[Carlos Evandro Martins Eulálio]

“Os primeiros cibernautas compreenderam muito bem que o poder de criar experiências é também   o  poder de redefinir conceitos básicos  como  identidade,  comunidade e realidade.”
                                                                                                           Howard Rheingold

 Na tecnocultura contemporânea, o ciberespaço é visto como o paraíso pós-moderno, sedutor que é, pela virtualização da realidade. Rudiger aponta duas posições igualmente extremistas e dogmáticas com as quais hoje nos deparamos: “ou se é tecnófobo, e não só se refuta o progresso social, quanto também se é um saudosista, contrário ao desenvolvimento tecnológico, ou se é tecnófilo, aberto às mudanças culturais e, por conseguinte, agente direto ou indireto da criação do fantástico mundo novo da tecnologia” (RUDIGER, 2002), que promove a fusão mística entre homem e máquina, seja pela conversão do cérebro em interface de ligação das redes, seja pela sublimação da fusão homem / máquina; vida / tecnologia.
Por essa razão é que a hipermídia permite-nos a re-tradução da informação codificada fora do espaço do espírito e dos sentidos humanos, o que não acontece com os livros que nos fazem interiorizar nossa experiência externa da vida real. De outra forma, os computadores coletam nosso material interno, isto é, nossos processos mentais, e os  transportam para as telas.
Essa operação desconstrói paradigmas tradicionais, uma vez que não reproduz um objeto real, mas virtual, sem referência de ordem exterior, tornando-se por conseguinte auto-referencial. Para Gianfranco Bettettini, “a imagem audiovisual tradicional configura-se como uma simulação de uma visão, enquanto que o que se oferece ao espectador, e que ele tem a impressão de estar vendo pela primeira vez, na realidade já foi visto antes pelo olho da câmera”. (PARENTE, 1993).
A experiência emulada é um exemplo dessas inovações tecnológicas que permitem a produção de imagens de síntese, com características totalmente específicas em relação às imagens obtidas através dos meios audiovisuais tradicionais. A nova  técnica deriva de uma matriz numérica e de procedimentos lógico-matemáticos, projetados em espaço e tempo virtuais. Isso tem possibilitado realizar modelos de objetos, mediante procedimentos simulativos, operados no computador, com a simples finalidade de projeção, ou ainda para construir textos autônomos, isso é, independentes, de resultados práticos imediatos.
A interatividade, entendida como capacidade de o sistema  acolher as necessidades do usuário e satisfazê-lo, é relacionada aos inúmeros ambientes de informação ou interfaces digitais de que a rede dispõe. Tem sido um dos aspectos mais importantes da cultura digital, pois vem  permitindo ao indivíduo realizar uma série de operações que vão muito além de uma simples comunicação telefônica. Através de um celular, por exemplo, entre outros recursos que esse dispositivo nos oferece, podemos transmitir mensagens de texto, participar de chats, enviar e receber  e-mails etc. Essa mais nova maneira de comunicação, distanciada dos desktops e fora do ciberespaço (espaço existente entre o computador e as redes de informação), assinala o surgimento, no início deste século, das primeiras comunidades sem fio. O atual mundo cíbrido é caracterizado pela interconexão de rede on e off line e, por meio de dispositivos portáteis de comunicação, podemos estar conectados à Internet, a todo e em qualquer momento, até mesmo em condições entrópicas, quando então nos envolvemos em mais de uma atividade.  Na visão de Derrik de Kerckhove, “o mundo das interfaces é o reino privilegiado da nova arte, não somente porque ele constitui um ambiente acessível à pesquisa, mas porque representa uma metáfora tecnológica dos sentidos.” (In PARENTE, 1993)
Se através dos sentidos interagimos com o mundo, fato que interessa mais de perto ao artista, é natural que este, por sua vez, se interesse cada vez mais pelas inovações acrescentadas a essas interações, através do novo ambiente tecnológico, que lhe tem permitido atualmente produzir, por exemplo, a arte on line, “que depende da Internet para se realizar, seja ela e-poesia, cinema interativo, hiperdrama, web arte e/ou a categoria que se invente. [...] Faz com que seu autor (ou seus autores) provoque aquilo que qualquer coisa que mereça o atributo de arte provoca: a empatia do sujeito com a obra e não apenas com o mouse. Ou seja: não basta ser um trabalho clicável, tem que ser interativo”. (BEIGUELMAN, 2003). 
A interatividade na arte já foi objeto de discussão por teóricos da literatura, como Umberto Eco, para quem a mensagem artística é fundamentalmente ambígua; nenhuma obra de arte é realmente fechada, pois cada uma delas supõe, em sua materialidade exterior, uma infinidade de leituras. Para Lúcia Leão, no caso específico da hipermídia, a obra em si só se torna obra no momento em que ela é fruída pelo leitor, sendo o caráter interativo elemento constitutivo do processo hipertextual: “À medida que a hipermídia se corporifica na interface entre os nós da rede e as escolhas do leitor, este se transforma em outra personagem” (LEÃO, 2001). Conclui então que na operação interativa o leitor passa a ser um construtor de labirintos, procedendo de uma forma descontínua e multilinear, requerendo de si, em contrapartida, habilidades em navegação.                                                                                                 
                                                                                                   
BIBLIOGRAFIA

BEIGUELMAN, Giselle. Admirável mundo cíbrido. São Paulo: (mímeo) 2003.
BEIGUELMAN, Giselle. Olhos mudos. In www.uol.com.br /tropico/novomundo
BETTETINI, Gianfranco. Semiótica, computação gráfica e textualidade In PARENTE, André. Imagem máquina, Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
COSTA, Rogério da. A cultura digital. São Paulo: Publifolha, 2002.  
ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1976.
JOHNSON, Steven. Cultura da Interface. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2001.
KERCKHOVE, Derrick de. O senso comum, antigo e novo In PARENTE, André. Imagem máquina,  Rio de Janeiro, Ed. 34, 1993.
LEÃO, Lúcia. O labirinto da hipermídia. São Paulo: Ed. Iluminuras Ltda. 2001
RUDIGER, Francisco. Elementos para a crítica da cibercultura. São Paulo: Hacker Editores, 2002.