[Paulo Ghiraldelli jr.]

“A mulher tem data de validade, o homem não”. Que não se avalie essa frase com o comentário tolo, por exemplo, “ai que coisa machista!” Nada disso. Sejamos inteligentes. A frase diz algo realmente importante, verdadeiro até pouco tempo. Até ontem a mulher não podia se apresentar no campo da disputa amorosa e sexual em todas as suas idades, enquanto que o homem poderia ser considerado “charmoso” mesmo depois dos cinquenta e até mais. Mas a indústria do prolongamento da vida não tem parada. No passado a pílula e, mais recentemente o Viagra, criaram um novo mundo de possibilidades de ampliação do sexo como divertimento, não como tarefa ou sina. Agora, especialmente para as mulheres, aparece o fim da celulite, das estrias e outras marcas de envelhecimento a partir de aplicações de elementos retirados de células tronco (e toda uma indústria de gerontologia e controle hormonal). As mulheres se colocarão em igualdade de condições com os homens e em superioridade diante de suas colegas mais jovens. Aliarão o corpo dos dezoito com a experiência dos cinquenta. Temo dizer, mas acho que tenho de arriscar conjecturar: várias delas se tornarão imbatíveis na arte da conquista.

Mulheres com experiência e ainda belas aparecerão aos borbotões por aí. Serão capazes de escolher parceiros em bares, festas e casas noturnas como os homens mais velhos, que sabem o que querem, fazem hoje muito bem e em muitos lugares, diante de garotas que buscam charme aliada à segurança e bom papo. Em um mundo como o nosso, permeado pelo relacionamento prévio de tipo eletrônico, isso deverá ampliar os espaços comuns entre jovens e não jovens, trazendo uma nova era nas relações sociais, em especial nas classes médias do Ocidente. O resultado do que as células tronco vão fazer pelas mulheres – e por nós todos – será rápido, e só uma força específica poderá deter isso, ao menos por algum tempo, e não será a força econômica.

A força que poderá deter isso ainda será a da mentalidade. Isso porque o adjetivo “natural” tem certa capacidade de ainda conquistar alguns. Tudo que é “natural” é bom, tudo que é “artificial” é ruim. Isso vem do romantismo, com Jean Jacques Rousseau à frente. Assim, no limite, há aquelas mulheres (e até homens) que em nome do respeito à Mamãe Natureza (de Disney) querem a “beleza natural”, ou seja, sem intervenções posteriores. Rejeitam cirgurgia plástica, remédios e até cosméticos. Todavia, isso é coisa tola. Deveríamos antes lembrar de Sade que de Rousseau. Para Sade a natureza nunca foi boa. Ela sempre foi má. Tanto é verdade que ela nos leva naturalmente para a deterioração, doenças, imobilidade e, enfim, morte. Ora, por que não barrá-la? Por que não colocá-la de vez no caminho que queremos que ela vá?

Sade ensinava a pedagogia do sexo associado à dor e ao prazer máximos de modo que todos pudessem não tirar mais prazer nenhum, a não ser que quisessem mesmo assim fazer. O libertino máximo, reconhecidamente libertino, tinha de se tornar conscientemente apático. O castelo sadiano era o lugar de uma educação filosófica que deveria ser capaz de fazer toda dor e prazer chegarantes da natureza, por decisão cultural, ou seja, decisão do cérebro humano, da vontade racional. Se não se podia dominar a natureza, então, Sade ensinava adiantar-se a ela. Agora não mais. Aposentamos Rousseau e, agora, também Sade. A tecnologia permite que se domine a natureza de todo modo, colocando até mesmo o envelhecimento a nosso favor. Podemos nos adiantar à natureza, agora, mas não mais por meio de aprender a sofrer e gozar maximamente, para sermos senhores quando o gozo e o sofrimento quiserem nos escravizar. Agora, podemos simplesmente ultrapassar a natureza sem qualquer sacrifício.

Desse modo, se entendermos a natureza como Sade a via e não como Rousseau a endeusou, então poderemos com mais facilidade aceitar modificações em tudo aquilo que achamos que é a natureza, e isso pela mão da tecnologia. Uma dessas técnicas trará problemas éticos, ou seja, estaremos em papos de aranha para decidir sobre engenharia genética, melhoramentos genéticos, intervenção para a geração de humanos não só com menos doenças, mas com habilidades pré-determinadas etc. Esse debate já vem se desenvolvendo. Mas, sobre as células tronco com finalidades estéticas, duvido que haverá drama. Haverá apenas a resistência apontada. Alguns titubearão, mas quando virem o resultado nos outros, deixarão de lado o culto à natureza de Rousseau. Será como a moda do silicone, não há quem não ponha hoje lá sua quantidade, em vários lugares do corpo, não mais só nos seios. Poucas mulheres escapam disso. E que ninguém diga que se trata de uma ditadura da beleza, porque não é mesmo, é alguma coisa criada já com demanda prévia.

Uma mulher bela e jovem abre portas. Uma mulher bela, aparentemente jovem, mas experiente, abre portas para ela e é capaz de fechar portas para as outras. Será a glória da beleza da mulher. O homem que gosta de ninfetas voltará a gostar do que diziam para ele que ele tinha de gostar, ou seja, as mulheres mais velhas ou da sua idade. As jovens terão agora dificuldade no mercado sexual onde todos serão eternamente jovens. A beleza, especialmente a beleza da figura humana, e da mulher principalmente, ganhará uma outra maneira de ser computada e se colocará de maneira revolucionária na sociedade. Ela se dissociará da juventude, à qual sempre esteve invariavelmente ligada. Mulher jovem era sinônimo de mulher bela, mesmo não sendo bela. Agora, a beleza irá para um lado, a juventude que vá para o lado que quiser. Vocês podem imaginar o quanto será diferente um mundo assim?

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ