As gotas poéticas de Claucio Ciarlini
Por Elmar Carvalho Em: 21/05/2021, às 10H40
As gotas poéticas de Claucio Ciarlini
Elmar Carvalho
Neste dia 13, quinta-feira, através do programa Chá das 5, da Academia Piauiense de Letras, veiculado pelo Canal Nestante, iniciei uma amizade com o escritor e cronista Carlos Castelo, nascido em Teresina, mas desde criança radicado em São Paulo, graças a uma simpática brincadeira do apresentador Zózimo Tavares, que era coadjuvado pelo acadêmico Dílson Lages Monteiro. Recomendo assistam a essa excelente entrevista, que se encontra disponível no You Tube.
Quando foi ontem, por WhatsApp, recebi um texto de Carlos Castelo sobre haicai, publicado na revista virtual Bravo. Conciso, mas recheado de informações e em linguagem exemplarmente didática. Respondi-lhe que no dia anterior fizera um prefácio para um livro do poeta parnaibano Marciano Gualberto, em que lhe comentei alguns desse tipo de poema, contido nessa obra ainda inédita. Em resposta, ele me afirmou que nossas ideias eram coincidentes.
Do seu elucidativo e sintético artigo acho importante pinçar o seguinte: “A forma poética teve início com Matsuo Bashô, nascido em Osaka, em 1644. Adentrou pela Terra Brasilis através de traduções do francês, feitas por Afrânio Peixoto. E depois espraiou-se por muitos outros haicaistas, que vão de Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Pedro Xisto, Ciro Armando Catta Preta a Paulo Leminski e muitos outros.”
Em seguida, o articulista esclarece que o haicai hoje é tão popular quanto o soneto o foi no século 19. Porém, pergunta se o leitor já ouviu falar em senryu, para explicar que o gênero fora criado por Karai Senryu, no século 17, e que seria “uma forma mais mundana de haicai”.
Tendo ele dito que a nossa concepção sobre essa forma poética convergia, não me acanhei em lhe perguntar: “Poderíamos dizer que o senryu seria um haicai sem rigidez formal e mais aberto para vários temas?” Sua resposta foi afirmativa e sem titubeios. Acrescentei que iria repassar o seu artigo para um escritor e poeta amigo meu, o professor e editor Claucio Ciarlini, que produz os seus haicais.
O Claucio, então, se lembrou que havia me pedido para escrever um comentário para o seu livro em elaboração, titulado “HaiCaos: Poema em quarentena”.
Contudo, tendo em vista que, sendo o haicai um gênero poético de rigidez formal, com versos de métrica certa, contada, e de temática sempre ou quase sempre voltada para a natureza e suas circunstâncias, inclusive a beleza da paisagem, o poeta passou a entender que talvez tenha que modificar o título de seu livro em preparo.
Pedi-lhe não se angustiasse, que ante essa rigidez de forma e fôrma, os poucos haicais que tive a ousadia de cometer, também já não o seriam; seriam senryu, que mais se adaptam a minha personalidade não afeita a “espartilhos” estéticos rigorosos, mas sim a uma mais ampla liberdade criativa. Observados os pressupostos formais do haicai oriental, os de Millôr Fernandes também não se enquadrariam; seriam também senryu.
No site Recanto das Letras, em artigo de Raul Pough, colhi a seguinte informação: “O SENRYU nada mais é do que um Haikai (três versos de 5-7-5, sem rigor absoluto), também sem título e sem rima, mas que em linguagem geralmente coloquial, de conteúdo cômico, humorístico, irônico ou satírico, conceitual ou filosófico, de forma epigramática, trata principalmente do cotidiano da vida, dos sentimentos, hábitos, atos e vicissitudes do homem e da sociedade.” Encerrou seu texto dizendo que o senryu seria um terceto à moda ocidental.
Todavia, ao entendermos que o senryu é uma “forma mais mundana de haicai”, não podemos deixar de compreender que de qualquer maneira não deixa de ser haicai, embora possamos considerar que seja uma variante, uma espécie de mutação. Então, nada demais. Até o famigerado coronavírus tem as suas variantes, sofre as suas mutações, e para o mal, por se tornar mais feroz e mais contagioso, enquanto a modificação do gênero poético oriental entendo tenha sido para o bem, para nos dar mais amplitude e diversidade formal e temática.
Os haicais ou senryu de Claucio Ciarlini não são orientados para uma métrica fixa e nem para obrigatórias rimas, vez que o poeta cultiva a liberdade formal, para alcançar uma mais espaçosa inventividade. Todavia, não quis transformar a sua liberdade em anarquia ou desregramento, porquanto usa com sabedoria e parcimônia as rimas, os ritmos e a concisão, esta sobretudo em virtude dos tamanhos curtos dos versos, que o levam, creio, a uma polimetria, e não a uma ausência total de métrica; porém, não as fui contar.
Por outra parte a sua temática não ficou adstrita aos assuntos costumeiros do haicai ortodoxo. Como não poderia deixar de ser, pelo seu projeto delineado a partir do título, abarca vários problemas e circunstâncias físicas, sociais, políticas e psicológicas, desencadeados por esses sombrios tempos pandêmicos. Vejamos, à guisa de exemplo:
Alguns pastores sem noção
Numa loucura pelo dízimo
Podem dizimar uma nação
* * *
Mergulho em literatura
Aliviando-me a tortura
Até encontrarem a cura
* * *
Como pôde?
Perguntou o capitalista...
Pois pôde!
Acredito sejam esses três poemas acima suficientes para demonstrar a criatividade e a inventividade de Claucio Ciarlini, sobretudo o seu poder de síntese, a sua capacidade em dizer muito com um mínimo de palavras, sem descurar da emoção, da beleza e da sensibilidade.
Invocando o espírito do excelso bardo Manuel Bandeira e evocando a sua verve admirável, diria que os poemas minimalistas do nosso vate, sejam eles chamados de haicais ou de senryu, cometeram “o milagre de colocar o universo em uma gota d’água”.