BRINCADEIRAS QUE FEREM A ALMA - PARTE 2
Por Margarete Hülsendeger Em: 30/04/2012, às 14H48
Dez horas
Paulinho reconheceu de imediato a voz. Sua primeira reação foi fugir e se esconder até que a próxima aula recomeçasse. Contudo, como sempre, ele não se moveu. Ficou parado, sem se virar e em completo silêncio.
- E aí? Não vai responder, idiota? – insistiu a voz.
Não vendo outra solução, Paulinho virou-se devagar, encarando o menino que estava à sua frente. Ele era um velho conhecido. Alguém com quem vinha sendo obrigado a conviver desde que estudava naquela escola. Seu nome era Luiz, mas todos o conheciam pelo apelido de Macarrão, por causa do cabelo louro e encaracolado.
Luiz, ou melhor, Macarrão, não era seu colega de aula. Na verdade, ele era um ano mais velho. No entanto, desde que se lembrava, Macarrão sempre pegou no seu pé. Geralmente, vinha acompanhado de outros meninos que, como ele, gostavam de azucrinar a vida dos alunos mais jovens. Hoje, o grupo tinha recebido uma nova adesão: Pedro.
- E aí, seu merda? Não vai responder? – E sem esperar uma resposta Macarrão foi empurrando Paulinho, até que ele deixou cair o sanduíche no chão.
Enquanto isso, os outros meninos riam, incentivando a “brincadeira”. Quando eles estavam com Macarrão se sentiam importantes, populares e, principalmente, respeitados. As vítimas de suas “brincadeiras” eram sempre meninos e meninas como o Paulinho: medrosos, tímidos e, na opinião deles, esquisitos. Portanto, fáceis de manipular.
- Dá p’ra me deixar quieto? Eu não estou a fim de conversa – respondeu, num murmúrio, Paulinho.
- Ai, ai, ai. O bixinha quer que a gente deixe ele quieto. Ah! Que frutinha! O bebezinho vai correr p’ra debaixo da saia da mamãe? – debochou ainda mais o tal Macarrão, enquanto continuava empurrando Paulinho.
- Para, Macarrão! – pediu Pedro. – Vamos embora, ele é um idiota, não vale a pena perder tempo com ele.
- Como é que é? Não foi você que ainda há pouco estava reclamando desse merda, dizendo que ele não tinha te passado cola na prova de Física? Tá amarelando, florzinha? – A raiva de Macarrão agora estava dirigida contra Pedro. Afinal, ele o estava desautorizando na frente de seus amigos e daquele nerd.
Pedro sentindo o perigo recuou:
- Que é isso, Macarrão? Não tô com pena coisa nenhuma. É que o recreio é curto demais p’ra gente ficar perdendo tempo com esse aí. Só isso, cara. Fica frio.
Macarrão virou-se, então, para Paulinho e colando o seu rosto no dele disse:
- Olha aqui, seu veado, da próxima vez que te pegar negando ajuda não vai ser só o sanduíche que vai cair no chão. Vou te pegar direitinho, pode ter certeza.
Dizendo isso, Macarrão e seus comparsas se afastaram. Paulinho, como em todas as outras vezes, tremia. Com amargura, imaginou todas as coisas que poderia ter dito e não disse e tudo o que poderia ter feito e não fez. No seu íntimo, acreditava que a culpa era dele, só dele. Se não fosse um covarde e um medroso, as coisas seriam diferentes.
Paulinho ainda estava tentando se acalmar quando ouviu o sinal chamando os alunos para o próximo período. Lentamente, juntou o sanduíche do chão e o jogou no lixo. Cabisbaixo e com as mãos nos bolsos andou bem devagar para a sala de aula.
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22 horas
Paulinho deitado na cama olhava fixo para o teto do quarto. Disse aos pais que estava muito cansado e foi cedo para a cama.
Contudo, o que ele menos sentia era sono. Pensava no colégio. No Macarrão. No Pedro. Não suportava mais. Conversar com os pais também não tinha adiantado nada. Achavam que era uma fase, coisa da idade, que logo tudo estaria superado. Eles não entendiam ou não queriam entender.
Na mão direita Paulinho segurava um pequeno vidro. Tinha conseguido o remédio com um colega de aula. Segundo esse colega, os comprimidos eram apenas para deixar a gente numa boa. Nada de mais. E isso era tudo o que ele queria: ficar numa boa. Esquecer.
Segurando o vidro com firmeza abriu a tampa e despejou os comprimidos na palma da mão. Devagar foi colocando um a um dentro da boca. Ele os engolia imaginando que fossem MMs. Quando o vidro estava vazio se recostou melhor na cama e fechou os olhos. Seu último pensamento foi de que amanhã não ouviria o maldito despertador.