredo Werney. Dimas pertence a uma família de artistas e intelectuais, de longa cabotagem e alta voltagem cultural. Com o seu carisma e simpatia, interagiu com o público, que lhe aplaudiu com muita ênfase e alegria.
Enfim, foi uma agradável noite de arte e sortilégio, a que não faltou sequer uma esplêndida lua cheia – lua de poetas, de loucos e de lobos – que nos iluminou a todos com os seus raios prateados.