Brava gente brasileira
Em: 11/10/2014, às 20H13
Os atos dos capitães da Conquista do velho Piauí, objeto das preciosas pesquisas e da admirável historiografia de Reginaldo Miranda, são deploráveis, até mesmo pelos critérios do século XVIII.
A Conquista portuguesa do Piauí, como foi ela?
A invasão lusa do Piauí indígena correspondeu a atos horríveis de guerra abusiva, a muita morte e mesmo ao genocídio de numerosas e inteiras populações nativas. No entanto, sem isso, sem essa avalancha de crueldades, de abusos e de crimes, não haveria a gente piauiense dos nossos dias. Nenhum de nós, hoje viventes, teria existido, eu incluído. As novidades vindas de fora, de Portugal, mudam a dinâmica endógena dos fatos ‘brasílicos’, criam possibilidades novas e frustram, por inteiro, o que estava em curso e foi podado.
O intrincado nisso tudo é que tem persistido a dificuldade para a construção de uma história comum a todos os piauienses. Eles, e eu que sou parte dessa gente, veem-se divididos dentro de si mesmos, individualmente, pelas duas possíveis escolhas do coração: a de se perceberem como descendentes dos índios assassinados, ou a de se assumirem como netos dos portugueses matadores. De fato, queira a emoção ou não, descendemos efetivamente de ambas as etnias; somos netos de nativos e de lusos. Temos ainda o contributo africano, que também está conosco e quer sua voz.
A mesma tensão, ou ainda mais densa, ocorre no Brasil inteiro.
Em São Paulo, em adição à velha gente brasileira, chegaram os imigrantes dos séculos XIX e XX – como os espanhóis, os novos portugueses que nos aportaram, os alemães, os italianos, os japoneses e os árabes. Todos divididos identitariamente nos seus corações. Ora adotam a história brasileira, outras vezes a rejeitam como não sendo coisa sua. Hoje em dia, em São Paulo, chegam imigrantes do Haiti, de Gana, da Bolívia, da Colômbia, e famílias vindas de países muçulmanos, como antes vieram os judeus.
Confio em que se resolvam os conflitos de identidade em favor de uma história inclusiva, em que os nossos corações possam ter conforto em sermos genuinamente brasileiros e irmãos, sem preconceitos.