Cunha e Silva Filho


                                     Há livros para todas as tribos, gostos e níveis intelectuais. No que concerne ao que neste texto me interessa - a literatura -, aqui a compreendo, para fins de generalização eaquemática, nos seus dois gêneros de criação maior, ficção e poesia, ainda que dela se diga que está morrendo, ou está se modificando para se desenvolver dependendo dos espólios de obras do passado, distante ou mais distante, ou do que se chama literatura da modernidade, exemplificada nos seus mais consagrados expoentes do cânone ocidental. Ou seja, literatura que se nutre do já feito, do que se considerou obra-prima ou grandes obras da criação literária. 
                                  É disso que lucidamente se ocupa um artigo de Leyla Perrone-Moisés, professora emérita da USP e respeitada ensaísta e crítica literária. Li hoje o seu texto “O longo adeus à literatura”, publicado no caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo (p. 3), que me inspirou estes comentários.
                                 O artigo de Leyla mais constata realidades no domínio da criação literária do que a esta faz reparos. O que em resumo o seu texto sugere é que não há morte da literatura por mais velho que seja posto em dúvida o destino da literatura. Leyla  Perrone-Moisés adianta que, a despeito dos adeuses às letras, o fenômeno literário na prática demonstra que a literatura está bem acesa, bem viva, produzindo bem aqui e mundo afora.
                               Entretanto, um fato novo se acrescenta à arte literária, por exemplo, no romance, é o surgimento de subgêneros, ou melhor, de novas metamorfoses sofridas pela literatura, a passagem da originalidade das grandes obras para a originalidade dos pastiches, das apropriações das obras canônicas através de recursos narrativos como a citação, a intertextualidade, a alusão, no período por ela chamado de alta modernidade, iniciado nos anos 1980 e até hoje ainda fértil em obras assim elaboradas. Em outras palavras, essa produção de autores da pós-modernidade cria uma situação de dependência de suas obras em relação a autores do passado. 
                             Não creio que essa forma de criatividade se prolongue por muito tempo, porquanto uma literatura assim realizada logo entra em estado de exaustão, quando da novidade passa à fase de cristalização, de mero artificialismo em ficcionalizar a personalidade de escritores famosos como o que fez Silviano Santiago no romance Em liberdade (1981), “dando” continuidade às Memórias do cárcere (1953) de Graciliano Ramos (1892-1953) ou aproveitar o tema-teórico da metaliteratura, a fim de desenvolver ficção sobre escritores, seus processos de criação ou escrevendo um gênero misturando ficção, diário e ensaio literário, conforme lembra Leyla Perrone-Moisés citando o catalão Enrique Vila-Matas. Enfim, sobre temas centrados na vida de pessoas ligadas ao mundo dos livros, editores, professores de literatura. 
                            Por outro lado, ainda existe espaço suficiente para aqueles escritores que não elegem aspectos experimentais ou sofisticados do fazer literário. Prosseguem na criação de histórias, cujo epicentro temático se localiza no romanesco, numa estrutura ficcional linear ou   mesmo não-linear, onde, contudo, pode modernamente empregar algumas estratégias adicionais  ultrapassando uma arquitetura meramente tradicional do romance do século 19 ou mesmo anterior, tendo em vista que enredo, personagens, tempo, espaço e linguagem podem revestir-se de diferentes roupagens, de outros recursos sem que seja indispensável o artifício metaficcional da pós-modernidade.
                          Se há leitores que se atualizaram na recepção de novas formas de experimentalismos ficcionais, e que as aceitaram tanto quanto os críticos, outros tantos leitores ainda procuram na literatura uma história bem narrada e que a eles acrescentem novos ângulos de percepção da vida,   alargando seu conhecimento do mundo e da experiência entre os seres humanos.
                         Leitores há para todos os gostos, sem que com isso estejamos sendo indulgentes com outras formas de gêneros ficcionais, como a ficção científica, o romance policial, a literatura infanto-juvenil.
                        Não é o dado experimental que vai balizar o valor de uma obra, mas a originalidade de como o autor trabalha os temas, usa a linguagem, agrega os elementos da estrutura ficcional a um todo que proporcione ao leitor e ao crítico o sentido do equilíbrio e da justeza do que a palavra artística é capaz de despertar enquanto obra de criação estética. 
                       Se não fosse por isso, não sentiríamos ainda um  imenso prazer estético  com leituras de romances de grandes  escritores  dos séculos anteriores, aqui e fora do país. O dado experimental tem seu lugar desde que avance a história da produção literária e de suas novas maneiras de expressão, suscitando inovadoras estesias e visões dos problemas do mundo e do ser humano no leitor e crítico dos tempos que correm.