A natureza não está nem aí para nós. Passa bem e ao largo de tudo que possamos esperar dela. Aliás, não fosse essa nossa descabida onipresença, principalmente, nas ações ruinosas que contra ela empreendemos, e estaria ainda melhor. Na verdade, somos penetras em suas festas; ouvintes do que nada tem a dizer, testemunhas dispensáveis nas acusações ou defesas que não precisa fazer; cobradores de faturas que não deve.
     Se isso nos puder servir de consolo, não somente com seres humanos, considerados, por nós mesmos, como os únicos entes inteligentes – pelo menos, até que apareça alguém para contestar -, também com outros animais, os ditos irracionais, os vegetais e demais indivíduos que conosco coexistem, vivem ou sobrevivem de seus recursos, ela, a natureza, não desperdiça o tempo que tem em abundância. Caso pudéssemos humanizá-la, certamente veríamos que não se estressa, não fica nervosa – tufões, terremotos, maremotos, são atividades naturais, como o nosso espreguiçar, bocejar, espirrar, adoecer, morrer -; não perde o “sono” nem o “apetite” com bobagens que uns e outros aprontamos.
     Vez ou outra, como se houvessem acabado de chegar de galáxia para a qual haviam ido antes de tudo o que, ora, estranham, acontecesse, dentre os espertos, surgem doutos iluminados, mais expertos que todos nós, em brados sensacionalistas anunciando, ou melhor, questionando: que estamos fazendo com a natureza? Queremos destruí-la? Por que não nos preocupamos com nossos sucessores? Que haveremos de deixar-lhes como herança? Perguntas, singulares, pueris, às vezes, respondem àquelas perguntas: como reles partículas de pó que ganharam vidas iriam destruir suas grandes obras? Destruição da Terra, autodestruição do homem? A quem isso interessaria? A não ser que a natureza, tomando partido dos “seres indefesos”, decidisse acelerar os acontecimentos. Sim, porque todo dia, hora, minuto e segundo, sem que ela intervenha, milhares de nós voltam ao pó, enquanto outros dele surgem, alterando o cenário, reduzindo ou aumentando a quantidade dos que, potencialmente, poderiam “colocá-la em perigo”.
     A propósito, e a despeito daqueles que preferem pensar diferentemente, preocupamo-nos, sim, ainda que, egoisticamente, com os que nos sobrevirão; notadamente, com aqueles que são carne e sangue da mesma carne e sangue. Finitos que somos, o que estamos construindo ou destruindo servirá ou desservirá, tanto aos nossos herdeiros e aos que com eles coexistem, agora, como aos que advirão.
     Não há nenhum registro histórico aceitável capaz de afirmar que o homem, prioritariamente, preocupou-se em deixar um mundo melhor para os que o sucederiam. Sábios, sabidos, expertos de todo gênero e de todas as épocas, sempre nos tentaram induzir a considerar importante, ideal; de fato, interessante, viver o presente, o dia de hoje, o agora; como se nos quisessem impingir, tais “deuses”, que o ciclo vital inicia-se e se encerra em nós.
     Damos por cumprida essa obrigação, senão quando finda nossa existência, a partir do momento em que entendemos e compreendemos a desistência em continuarmos mantendo aqueles seres que, por nossa conta e responsabilidade, pusemos na natureza para usufruir os mesmos direitos, como uma espécie de lição que precisam aprender. Como nós fizemos, eles precisam lutar para buscarem o que ainda não conseguiram obter.
     Assim é a natureza: ela, dentre tantos outros ensinamentos, de várias formas, mostra-nos a necessidade inevitável de desapego, de transferência de responsabilidade aos que continuarão: a árvore perdendo a folha, que cai para dar lugar e vez à flor e, esta, ao fruto; a rastejante lagarta, que cria asas, vira borboleta e voa; a água que, submetida a baixíssima temperatura, torna-se sólida e, a alta, evapora-se. Ou seja, nada é imutável ou eternamente uniforme, tudo passa e se transforma; todavia, a sequência ou continuidade somente existe para aquilo que não chegou a se consumar, concluir-se.
                 Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal ([email protected])