[Maria do Rosário Pedreira]

Agora, que a coisa aperta cada vez mais, até nas sete colinas da capital, num sobe-e-desce desgraçado, as bicicletas multiplicam-se, poupando-se em combustível e ganhando-se em exercício físico. E, por falar em bicicletas e em miséria, um dia destes revi o belíssimo Ladrões de Bicicletas, de Vittorio de Sica, que venceu em 1948 o Oscar de melhor filme estrangeiro; uma história passada em Itália cujo protagonista é um pobre pai de família lutando por um emprego numa altura em que não há trabalho para ninguém e o único lugar que lhe oferecem – a colar cartazes pela cidade – implica, justamente, ter uma bicicleta (e o pior é que a dele está no prego e vai ser preciso pagar para a tirar de lá). Nunca li o romance de Luigi Bartolini em que se baseia esta longa-metragem (que, por acaso, nem é assim tão longa) e, portanto, não sei se nele o desfecho é o que conheço – nem como de uma história que, aparentemente, se resume em três linhas, é possível fazer mais de cem páginas (mas ainda hei-de descobrir). No filme, porém, depois de conseguir trocar a bicicleta com os lençóis da própria cama na loja de penhores, este pai verá, enquanto trabalha, ser-lhe roubado o velocípede em plena rua – e, com ele, a possibilidade de ter um salário e alimentar a família. E, porque a Polícia nada faz para o ajudar a encontrar o ladrão, resta ao coitado imitar o patife, mesmo que não se saia tão bem como era preciso e a cena decorra debaixo do olhar crítico e devastado do próprio filho. Desconheço se estamos tão mal como os italianos nesse longínquo pós-guerra, acho que ainda não, mas, com tudo o que sabemos que vai acontecer e mais o que ignoramos, palpita-me que também aqui comecem a desaparecer bicicletas...