As águas contra as terras


Cunha e Silva Filho


                        A mesma cantilena de sempre, sobretudo da parte das autoridades municipais, estaduais e federais. Chega o período das chuvas torrenciais, morrem as pessoas e só depois surgem algumas providências.Porem, isso não basta. É obvio que toda ajuda é bem-vinda, quer dos governos, quer da iniciativa voluntária, das pessoas generosas que muito dão de si em prol do bem comum. 
                       A tragédia brasileira das chuvas fortes do verão implica outras causas, outros motivos, os quais não são vislumbrados com antecedência. Esta é a maior parcela de culpa que atribuo ao governo federal, ao Ministério competente. Nenhuma ação eficaz e séria se toma. As verbas existem mas só vêm em cima da hora, quando a tragédia já aconteceu.O Brasil é um país que tem o péssimo vício do improviso.
                        No ano passado e em outros anos, a tragédia sempre tem sido um acidente anunciado. Não há pois, planejamentos de alta envergadura para essas chuvas, essas inundações que transformam as pequenas, médias e grandes cidades em autênticas Venezas brasileiras, só que inundadas e com correntezas que alargam os rios e invadem as cidades sem clemência, derrubando o que encontra pela frente, causando mortes e transtornos às populações, que perdem seus bens móveis e imóveis e, o que é mais grave, passam a engrossar a fileira enorme de sem-teto. A televisão, nas reportagens in loco, dia a dia, mostram os estragos incalculáveis da fúria das águas. Só há desespero, choros, tristezas.. “O que fazer?”, dizem as as pessoas afetadas, sem esperança alguma, sem saber o que fazer. 
                       Sua desesperança tem o sofrimento atroz da fatalidade que a natureza, indiferente, imprime, principalmente aos deserdados da sorte.A população perde tudo o que acumulou em anos de trabalho árduo, de dinheiro pingado, de sacrifícios mil que, de repente, mais do que de repente, se esvai como uma bolha de sabão.Sofrem o Rio de Janeiro, principalmente no interior e na região serrana, Belo horizonte, o interior de Minas Gerais, sofrem outras cidades brasileiras no Centro-Oeste, no Nordeste. Deslizamentos de terras vindos dos morros. Casas construídas quase nas ribanceiras são as primeiras a viraram pó e lama. O luto se agiganta. Bombeiros, a Defesa Civil, os sobreviventes, todos juntos, arregaçam aas mangas e vão à luta para salvar vidas e bens na medida das possibilidades. As águas não param, os rios sobem, saem das margens, invadem as cidades. Pessoas, em geral mais humildes, sãos as vítimas que mais padecem. Ficam soterradas. O único recurso agora é encontrar os corpos . Um trabalho hercúleo dos bombeiros e de voluntários amigos.
                     Não é só a visita de governadores ao lugar das tragédias que irá melhorar esta angústia coletiva. Lamentar tudo o que ocorreu é muito pouco e inócuo. O que vale mesmo é procurar estratégias que resolvam grande parte desses males, a começar do planejamento urbano, da fiscalização rígida dos espaços que não podem ser construídos. No entanto, as prefeituras não fiscalizam devidamente as ocupações do solo urbano ou interiorano. E as construções, em geral perto do perigo, lá se vão a todo o vapor. Uma atrás da outra, em cima, embaixo, na encosta, no morro, perto da ribanceira, em solo instável e inadequado. Campeia a improvisação, das famílias ávidas de ter uma moradia própria ainda que sob a mira do perigo, das intempéries. E o resultado ano a ano: as tragédias. A ponto de um ministro, que mora certamente em casa confortável e luxuosa, ou apartamento, não sei, afirmar : “Todos os anos vão morrer pessoas em inundações.” “Meu Deus, quanta fatalidade no pensamento do ministro! Sabemos que a engenharia moderna pode reverter grande parte dos males das inundações e das chuvas torrenciais. 
                  Os governos podem fazer muito neste sentido desde que tenham o sentimento de solidariedade para com as populações mais pobres, embora saibamos que a raiz dos problemas vem de dois lados. Primeiro, da falta de planejamento, como já acentuei, da fiscalização das construções, proibindo essas realizações em lugares de risco. Segundo, o problema vem mais de longe, visto que está intimamente ligado às condições alteradas do clima na Terra.Com o aquecimento do planeta, com a evaporação mais e mais intensa e constante, com o aumento de poluidores em escala global, emissão gigantesca e criminosa de CO2 , notadamente pelos países ricos, alguns dos quais não aceitam a diminuição dos agentes poluidores, piorando gradativamente o efeito estufa, não é de se espantar que o nosso planeta desequilibre suas condições climáticas. Antigamente, se falava muito do período das secas no Nordeste, causadora também de outro mal, a indústria da seca, ação predatória de políticos que lucravam eleitoralmente com a manutenção desse estado de coisas, agente realimentador da miséria oficializada do flagelo das secas, tão bem retratado por alguns escritores, à frente Graciliano Ramos (1892-1953), com a obra-prima Vidas Secas (1938).

               Hoje, já se tornou comum no Sul do país surgir as altas temperaturas, dias de seca e perda consequente da lavoura. As periódicas reuniões de cúpula de países ricos, com suas discussões sobre a questões climáticas, ao que me consta, não têm feito muita coisa para resolver os gravíssimos problemas da poluição mundial. Inclusive, países como os Estados Unidos nunca se dispõem a aprovarem as recomendações dos signatários nestas reuniões. As advertências, contudo, dos especialistas não têm sensibilizado algumas nações poluidoras.
             O planeta Terra, através das reações da natureza, estará cada vez mais arriscando as possibilidades de sobrevivências das gerações futuras. Mexer com as geleiras é brincar com fogo. A conclusão que se tem é que as condições meteorológicas perderam seu rumo e o resultado está aí: inundações pelo planeta todo, destruição de populações, perda de bens materiais, desolação e choro em toda a parte, prejuízos enormes para a economia. Tenhamos pena de nosso planeta antes que seja tarde demais e aprendamos a ouvir a linguagem da Natureza e os sinais do tempo.