ELMAR CARVALHO

 
A cadelinha poodle era um floco de pura fofura. Aliás, este era seu nome. Estava radiante, mimosa como sempre, a andar pela sala, com seus passinhos curtos, saltitantes, coleantes, levitantes. Naquele momento, entrou no recinto um outro animal. Igualmente macio, mas de uma maciez de outra textura. Em lugar de pelos, parecia ter uma espécie de plumagem, porém plumas semelhantes a lã. Ainda era menor que Fofura, que era do tipo zero, o menor de sua raça. Tinha quatro patas, mas seu corpo se assemelhava ao de uma ave, algo semelhante a um marreco. A cabeça era de cão. Todavia, em lugar de boca tinha um bico igual ao de um beija-flor, quase invisível, no meio da plumagem lanosa. Não se lhe via o sexo, embora fosse um macho, ao que tudo indicava.
 
Marchou ao encontro de Fofura. As cabeças se tocaram e se acarinharam, em carícias suaves, delicadas, como duas nuvens, que ternamente mal se tocassem, a resvalarem no azul infinito. O animal visitante circundava com a sua a cabeça pequena e formosa de Fofura. Depois, roçou a parte anterior da cadelinha, logo abaixo do pescoço. Por infeliz fatalidade ou amoroso descuido, o bico a feriu, embora muito de leve, simples espinho ao sabor da aragem. Um pungir que quase não se percebe; que a bem dizer mal se pressente, como um toque de neve. Logo a cadelinha começou a se sentir vacilante, entontecida. Esboçou um passos trôpegos. E caiu. E morreu. O animal enigmático ficou como louco. Feriu a si mesmo várias vezes, com fúria incontida. O sangue tingiu a sua fofa plumagem. Mas não morreu. Era imune ao seu próprio veneno. E misteriosamente como veio, se foi. Não se saberá jamais para onde.