Cunha e Silva Filho

 

               Senti calafrios ao ler uma reportagem no Segundo Caderno do Globo“ -  Prosa & Verso (sábado, 01/10/2016) Acredito que outros leitores tenham sentido também algum incômodo com o assunto da matéria. O impacto da matéria tratada se deve ao anúncio da editora Cosaf & Naif de que está saindo do mercado de livros. Fechou as portas e, ao fazê-lo terá que saber o que  vai fazer com os chamados encalhes, livros que não  foram bem vendidos e cujo destino, segundo a editora, será o que normalmente, no campo editorial, se faz: queimam-se os estoques dos worst-sellers, expressão usada por um ensaísta da Venezuela, Fernando Baéz, que é um estudioso de situações de encalhe de livros como a da Cosaf & Naif.

              Fernando Baéz, que igualmente empregou a expressão “Ato de Biblioclastia,” da qual me servi para título deste artigo, é um escritor já conhecido pelas denúncias que fizera a propósito da destruição de “10 milhões de documentos históricos e culturais durante a Guerra do Iraque.” Segundo a reportagem do Globo, esse escritor, em 2010, publicou uma obra de título bem definidor e alusivo a esta situação anômala por que passa o mundo editorial no que concerne ao destino dos livros que se tornam encalhes. A obra tem por título A história universal da destruição dos livros (Ediouro).

           Chega a causar “dor “ a todos que, por amarmos os livros,a leitura, nos  defrontamos  com a tristeza de que os livros que não têm boa aceitação do público são comparados a lixo e merecedores de se tornarem material para papel reciclado. O pior é que, consoante os editores, esta prática é legal (sic!) Lega,   porém imoral, acrescentaria.. Não sou um especialista em editoração nem entendo do riscado dos bastidores da vida da editoras e das livrarias, mas o que me causa espécie é que, num país como o nosso, com ainda enorme carência de boas bibliotecas públicas, ao contrário da Argentina, que, há algum tempo, se dizia que só em Buenos Aires havia mais bibliotecas do que no Brasil, aconteçam coisas desse tipo. Não sei se o procedimento relativo aos encalhes deveria ser como é.

          Só tenho a certeza de que haverá outras formas de se mudarem tal procedimento, que, vou forçar uma imagem dura, me lembra um certo obscurantismo dos tempos da Inquisição, ou dos lúgubres e apocalípticos tempos da nazismo em que livros eram queimados por não se enquadrarem na ideologia nazi-fascista hitlerista. Queimar livros, aqui no país, é algo que machuca os bibliófilos, os bookworms, os leitores compulsivos, os amantes da cultura. Queimar livros, para mim, se afigura um crime amparado por lei, uma insensatez, uma prática indecorosa, autoritária.

           Eu perguntaria simplesmente por que os editores não pensaram duas vezes antes de bancarem alguns livros que não teriam sucesso de venda? Por que o governo federal não formularia um programa de assistência aos encalhes, fazendo com que os milhares de livros fossem distribuídos pelo país afora. Por que não se facilitariam mecanismos,  através dos órgãos governamentais, municipais, estaduais e federais, a fim de que pudessem, organizadamente, fazer doações a bibliotecas, ou mesmo criar novas formas de bibliotecas volantes que dariam oportunidade a tantos brasileiros amantes da leitura e que não podem comprar livros de bons autores que, por um ou outro motivo, não foram sucesso de livraria, como ocorre com os best-sellers estrangeiros, sempre mais vendidos do que os livros de autores brasileiros?

          Ora, tudo o que está aí no mercado de livros e  na publicação de obras não necessitaria de ser queimado, tratado como um refugo quando tantos leitores, repito, estão ávidos para adquirem tantos encalhes? Temos muitas bibliotecas de universidades públicas e muitas de universidades privadas que poderiam abrigar e receber esses milhares de livros chamados pejorativamente de encalhes. Nenhum autor merece ser tratado dessa maneira. É um despropósito convivermos com práticas desta natureza. Os livros e seus autores merecem respeito e consideração.

          Enquanto editoras tratarem o livro só visando ao lucro sem limites – e o livro no país está muitíssimo caro, inclusive os livros usados, os chamados sebos - quem sofrerá primeiro será o leitor de poucos recursos e, em segundo lugar, os autores. Diante dessa triste realidade que vivemos no país, torna-se imperativo que o governo federal, através das políticas públicas, cuide  de urgentemente mudar essa situação ultrajante por que passam autores, livros e leitores.

         Ao maltratarem assim nossos livros e autores, o país está dando mostras de tremendo retrocesso cultural com consequências dramáticas para o desenvolvimento geral de nosso bens imateriais, produto de  nossa nteligência e de nossa criatividade.