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[Bráulio Tavares]

Li na adolescência uma frase de Kafka que volta e meia recordo. Era mais ou menos assim: “Escrever é trabalhoso.  Quando consigo colocar uma palavra no papel, não tenho senão esta, e tudo recomeça.”  Para autores assim, como o próprio Kafka, Raymond Chandler, Georges Perec, escrever é como levantar um muro. Tem que fabricar um tijolo. Colocá-lo no lugar. Depois fabricar o tijolo seguinte. E por aí vai.  É o contrário da impressão que eu tenho de certos autores (Nelson Rodrigues, Henry Miller, Jack Kerouac, Chesterton, Walter Gibson que escrevia a série The Shadow) para os quais escrever é sinônimo de abrir uma torneira: já está tudo pronto para ser escrito, o único trabalho é controlar o fluxo.

De um lado da rua, moram os autores meticulosos cuja escrita é um avanço penoso mas seguro, onde a cada dia de trabalho são produzidas algumas linhas, mas pelo menos se supõe que serão definitivas. Na calçada oposta moram os autores fluentes, caudalosos, que redigem dezenas de páginas num dia de atividade veloz e ininterrupta. Estes – descontando-se, sempre, os que visam apenas a quantidade sem qualidade – parecem ter um mecanismo automático de escolha que faz sua prosa fluir sem maiores considerações caso-a-caso. Quase como se, tendo descoberto uma maneira original, espontânea e variada de dizer o que pretendem, eles já a tivessem automatizado a ponto de produzi-la sempre que necessário, sem muita reflexão.

Robert Silverberg (autor de Uma pequena morte, Crônicas de Majipoor) conta que teve duas fases distintas em sua carreira. Na primeira foi de uma produtividade recorde: “Eu escrevia com espantosa rapidez, vendendo quinze histórias em junho de 1956, vinte no mês seguinte, catorze (incluindo uma serialização em três partes) no outro mês.”  Tempos depois, ele dizia: “Tornei-me como os outros mortais, e tenho que redigir duas, ou três, ou às vezes dez versões de cada página antes de poder fazer a datilografia final.”

Silverberg foi promovido da energia perdulária da pulp fiction para a contractividade criadora da arte. Tornou-se um artista mais denso e mais complexo,  para os que acham que quanto mais cerebral mais artístico – questão ainda em aberto. A autoconsciência do autor que recebe o upgrade de uma pulp fiction para uma New Wave paga o preço de uma teorização filosófica para cada frase. Por que este plano e não outro?, perguntava Jean-Luc Godard, brechtianamente, estancando o fluxo do delírio e mandando os diretores pensarem. Por que esta palavra? pergunta Kafka. E depois de longas assembléias com seus heterônimos ele concorda que a palavra é mesmo aquela. Escreve-a no papel. E tudo recomeça.