Caiçara Esporte Clube, vendo-se o legendário goleiro Coló



Tela do grande artista campomaiorense Amaral, do acervo de Cineas Santos, exposta na Oficina da Palavra 


Desde garoto, quando meu pai me levava a assistir as acirradas pelejas futebolísticas entre o Caiçara e o Comercial, no estádio Deusdete Melo, em Campo Maior, passei a admirar a ingrata e espinhosa posição de goleiro, em que as falhas costumam ser fatais. É, portanto, a posição em que o atleta fica mais tenso e com os nervos em frangalhos, pois um “frango” pode ser o estopim de uma derrota, podendo o goleiro ser crucificado pela torcida e pelos seus companheiros, em verdadeira execração pública.
Por isso mesmo, tenho sido, ao longo de minha vida, um admirador dos fabulosos e imortais goleiros Coló e Beroso, tendo certa predileção pelo legendário Coló, não só pelo fato de ser eu um caiçarino, mas também pelo seu estilo. Talvez, em decorrência dessa admiração, tenha me tornado um goleiro razoável, com atuações quase sempre regulares ou boas, em que também perpetrei as minhas levitações acrobáticas e ornamentais, em defesa de minha baliza.
Pelo que consigo recordar e também pelo que tenho ouvido e lido, o Coló, magrinho, leve como uma ave, tinha umas “voadas” excepcionais, em que exercitava toda a sua elasticidade felina, projetando-se no espaço, para encaixar a bola em seu peito, ou segurá-la em suas mãos hábeis e precisas, ou espalmá-la, desviando o seu curso para fora de sua meta. Nessas “pontes”, conseguia arrancar aplausos longos e entusiasmados da torcida caiçarina. Nesses saltos ornamentais, verdadeiras acrobacias circenses, muitas vezes estraçalhava os nervos de seus torcedores, pois, quando o chute era propício, e a trajetória da bola o permitia, esse goleiro estiloso simulava deixar a bola passar, para em seguida saltar para trás e desviar o curso da bola, o que fazia a galera delirar e suspirar angustiada, em virtude do susto. Tinha um defeito em um dos dedos da mão, que não lhe permitia espalmá-la plenamente; entretanto, agarrava a bola com segurança, como se tivesse mãos de onça ou tenazes. Era um tanto nervoso, às vezes, nas disputas esportivas, mas era quase sempre elegante no trato pessoal. Conta-se que, em certa ocasião, irritado com a torcida, abandonou a meta, em protesto contra a sua ingratidão e volubilidade. Amado e aplaudido pelos caiçarinos, foi inventada uma modinha, muito conhecida no auge de sua carreira, cuja letra dizia: “Coló quebrou a perna, / eu também quebrei a minha. / Coló colou com cola / e eu colei com Mariquinha.”
Beroso, que tinha esse apelido em razão de ser algo retraído, como se fosse um matuto, tinha um estilo mais sóbrio, mais contido. Ao que tudo indica, procurava controlar os seus nervos e emoções. Talvez fosse mais pragmático e objetivo em suas atuações, procurando focalizar mais a defesa em si do que efetuar “enfeites” em suas intervenções, embora, quando necessário, a exemplo de Coló, também soubesse executar “vôos” extraordinários. Segundo o grande craque Zé Duarte, um dos maiores atletas campomaiorenses, esse lendário goleiro, em certa ocasião, foi coberto por um lance. Instintivamente, esse arqueiro executou o pulo-do-gato, arremessando-se de costas para trás, desviando o curso fatal da bola, e efetuando uma cambalhota em pleno ar, para cair de bruços no chão, em legítimo “salto mortal”, como se fora um acrobata circense.
Nessa época, os guarda-metas se vestiam de preto: camisa de mangas compridas e calções. Usavam um protetor branco, chamado suporte, que saía do calção e era dobrado por fora, formando uma espécie de cinta, que dava uma elegância toda especial à farda. Pelo que relembro, Coló e Beroso eram mais ou menos da mesma altura, sendo o segundo mais encorpado. Tinham uma boa estatura para a época, o que lhes dava uma boa presença e elegância em seus uniformes pretos.
Numa enquete pessoal e sem os requisitos metodológicos e científicos de uma pesquisa estatística, tenho procurado saber qual dos dois teria sido melhor arqueiro. Nunca cheguei a nenhuma conclusão definitiva. Os torcedores do Caiçara “puxam” um pouco para o Coló, e os simpatizantes do Comercial, evidentemente, acham que o Beroso seria um pouco melhor. Ambos, creio, tinham aproximadamente a mesma idade e atuaram na mesma época, anos 60 e começo dos 70. Talvez, para resolver o imbróglio, com eqüidade e um tanto salomonicamente, fosse mais adequado dizer-se que, em determinadas fases e partidas, um atuasse um pouco melhor do que o outro, sendo certo dizer-se que ambos estão entre os melhores goleiros do Piauí de todos os tempos. Foram ícones incontestes de seus times, aclamados e aplaudidos pelos seus fãs, que incendiavam as ensolaradas tardes domingueiras de outrora, fase áurea do futebol campomaiorense, em que o Estádio Deusdete Melo era um verdadeiro alçapão, onde os times forasteiros eram implacavelmente massacrados e trucidados.
Carlos Said, o Magro de Aço (mas aço inoxidável, acrescento), um dos melhores comentaristas esportivos do Brasil, homem erudito na literatura, na vida e na história, emérito divulgador do esporte e da arte literária piauiense, que igualmente foi um grande golquíper, jogando no River por vários anos, afirmou-me, categoricamente, que em determinada época o Coló foi o melhor guardametas do Piauí. Sem dúvida, em consonância com o que já afirmei acima, no intuito de resolver essa pendenga, o mesmo, suponho, poder-se-ia afirmar em relação ao Beroso. Como se fosse algo semelhante às vidas paralelas de que nos fala Plutarco, esses dois varões, mantendo o paralelismo biográfico, morreram sem alcançar a velhice.
Diz a música popular que morre o homem e fica a fama. Dizem que algumas pessoas não morrem, ficam encantadas. Esses dois excepcionais atletas, transformaram-se em mitos do futebol piauiense. Encantaram-se e se tornaram lendas do nosso futebol. Ou viraram duas estrelas na constelação do firmamento esportivo piauiense.