Cunha e Silva Filho

                  O autor de Coisas da vida ( 1. ed. Teresina:: Halley S. A. Editora, 2007, 222. p.), Assis Fortes, não é nenhum desconhecido. Consultando obras de referência sobre literatura piauiense, vejo que ele, ainda como aluno do 2º  ano da Escola Técnica Federal do Piauí, fez parte de uma antiga Antologia de sonetos piauienses, de Félix Aires (poeta maranhense, 1904-1979) obra editada, em 1972, pela Companhia Editora do Piauí na época em que o Presidente da Academia Piauiense de Letras era A Tito Filho (1924-1992),  o qual autorizou aquela editora a publicar a citada antologia, uma vez que a APL, segundo ele, não dispunha de recursos para tal empreendimento.

               O Dicionário biográfico de escritores piauienses de todos os tempos , de Adrião Neto ( Teresina: 2. ed Halley S A., 1995, p. 116),  contribui com mais informações sobre o autor, mencionando, inclusive, um livro de poemas, Minha terra, meus poemas (1989). Ao que parece, Assis Fortes produziu bem pouco até agora no gênero da poesia, o que não significa por isso que não mereça atenção da parte da crítica.
               No livro que me remeteu com uma dedicatória que logo denuncia uma pessoa de extrema educação, escrita num talhe de letra belíssimo que há muito não vejo em quem escreve à mão, percebo de imediato tratar-se de alguém que não escreve apenas para se fazer autor simplesmente, porém o faz para marcar sua presença no mundo da escrita da forma que seus limites de talento lhe permitem.

             Dessa maneira, reúne, num só volume, crônicas, poesias, discursos pronunciados em solenidades escolares e um número de textos de natureza memorialística. De todo esse material reunido, pelo menos neste volume, duas partes e alguns poemas me chamaram a atenção nesta resenha: as crônicas, todas elas, os relatos memorialísticos, os poemas “A vela e eu”(p.76), “O Chamado”(p.92-93), “Conselho ao Crispim” (p.95-97) e os poemas que se encontram na seção “Poemas e Crônicas Relacionadas com Esperantina”. Dos poemas dessa seção destacaria “Cachoeira Nossa”(p.124), “Pescadores do Longa” (p.125-128)”Malhada do Meio(recanto onde nasci), p.129, “Um triste anoitecer”(133) e “Perda irreparável”(p.134).
             Assis Fortes é um poeta ainda preso à velha tradição da poesia brasileira, mas, ainda assim, consegue momentos de pura fatura poética que merece ser lida. Apegado ainda às rimas, às redondilhas, ao andamento poético já trilhado por tanta gente boa da poesia brasileira, um aspecto digno de nota de seu estro, que ninguém pode sonegar-lhe, é a musicalidade, em versos com ritmos vivos e agradáveis de ouvir, versos de quem tem bom ouvido musical. Isso tudo basta para lhe dar um lugar nas letras piauienses. É um lírico, enamorado eternamente da natureza, do amor, da dignidade humana e de um belo sentimento cristão. De resto, essa dimensão cristã acompanha o autor em tudo o que faz em literatura, na poesia, na crônica, nas memórias, nos registros históricos, nos discursos.
          No que respeita aos textos de suas crônicas, cuja esfera desse gênero transborda os seus limites, descambando, assim, para uma forma de conto de fundo sempre didático-moralista, todos eles me agradaram não só pela mensagem edificante, humanística, mas pela capacidade que o autor tem de bom observador da vida, das pessoas, do que se passa à sua frente, sempre atento a algum fato digno de ser presenciado e, sobretudo, comentado. O autor sabe selecionar exatamente aquele fato, aquele acontecimento, aquela ação e deles extrair uma lição de vida, uma reflexão sobre o comportamento humano.

          Entretanto, o que ele visa literariamente, com vigor narrativo-descritivo-expositivo, é atingir o coração do homem e tentar levá-lo à reflexão de corte didático, mostrando onde se encontram na vida os erros das atitudes e das ações do ser humano, seja, um adolescente, seja um adulto. Numa palavra, o escritor mostra caminhos, aquelas vias que conduzem a mudanças de atitudes, despertando consciências alienadas, reconduzindo-as a práticas de vida sadia porque, segundo, ele, assentes na lição cristã – único grande acesso à felicidade na Terra.
        A terceira parte digna de registro literário  são os textos de memórias da sua amada Esperantina, que o autor deixou, em 1965, para fixar-se em Teresina. No conjunto de textos que compõem Coisas da vida, título que, no meu entender, pouco diz do que o livro de bom oferece, vale o tempo de leitura  dessa parte do volume.  

        Nela o autor cresce no conceito do crítico. Embora observe certas falhas de ordem técnico-composicional na organização geral dos textos memorialísticos, os fatos, a análise que faz de pessoas, seja da família, seja dos amigos e outras figuras da vida social de Esperantina, revelam ter o autor bons predicados de narrador, real capacidade descritiva, domínio de exposição dos acontecimentos, do que escreve, num estilo literário que não é novo mas que aponta qualidades literárias indiscutíveis, seja pintando a natureza, seja selecionando criteriosamente os lances a serem explorados nos seus relatos, na sua habilidade e poder de memoralista cuidadoso com a autenticidade do que expõe, apoiando-se até na pesquisa histórica ou no testemunho dos mais velhos.
       Assis, desse modo, nos dá uma visão sentimental, dramática e ao mesmo tempo lírica de parte da história da velha Esperantina. Com suas memórias, qualquer leitor piauiense pode muito bem ter uma idéia ampla do que seja essa cidade nas alegrias e tristezas do seu povo, nos  seus costumes e hábitos, nos seus defeitos e virtudes.

        Ah, se todo cidade piauiense pudesse ter um autor como Assis Fortes que pudesse contar a saga de sua cidade. O Piauí, reunindo um conjunto das memórias de todos os seus municípios, de certo formaria  para si um grande painel histórico-social-cultural  bastante  útil e decisivo para se cotejar em quais aspectos as cidades piauienses se parecem e se diferenciam nas múltiplas dimensões  de sua formação histórico-social. Nesse sentido, as memórias que lemos em Assis Fortes são um seguro passo nessas direção.
       Penso que Assis Fortes, além  de poesia,  poderia também  continuar escrevendo ficção. Não lhe faltam meios de bom narrador, domínio de linguagem, fluência descritiva, poder de armar situações dramáticas, jogo de cena, habilidade de prender a atenção do leitor. É bem provável que com tais virtudes ainda possa dar continuidade à sua atividade literária.

       Espero, por fim, que, em outras  edições, a revisão  corrija alguns senões de digitação que aparecem no livro e que o autor  suprima   o uso de palavras em negrito e em caixa alta, desnecessário ao texto  nessas formas tipográficas, ainda que  possam caracterizar  realce de expressões do autor.