"Borghese" é o título do poema de Rilke. Tradução de Augusto de Campos. O poema é tão bom, e nítido, que se pode "ver" as bordar de mármore, "ouvir" a água fluir, cair, a água caindo sobre a água ainda que muda, a água esperando a água, a água dialogando com a água, como no côncavo da mão que a vai beber, a água espelhando o céu, emoldurado pelo verde-escuro, a água que escorre na bela pia batismal em círculos constantes, impassíveis, sob o musgo que na última bacia fecha a travessia. Toda a arte se deve ao tradutor Augusto, que recriou o poema, que recriou o objeto de mármore, as bacias de água que em queda entram, derramam-se na nossa imaginação.
Duas velhas bacias sobrepondo
suas bordas de mármore redondo.
Do alto a água fluindo, devagar,
sobre a água, mais em baixo, a esperar,
muda, ao murmúrio, em diálogo secreto,
como que só no côncavo da mão,
entremostrando um singular objeto:
o céu, atrás da verde escuridão;
ela mesma a escorrer na bela pia,
em círculos e círculos, constante —
mente, impassível e sem nostalgia,
descendo pelo musgo circundante
ao espelho da última bacia
que faz sorrir, fechando a travessia.