QUATRO GRANDES AUTORES AMAZÔNICOS
A Amazônia sempre povoou o imaginário de outros povos e foi um prato cheio para os literatos. E grandes descrições fantasiosas surgiram, sobre os mais diversos prismas. Gastão Cruls a descreveu como Amazônia Misteriosa, Alberto Rangel batizou-a de grande Inferno Verde, Já Euclides da Cunha a denominou de Um Paraíso Perdido, e há centenas de outros relatos não menos interessantes.
Dentre os estados da Amazônia, o Pará se destaca como um celeiro de bons escritores. Belas descrições da região amazônica estão registradas pela pena de paraenses. Dentre estes, por um gosto pessoal, penso em quatro de forma especial, a saber: Inglez de Souza, Raymundo Moraes, Abguar Bastos e Leandro Tocantins. Todos estes escreveram sobre a Amazônia de uma maneira singular e apaixonante, e foram marcos nas letras amazônicas. Em suas obras tiveram a preocupação em defender a situação do povo amazônico, no sentido de despertar a consciência para uma região afastada dos grandes centros urbanos e promover mudanças sociais.
INGLEZ DE SOUSA (1853-1918) é tido como o introdutor da escola literária naturalista no Brasil. O naturalismo entendia que a "arte deveria organizar-se em torno da objetividade das coisas que estão no mundo e se expressar numa linguagem também objetiva, portanto esvaziada dos adornos subjetivistas românticos". Teve sua origem no determinismo de Taine, no positivismo de Comte e no evolucionismo de Darwin. Um dos primeiros a concretizar o pensamento desses autores na forma literária foi Emile Zola, com o ensaio O Romance experimental (1880).
Formado em Direito pela Faculdade de São Paulo, Inglez de Sousa estreou na literatura com o romance O Cacaulista, em 1876. Nesse mesmo ano publica também História de um pescador e no ano seguinte lança O Coronel Sangrado. Esses três livros são publicados sob o pseudônimo de Luiz Dolzani. A partir de O Cacaulista fez dos problemas humanos da Amazônia a preocupação central de sua obra.
O Missionário (1888) é considerado pela crítica a sua principal obra. Nas palavras de Araripe Júnior: "O Missionário é um livro que entontece, embriaga e farta como uma bebida forte do Amazonas. Em suas páginas encontra-se a vida que pode existir em uma obra copiada do natural". O livro narra a história de um missionário na Amazônia que a tudo combatia com o ardor de sua fé, fazendo frente ao sarcasmo de seus adversários e às tentações do demônio. Agarrado à idéia de sua missão, o bravo sacerdote só vê derrubados seus santos intentos quando a fascinação de uma tapuia intercepta os seus passos.
Inglez de Sousa, além de escritor e jurista foi também político, chegando a ocupar a presidência das províncias de Sergipe e Espírito Santo. Também participou da Fundação da Academia Brasileira de Letras, responsável pela fundação da cadeira 28, cujo patrono é Manuel Antônio de Almeida. Seu último livro, Contos Amazônicos (1893), uma de suas obras mais conhecidas, é um "documento fiel da língua do Pará, onde aparecem os modismos, o vocabulário e os costumes típicos da região amazônica".
Diferente de Inglez de Sousa que depois de sua saída da Amazônia (1853) nunca mais retornou a ela, RAYMUNDO MORAES (1872-1941) tem na bagagem 30 anos de experiência como comandante de gaiola, o que lhe permitiu conhecer a fundo toda região amazônica em suas peculiaridades. O jornalismo seria sua primeira fase. Participa da redação de A Província do Pará, jornal que na época distinguia-se entre os de melhor padrão na imprensa brasileira. Além de diversos romances amazônicos, publicou ensaios, apólogos, memórias, comentários à viagem de Agassiz à Amazônia, estudos sobre a origem do vale amazônico e um dicionário de coisas da Amazônia. Raymundo Moraes tornou-se um escritor de renome nacional, tendo o próprio Presidente Vargas como seu leitor e admirador. Moraes era membro da Société Des Americanistes de Paris. Escreveu ao todo 18 livros.
Um de seus principais livros é Na Planície Amazônica (1926) que se tornou um livro de repercussão nacional, com o aplauso do Presidente Washington Luis. O livro trás diversas descrições das características da Amazônia, como a hidrografia, a botânica, as lendas, etc. Sobre o livro João Ribeiro dizia: "grande e maravilhoso esse dicionário de coisas amazônicas. A um só tempo lingüístico histórico, geográfico, biológico e social, é na realidade um livro que todos devemos ler página por página, para avaliar o imenso mar mediterrâneo de infinitos recursos e que bastaria para formar a pátria mais rica e formosa do mundo". Raymundo Moraes, nas palavras de Humberto de Campos, conseguiu, de um ponto remoto da selva amazônica, impor-se ao país inteiro.
Sobre o Acre Moraes escreveu o livro Ressuscitados: romance do Purus, obra psicológica na qual a dor, a lágrima e o sofrimento são amassados pela mão rude e audaciosa do homem, surge desafiando o que já se escreveu sobre a vida do nordestino no ocidente brasileiro, uma espécie de predecessor de A Selva de Ferreira de Castro. O livro descreve o amor não correspondido de um seringueiro, por uma indiazinha, sua pupila, a luta feroz do abandonado e seus companheiros contra os índios, em busca da mulher "roubada", a deserção dos seringueiros ao faltar-lhe munição, a luta peito a peito do cearense contra o índio, dentro outros fatos, constituem páginas das mais belas e reais, desse romance que empolga e que arrebata o leitor. O nome ressuscitado é uma alusão aos (poucos) seringueiros que se enriqueciam nos seringais e, assim, conseguiam retornar às suas terras natais ou à outra cidade qualquer.
A vida de ABGUAR BASTOS (1902-1995) é uma verdadeira miscelânea cultural: Romancista, poeta, folclorista, sociólogo, historiador, conferencista, teatrólogo, jornalista, tradutor, político, administrador, etc. Dono de uma vasta obra literária coloca-se entre um dos maiores vultos da história literária amazônica. Destaca-se como um autor central de um "regionalismo" amazônico renovado, isto é, um autor a encarnar uma visão "de dentro" da Amazônia sem, no entanto, desatrelar-se das influências e vínculos com as correntes modernistas que tão profundamente o marcaram em seu período de formação no contexto cultural da cidade de Belém.
Sob a influência do Manifesto pau-brasil de Oswald de Andrade, lançou na Amazônia o manifesto Flaminaçu, que em tupi (flami-n'-assú) significa "grande chama". Sua pretensão com esse manifesto era não só combater os representantes do passadismo literário da região, mas também convocar os intelectuais paraenses para o movimento renovador iniciado em São Paulo e que na Amazônia deveria ganhar feições próprias, dadas as peculiaridades da própria natureza.
Um dos principais e também romance de estréia de Bastos é Terra de Icamiaba (1931), romance de tese, meio cerebral e meio ambiente, é um livro de intenções simbólicas. A Amazônia tal como é e tal como deveria ser. Procura, ao mesmo tempo, fixar a luta do homem civilizado com o meio brutal e selvagem. Com este romance Bastos revela as rupturas presentes tanto no modo de conceber a relação do regional com o nacional, quanto reforçar a oposição entre um autor e outro no emaranhado de estratégias a dinamizar o campo literário naquele período.
Outra obra interessante, com enfoque na região acreana, é o romance Certos caminhos do mundo: romance do Acre (1936). Essa obra fixa não só a vida do vale acreano, mas a do vale do Purus, numa mesma linha de prolongamento. É um romance só de ambiente, onde os retratos se adaptam com maior rapidez às realidades da terra. Nele aparecem muitos aspectos da sociedade acreana, como a rivalidade que existia entre os dois principais bairros de Rio Branco: Penápolis e Empresa.
Abguar Bastos conhecia de perto a realidade amazônica. Sua bio-bibliografia é riquíssima, retrato de um homem que deixou um rastro luminoso, ao longo da sua vida de quase um século, tanto para a Amazônia quanto para o Brasil.
LEANDRO TOCANTINS (1928-2004) legou ao Brasil, quiçá ao mundo, uma das mais belas páginas já escrita, até hoje, sobre a Amazônia. Não só se realizou na Literatura, na Poesia, nas Ciências sociais. Sugeriu um "novo campo de estudos", a Amazonotropicologia, que resultaria em pesquisas, análises, interpretações, dentro de um sentido ecológico: de modo a harmonizar plenamente o Homem e a Natureza, criando uma autêntica civilização amazonotropical no complexo regional brasileiro, que se apresenta em "unidade dentro de diversidades".
Seu livro de estréia O rio comanda a vida (1952) é considerado um clássico. Sobre este livro Valdemar Cavalcanti ressalta que não se deve dizer que é "mais um livro sobre a Amazônia", já que a expressão adquiriu um sentido depreciativo. Mas sim, um livro sobre a Amazônia – uma obra que não se destina a perder-se, por insignificante, na vasta bibliografia existente sobre o Inferno Verde. Um livro nuclear da Amazônia em busca da própria grandeza integrada no Brasil ainda maior. Luminosa síntese de pensamento e ação programática, que dimana de uma inteligência de longo alcance e alta competência no trato dos problemas da área amazônica, e, por isso mesmo, com direito a uma visão profética sobre destino histórico, como salienta J. Guilherme de Aragão.
Com Formação histórica do Acre (1961), Tocantins ganha o Prêmio Joaquim Nabuco de História Social da Academia Brasileira de Letras. Pode-se dizer que é o livro mais completo escrito até hoje sobre a história do Acre. Conforme Cassiano Ricardo: "Formação Histórica do Acre vai figurar entre as melhores obras de revelação e de interpretação de situações brasileiras. Como o sertão baiano teve Os Sertões, o sul do Brasil Populações Meridionais do Brasil, o nordeste Casa Grande e Senzala, o sudoeste amazônico tem, agora, Formação Histórica do Acre. Com a mesma força telúrica, a mesma riqueza de fatos, a mesma originalidade em técnica narrativa e de análise, a mesma extensão histórica e social, a mesma substância sociológica, as mesmas antecipações em divulgar documentos inéditos e essenciais à nossa historiografia, o mesmo bom gosto no estilo literário, o mesmo tom, assim, como o romanesco. O livro é uma grande saga, não só acreana, mas amazônica. Que se lê com a impressão de um romance épico".
Leandro Tocantins também foi um poeta exímio. De sua poesia pode-se repetir o que Gilberto Freyre julgou sua prosa: "Impossível supor-se Leandro Tocantins de algum mestre, seu estilo é muito seu" ("De um novo Amazonófilo", in "O Estado de São Paulo", 13.3.1985). Leandro Tocantins elabora uma interpretação da formação social da Amazônia, a fim de compreender a singularidade do homem amazônico, de sua cultura e as formas sociais de apropriação do espaço e das técnicas peculiares a adaptação ao ambiente do trópico úmido. E ao fazer isso, legou mais que páginas históricas sobre a Amazônia, mas um testemunho de amor, expresso no papel e vivido no encontro com tantos outros caboclos amazônicos.
Referências e sugestões:
BASTOS, Abguar. Certos caminhos do mundo: romance do Acre. Hersen Editor: Rio de Janeiro, 1936.
TOCANTINS. Leandro. O rio comanda a vida. Companhia Editora Americana: Rio de Janeiro, 1972.
----------------------------. Formação Histórica do Acre I. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1979.
MORAES, Raymundo. Na planície amazônica. Editora Universidade de São Paulo: Rio-São Paulo, 1987.
---------------------------. Ressuscitados: romance do Purus. Companhia Melhoramentos de São Paulo: São Paulo, s/d.
SOUSA, Inglez. Contos amazônicos. Martin Claret: São Paulo, 2005.
-------------------. O missionário. Ediouro: Rio de Janeiro,s/d". (ISAAC MELO)