[Maria do Rosário Pedreira]

Dizem que as mulheres são boas doentes: metem-se na cama e querem é que as deixem em paz. Percebem que a febre é uma coisa passageira. Não fazem ondas nem chateiam especialmente os maridos, filhos, pais, quem com elas viva, enfim. Exceptuando as hipocondríacas, bem entendido. Já dos homens se diz o contrário, embora eu tenha sorte com o Manel, que é, até ver, um óptimo doente, inclusive porque recupera quase sempre com uma rapidez estonteante (uma aspirina e fica como novo). Mas, na generalidade, um homem com gripe é uma dor de cabeça para a família inteira, e quem o diz é o nosso Lobo Antunes, que escreveu estes versos deliciosos e muito a propósito:

 

Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes, que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte, nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças,
Tigres sem listras, bodes sem tranças,
Choros de coruja, risos de grilo,
Ai Lurdes, Lurdes, fica comigo.
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes, nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão-de-ló,
Não te levantes, que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes, que vou morrer.