Imagem: Internet
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[Chagas Botelho] 

Eles começaram a papear pelo número 145. Era o disque amizade da antiga telefônica, TELEPISA S.A. Depois de várias conversas telefônicas, marcaram um encontro na arborizada praça Saraiva, quando ainda não era gradeada, é claro. Ele, jovem trabalhador do Armazém Paraíba, ela, porém, jovem comerciária do Armarinho São Pedro. Durante os dias semanais, poucos se viam, por isso, se utilizavam do orelhão e de muitas fichas para trocarem afetos.

Aos sábados, à noitinha, iam à sorveteria Elefantinho, ali no cruzamento da Lisandro Nogueira com Frei Serafim. Entre um sorvete e outro planejavam o futuro a dois. Diante do Cine Rex, quando foram assistir ao Love Story, noivaram emocionados. Compraram as alianças, depositadas numa caixinha de veludo azul, na ótica Cruz de Ouro, em doze suaves prestações. Casaram-se em maio na igreja da Vermelha sob as bênçãos do padre Carvalho. Ele, o noivo, todo vistoso com um terno preto comprado na casa Juçara. Ela, a noiva, toda deslumbrante metida num vestido branco virginal adquirido na Casa das Linhas.

Revelaram as fotos da grávida no Irineu 's foto. O enxoval do bebê foi comprado na Lóbras em liquidação. O barrigão da segunda gravidez foi registrado no Photo Hollywood. Algumas roupinhas foram herdadas do primeiro filho, outras foram compradas na Babylândia. O tempo passava e a família prosperava. Os dois iam para o trabalho em um carro seminovo — um Passat GTS de cor marrom. Também comprado à prazo na concessionária Pedro Machado.

Agora, com o advento da internet, o nosso par de amantes trocava Zipmail. Ele, às escondidas, entrava no bate-papo da UOL. Lá, mantinha conversas obscenas. Usava o codinome de Antero Flores. Já ela, publicava fotos dela, do marido e dos filhos no Fotolog. Dizia que a família era o seu maior bem. Recheava seu Orkut com imagens de momentos felizes junto aos seus. Digitava com letras maiúsculas, para quem quisesse ler, Scraps amorosos do tipo: “eles são o meu tudo”.

Marido e esposa se realizavam em comunidades virtuais. Mas aí, com a chegada do Facebook e Instagram vieram as chateações, sobretudo as desconfianças. Ela não tinha a senha de acesso do celular dele e vice-versa. Sabiam das postagens de cada um através de terceiros. Um dia, furiosa, ligou para ele via Skype e lhe exigia explicações de publicações insinuantes direcionadas a certa fulana. Ele, por sua vez, escreveu um “textão” pedindo-lhe mais respeito e o encaminhou para seu Gmail. Era o princípio das desavenças.

Pelo WhatsApp viviam às turras em mensagens de escrita e de áudio. Procuravam no Youtube canais que tratavam sobre divórcios sem traumas. Pelo Telegram anunciaram aos filhos, a inevitável separação. Pediram que eles amenizassem o conflito conjugal assistindo a filmes na Netflix ou que ouvissem músicas no Spotify, apesar das “crianças” já serem adultas e bem resolvidas.

Depois de tantas bodas celebradas, de uma vida inteira de cumplicidade, agora, os felizes cônjuges de outrora iriam dormir em Redes separadas, digo, em camas separadas. Escreveram no Twitter, com pouquíssimos caracteres, a parentes, amigos e admiradores o fim do casamento. A insustentável dissolução matrimonial daqueles dois foi bastante lamentada. A partir de então, caminhariam desencontrados. E realmente caminharam.