M. T. Piacentini

Pode parecer paranoia ortográfica, mas é impossível não notar a falta de atenção do governo às leis ortográficas oficiais no momento em que lançou o Bolsa-Família, “a evolução dos programas de complementação de renda no Brasil”. Só que na sua grafia houve uma pequena involução quando a hifenização foi esquecida. Nas duas páginas de propaganda veiculadas em algumas revistas, encontravam-se seis substantivos compostos sem o hífen: *Auxílio Gás, *Vale Gás, *Bolsa Escola, *Bolsa Alimentação, *Cartão Alimentação e * Bolsa Família.


Pôde-se observar que, mesmo assim, muitos órgãos de imprensa levaram em conta as convenções ortográficas, escrevendo:


Auxílio-Gás

Vale-Gás

Bolsa-Escola

Bolsa-Alimentação

Cartão-Alimentação

Bolsa-Família.


Convém, neste caso, rever a regra que nos leva ao uso do hífen nesse tipo de palavra composta. Sabemos, mesmo que intuitivamente, que em português os substantivos, como regra, não são usados lado a lado sem alguma forma de conexão. Não se diz “Aquela bolsa couro é bonita”, mas “Aquela bolsa de couro é bonita”.


Então: os substantivos se associam ou por meio de preposição ou de hífen. Bolsa é substantivo, Família também. Como não se fala em Bolsa da Família, Bolsa para Família, deve-se empregar o hífen no lugar da preposição: Bolsa-Família.
Esse raciocínio pode ser estendido a vários outros casos de uso frequente hoje em dia:


vale para gás   =   vale-gás

vale para transporte   =   vale-transporte

auxílio para maternidade   =   auxílio-maternidade

auxílio para funeral   =   auxílio-funeral

auxílio para refeição   =   auxílio-refeição

auxílio pelo desemprego   =   auxílio-desemprego

auxílio por doença   =   auxílio-doença

licença por/como prêmio   =   licença-prêmio

licença pela paternidade   =   licença-paternidade

cartão para alimentação   =   cartão-alimentação

tíquete para alimentação   =   tíquete-alimentação

bolsa para alimentação   =   bolsa-alimentação

bolsa para escola   =   bolsa-escola

seguro por desemprego   =   seguro-desemprego

salário por/para a família   =   salário-família

salário por hora   =   salário-hora

custo por hora   =   custo-hora

hora de aula   =   hora-aula.


Entretanto, por que “hora extra” não leva hífen? Porque “extra” aí é um adjetivo, redução de “extraordinário”, e não substantivo como “hora”. No plural: horas extras.


São raros os casos de dois substantivos intimamente associados sem a intervenção do hífen, o que constitui uma exceção à regra. Isso só acontece quando o segundo substantivo faz as vezes de adjetivo. Por exemplo: efeito cascata = efeito cascateante; carro esporte = carro esportivo (não se trata de carro e esporte ao mesmo tempo, nem de carro para esporte).


Complementa o assunto a coluna Não Tropece na Língua nº 300.