[Maria do Rosário Pedreira]

Hoje muitos autores portugueses querem viver exclusivamente do que escrevem (o que, dada a insignificância do nosso mercado, é extremamente difícil se não ganharem prémios chorudos ou forem traduzidos) e cada vez me aparecem mais potenciais escritores que alegam não gostar do que fazem profissionalmente e estar apenas a aguardar uma oportunidade de publicar um livro para deixarem o emprego (do que imediatamente os dissuado). Na minha opinião (que é a de alguém que sempre trabalhou), ter um emprego é, sobretudo nestes tempos, fundamental, não só para equilibrar as finanças, mas porque, entre outras coisas, permite o convívio, a troca de opiniões e a aprendizagem, o que, evidentemente, se se for escritor, só pode contribuir para o enriquecimento da produção literária. E, embora muitos não concordem comigo (até porque ter um horário e acordar cedo não é para toda a gente), houve grandes escritores que nunca se afastaram das suas ocupações e a sua obra não foi beliscada por causa disso (ou foi-o, mas positivamente). Desde logo Kafka, que trabalhava numa companhia de seguros, ou Pessoa, que tinha funções mais ou menos aborrecidas numa empresa de Import-Export (quiçá o facto de terem um trabalho burocrático até ajudou a desenvolver a criatividade). Ou o recente Prémio Nobel da Literatura Tomas Tranströmer, que foi toda a vida psicólogo e trabalhou especialmente com rapazes internados em casas de correcção. O poeta T. S. Eliot era, por sua vez, empregado do Loyd’s Bank e o seu confrade William Carlos Williams médico (tal como Torga, cujo consultório o Manel ainda conheceu quando estudava em Coimbra). Virginia Woolf e o marido eram editores (uma profissão mais ao jeito de um escritor, tal como a de bibliotecário, cargo desempenhado por Borges ao longo de muitos anos). Houve dezenas de escritores que ensinaram em liceus (Vergílio Ferreira foi professor do meu irmão) e universidades (Joaquim Manuel Magalhães foi meu professor) no mundo inteiro e outros que já escreviam em jornais antes de se tornarem escritores de romances, como Baptista Bastos ou Assis Pacheco. Na verdade, o trabalho nunca fez mal a ninguém.