ELMAR CARVALHO

 

Este ano, por motivo de ordem pessoal, resolvi não viajar. Passei o período carnavalesco em casa, lendo, refletindo e descansando. Conquanto nunca tenha sido propriamente um folião, acho que foi (o deste ano) o melhor carnaval de minha vida. De modo que estou, nesta quarta-feira de Cinzas, repousado, saudável e sem arrependimento financeiro. Sei que muitos, vendo as cinzas frias do carnaval que passou, estarão arrependidos pelos excessos de álcool e de gastos, imersos em letárgica e doentia ressaca, em que o arrependimento tardio lhes devasta o ânimo.

 

Como disse, nunca fui propriamente um amante das folias momescas. Não tinha jogo de pernas nem molejo de cintura, e não gostava de sair pulando e saracoteando pelo salão. Por sinal, nunca gostei das alegrias forçadas e artificiais, motivadas por aglomerações festivas, com essa música gritada, gutural e ensurdecedora de hoje, em que o cantor parece estar a se espremer, com letras degradantes, de duplos sentidos, de trocadilhos grosseiros ou mesmo de escancarado mau-gosto, de forte apelo pornô, quase sempre. Não me enternecem, não me agradam o senso estético e não me fazem melhor, e não lhes vislumbro, ainda que longinquamente, qualquer toque de sublimidade, que deve ter a boa arte. Quase sempre são um apelo ao hedonismo, ao sexo pelo sexo, em que a maior criatividade parece ser chamar a mulher de “cachorra”, quando o cantor lhe pede a “patinha”.

 

Contudo, em minha juventude, fui a alguns bailes de carnaval, mais para estar com os amigos, degustar umas cervejas e aventurar a conquista de alguma namorada. Gostava das marchinhas carnavalescas, que tinham verdadeira música e conteúdo. Por vezes eram letras românticas, que falavam de pierrôs apaixonados, colombinas chorosas, corações dilacerados, jardineira a prantear flores mortas e as tristes cinzas da quarta-feira pós carnaval, em que o arrependimento tomava de conta do ressacado folião; ou quando, cessada a euforia artificial do álcool, da dança, da música e do ócio irresponsável, a depressão batia, ante o retorno à realidade do cotidiano mais trivial.

 

Talvez por causa dessas reflexões, o imenso poeta Manuel Bandeira, em seu retraimento de tímido e tísico, dizia, em seus versos, que uns tomavam cocaína, e ele, que já tomara tristeza, agora tomava alegria. Em outro poema, esse grande bardo alegava que eram tristes essas músicas de carnaval. De fato, como já disse, algumas letras eram repassadas de tristeza e solidão. A solidão de alguém em plena multidão, a tristeza pungente de algum folião a “tomar alegria” em meio ao frenesi da turbulenta folia momesca.

 

Acho que a alegria deve ser construída dentro de nós, no dia a dia, com a ajuda das lições espirituais e da arte, do trabalho e das boas ações, da verdadeira música e da boa literatura, que nos eleva espiritualmente e nos fortalece e aprimora o senso estético. Todavia, para não dizer que não falei de “flores”, mas que somente destilei “fel” no “mel” dos outros, devo dizer que ainda gosto de uma boa marchinha carnavalesca, que admiro, pela televisão, o carnaval de Pernambuco, com a dança alegre e moleca do frevo, com as suas sombrinhas multicoloridas; a arte e magia dos grandes bonecos; a indumentária, as cores, as fitas, a música e a dança popular dos maracatus.

 

E, por fim, a música vibrante dos metais em fervorosos frevos e marchinhas e a alegria descontraída e espontânea dos blocos de rua, em que todos se congraçam sem a necessidade da aquisição de caríssimos abadás e luxuosas fantasias. A alegria e a fantasia devem estar em nós mesmos, em nosso imaginário e em nosso espírito. Evoé, Baco! E boas cinzas, nesta quarta-feira de Cinzas.