A POÉTICA DE DA COSTA E SILVA: UMA SÍNTESE DE  TEMAS E FORMAS

CUNHA E SILVA FILHO

Preliminares

            No início  dos anos de 1990, me decidi a estudar, através de um Projeto de Mestrado submetido e  aprovado  pela  Faculdade de Letras da U.F.R.J, a obra  poética de Da Costa e Silva (1885-1950), poeta considerado,  até hoje, como a maior  expressão, do  ponto de vista de seu    valor canônico, em todos os tempos,   no campo  da poesia de autores  piauienses, dado que teve,    na sua  época,  larga repercussão  fora do  Piauí.  Seu  nome  completo  é Antônio Francisco  da Costa e Silva.

                  O poeta nasceu na cidade   de Amarante, caracterizada   como um recanto lírico, à beira  do rio Parnaíba, conhecido como  o Velho Monge, antonomásia   criada,   em  célebre   soneto  dacostiano,  de título “Saudade” sobre  o qual, mais adiante, me reportarei.

      Vista do alto da sua famosa   escadaria, a cidade descortina, de perto ou de longe, uma paisagem pitoresca, deslumbrante,   reunindo casario,   serras   e vales, paisagem  na qual, nas noites frias  de junho, se pode  ouvir  o piar contínuo  de um  pássaro,  o caburé,  “...as folhas  lívidas cantado/  A saudade   imortal de um sol de   estio.” (do soneto  “Saudade,” do livro  Sangue,p. 75. A edição  que estou  usando nesta síntese  é a 4 ed.de Poesias  completas,  nova edição revista,  ampliada e anotada  por  Alberto da Costa e Silva Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,  2000).  Cumpre   acentuar que essa paisagem,   na sua totalidade,  atravessa os limites de Amarante  e alcança   também a natureza  exuberante do lado da cidade   maranhense,   chamada São Francisco. A par disso, a beleza de Amarante valeu ao vate   um belíssimo  soneto  homólogo, “Amarante,”  extraído  do seu  segundo livro,  Zodíaco (1917).

   Da Costa e Silva formou-se em  Direito  pela célebre Faculdade do Recife. Foi um  poeta  também artista de trabalhos de escultura em madeira, feitos com  a mão  habilidosa do  poeta   a ponto de ser  chamado  de “santeiro,”   porquanto esculpia imagens para as capelas e santuários de Amarante durante  o período de festejos  religiosos. Era um  menino  precoce, frágil e tímido, segundo   nos relata o maior conhecedor de sua obra, o filho Alberto da Costa e Silva,  poeta, ensaísta,   embaixador e africanólogo de renome.

   A  poesia dacostiana  se posiciona  literariamente  num período de transição de sincretismos de estilos de  época diferentes: Simbolismo,  Parnasianismo e, no caso de Da Costa e Silva,  eu diria que nele se evidenciam  inegavelmente alguns traços românticos, abeirando-se – o que é de muita  relevância para a obra do  poeta -  até  para  sinalizações de duas  outras vertentes: o Modernismo  e o Concretismo.

   Manuel  Bandeira (1886-1968) o faria   com maior  amplitude  visto que sobreviveu  a Da Costa e Silva,  que adoecera   e  não mais publicaria poemas. O  que  ainda é mais  significativo  e  potencial  à sua  poética,  para  o Concretismo de  56,  mormente  quando   identificamos   poemas   nos quais o espaço  gráfico  da disposição  dos  poemas  nos   lembra  o  citado  Concretismo de 1956. Por conseguinte,  conforme  assinalei  acima,   o  “Poeta  da Saudade”  ficou  impossibilitado de  dar continuidade  a essas tendências  vanguardistas   e precoces.  

      Alfredo Bosi (1936-2021), provavelmente   por carecer de maior  familiaridade de um  pesquisador  que se debruçasse sobre leituras mais densas do  vate amarantino,   não  soube   descortinar   essas tendências em Da Costa e Silva e até  cometeu   um engano  na  classificação da produção   mais recente dos  poemas deixados  pelo  poeta, ao rotulá-lo  como Neoparnasiano (Ver BOSI,Alfredo. História concisa da literatura   brasileira.  38 ed. São Paulo: Cultrix,  2001, p.286.).

  Poder-se-ia, diante as características de seu estro, classificá-lo como  um  poeta  heterodoxo, ou melhor,   um  poeta  eclético com  evidentes  traços de experimentalista somente   identificado  nos grandes  verse-makers. Essa foi a conclusão a que cheguei  no desenvolvimento de  minha  dissertação de Mestrado.

  As gerações mais novas e  mesmo  especialistas, salvo   um  ou  outro, de literatura  brasileira de   outras  regiões do país, e aqui considerando  o meu   período do Mestrado, em geral desconheciam completamente Da Costa e Silva.

   Entretanto,  no auge de sua  atividade poética, ele alcançou alta repercussão  nacional desde a sua estreia com  o livro  Sangue (1908). Na  época em que  foi  lançado, houve até  um leitor que quebrou  a vidraça de uma livraria a fim de conseguir um exemplar dessa obra  de estreia, segundo  novamente relata  Alberto da Costa e Silva.

Os temas dacostianos.

    A antonomásia “O poeta da Saudade,” tão largamente  empregada para designar a pessoa de Da Costa e Silva, sintetiza exemplarmente o tema mais caro  na escrita  poética do   vate, tema  tão  conspícuo  na  sua obra   que praticamente, ou senão completamente, a percorreu explícita  ou  implicitamente.  Por conseguinte, no meu juízo,   não seria um truísmo ou um mero lugar-comum tomar-se a saudade como  tema repisado ou despiciendo, ao contrário  do que  pretende  insinuar  um  dos analistas da  poesia  dacostiana.

  É possível rastrear,  na  produção deixada pelo  autor, as múltiplas vezes em que este tema surge de uma maneira  ou de outra, nos livros  legados   por ele desde a sua estreia, segundo  já frisei  antes,  em  1908, com o primeiro  livro, Sangue até aproximadamente  o conjunto  de  poemas   reunidos  no livro Alhambra. O pesquisador criterioso encontrará, em situações descritivas, narrativas ou por alusões  implícitas  ou  não,  o tema da saudade. Daí a razão pela qual reitero ser esse tópico o que mais  singularizou o sentido global do universo poético dacostianao. Portanto, por ser  potencialmente a vertente  mais  explorada  do seu estro, me animei a  pesquisar  exaustivamente  o tema da saudade. 

  Porém, ao lado desse  tema  potencial  no conjunto de sua  obra,   o poeta  se distinguiu, com rara  habilidade  pela heterogeneidade  temático-formal   e mais ainda  com  evidentes   características  de cunho   experimentalista. Urge  explicitar  que   a sua  força  poética, ao tematizar  a saudade,  não  o  fez  empobrecer na composição  de outras  obras,   na quais  demonstrou  novamente  a sua  versatilidade  e diversidade   de temas.

  Por conseguinte,  não  houve um rebaixamento  na qualidade do  ato criativo  e sobretudo   do  alto  nível  estilístico   de seus versos, fato    que redundaria em  obras  posteriores  como  Zodíaco (1917),  de resto, já citado linhas  atrás, Verhaeren (1917), Pandora (1919)  e Alhambra (1950), este  último  foi organizado pelo  também  já citado filho do poeta, Alberto da Costa e Silva. 

   Sintetizando  ao máximo  esta exposição acerca da temática  do poeta, diria  que, ao longo  do  seu percurso produtivo, em Sangue desentranharíamos,   a partir do poema  inicial ou introdutório,  uma espécie  de  profissão de fé ilustrada   pelo  poema  “Cântico do Sangue.” Salvo um ou outro  poema daquela  obra, pode-se delimitar um provável   projeto poético dacostiano no tocante à sua obra geral, abreviada precocemente em termos de  continuidade criativa pela doença  que acometeu  o  poeta  falecido aos sessenta e cinco anos (1950), sendo que, desde 1934,  não mais escreveria  poema algum, excetuando  a organização  que ele  próprio fez de uma Antologia naquele ano  e já se encontrando enfermo. Quer dizer,  aos quarenta e nove anos,  o poeta silenciou  a sua voz de grande lírico da poesia brasileira.

    Tematicamente,  Zodíaco é uma obra na qual a Natureza, em todo os seus aspectos  e matizes, assume um  protagonismo de grande monta  se o  configurarmos  como  um  livro de grande atualidade dadas as  implicações relacionadas à ecologia e a práticas  atuais  de  crimes  contra o meio ambiente, sobretudo  dos desmatamentos   na Amazônia.

     Ler  projetivamente  essa  obra  não deixa de ser   uma tentativa de uma leitura  onde prevalece  laivos  evidentes  de profetismo ou vaticino, constituindo,  para a época  em que  foi editado,  1917,  uma  preocupação e um modo lúcido e reprovador  de  o  poeta  se indignar  contra  a destruição  do meio-ambiente,  vegetal animal ou  mineral, i.e.,    um  problema  que se agravaria  assustadoramente  no  Brasil de nossos dias.

   Por exemplo,  tudo o que compõe a flora e a fauna da paisagem   florestal   compõe um cenário  que, ao ver  do poeta,  deve ser   preservado  e jamais    presa  de destruição   provocadora da deterioração  do nosso ecossistema e,  por metonímia,  isso valeria  para  uma  discussão  de uma  questão  irrecusável,  em dimensão   universal,  que a consciência  das nações  jamais  poderia deixar  de debater   e procurar  dar-lhe   soluções  urgentes,em razão  da abrangência do tema  para  a continuidade da sobrevivência   do  planeta Terra. Vejam-se, em Zodíaco,   os poemas   que dizem  respeito ao cerne da questão ecológica:  “A queimada” (p.151-153),  A  derrubada” (p.154-156).

    É indiscutível  o respeito  e a admiração  manifestados  por da Costa e Silva  no  que tange a  todos os poemas   de   Zodíaco.  Toda essa obra se destina  à exaltação   e aos brados indignados  do poeta  contra a selvageria  perpetrada  pelo   homem  iníquo contra  a Natureza   primitiva, bela  e fecunda. Vejam-se, abaixo,  esses breves versos  extraídos de “A derrubada,”    lembrando, mutatis mutandi,   o poema  de  George P. More (1802-1864), “The woodcutter, spare  the tree:”

                      E a máter-Natureza, amargurada

                     Dos espaços chora  sobre a derrubada

    Em Pandora, Da Costa e Silva demonstra, outra vez, uma  virada diferente, de livro  para livro, sem prejuízo do seu  projeto    poético. Desta vez,  observa-se  uma vertente retroativa histórico-literário-estilística. Por ser organicamente um autor  eclético,   intelectualmente  inquieto   quanto  à sua  variabilidade  de temas e com  uma predisposição inata às formas   poéticas de viés experimentalista,  seja seguindo a tradição  canônica  de sua   época, seja enveredando  por   temas  bem remotos vinculados à Grécia Antiga   e à sua mitologia e, por conseguinte,  à reconstrução,  reitero, fora do eixo de sua temporalidade, é que  o conduziu  com sucesso  à composição  de Pandora.

      Nessa obra, temas caros  à sua poesia, como o amor,  incluindo o materno,  vida e morte, assim como  poemas  repletos, segundo me referi  acima, de alusões à mitologia   helênica, a começar  do  próprio  título  do livro, Pandora, divindade grega, cujo sentido é   “àquela que detém   todos os dons.”  (Ver  o verbete  “Pandora”  do livro  Dicionário  da mitologia  greco-romana publicada  pela Abril  Cultural  2 ed. , 1976,  p. 143). Convém  observar que  exemplo típico   dessa referência à figura de  Pandora  se encontra no poema   final da obra  “Canto  Simbólico” (p. 235), identificado nos quatro  versos   de um   poema de sete estrofes.

                   [...]

Como Pandora,  incauta,   irrefletida

O arcano   do meu se,  mudo e profundo,

Desvenda e exibe   revelando ao mundo

Todos os dons que recebi da vida.

    É curioso  destacar  que, em Pandora,   se reúnem ainda os famosos  poemas à maneira dos cancioneiros medievais  e os de sabor clássico camoniano. Refiro-me aos  “Palimpsestos” e aos “Vilancetes” e ainda a um soneto grafematicamente excêntrico, um trabalho genial de experimentalismo  composicional, bem  evidente  nos seus pressupostos  espácio-visuais,  como  ocorreria  com as vanguardas   opostas  ao  verso   tradicional, romântico  simbolista e parnasiano, e sobretudo com  o movimentos concretista de 1956. Aludo ao soneto “A margem  de um pergaminho” (p.240).

     Com  o livro  posterior  a  Pandora, cujo título é  Verônica, me deparo com  outra clave variante da  poética dacostiana: o devotamento ao tema  do amor platônico como também outra tipo de sentimento   amoroso, ou seja,  não  platônico, dedicada  à primeira  esposa   do  poeta,  de nome Alice, nome que  o poeta daria a um das  filhas  do seu  segundo casamento. O tema amoroso começa   na segunda parte do livro denominada “Imagens do amor e da morte.”

      Por outro lado,   a primeira  parte, convém  não esquecer, do livro   se compõe de poemas de teor  filosófico, já  definido também  pelo   crítico literário  e ensaísta   José Guilherme  Merquior (1941-1991)  numa conferência sobre  o  poeta,   de   título  “Indicações para o estudo   da obra de Da Costa e Silva (apud Poesias completas, op. cit., p.37-45) proferida, em 1984,   em Teresina    e por ocasião do   centenário   de nascimento  de Da Costa e Silva.  O crítico  fala de “musa filosófica,” como também  fala de “musa  moral”  ou “ética.”(Op. cit,  p. 42)

      Essa  é uma das dimensões   em que  o  poeta    lida com  a condição  humana,  o destino, a tristeza,   o mistério  da vida,   “a incerteza da vida”, a morte,  o tempo,   até mesmo  a  ironia, muito  presente no    penúltimo  poema  de Verônica, de título  “Adeus à vida,” (p.274), cujo primeiro quarteto  do soneto cito  abaixo:

            É, então , isso a vida: nau perdida.

            Sem bússola e sem  leme, aos temporais?          

            A flórea escarpa, de íngreme subida,

            Da montanha dos riscos e dos ais? 

            

            E então isso a vida: a flor colhida

            Sobre abismos  ocultos e fatais?

            A quimera da Terra Prometida,

            No êxodo eterno  para o Nunca-Mais?

           É, então, isso a vida: o sonho  obscuro

           Dos Ícaros,  Jasões e Prometeus,

           Perdidos na celagem d futuro?

           É, então,  isso a vida: __ Vida, adeus!

          Não  é esse o caminho que procuro...

          Mas seja tudo  por amor de Deus.

        Retomando    as anotações  já expendidas  incialmente   linhas acima,   é preciso ter em conta, no tocante à segunda parte, a questão  amorosa,  na qual subsiste   o eixo central   dos temas  no  poeta, consubstanciado  no   lexema   “saudade” funcionando   como   macro-tema,  portanto,  da  sua  poética como um todo. O saudosismo   dacostinao é um dado  imanente  à sua  poética. Daí que,  em  Da Costa e Silva,   o sujeito  lírico  se confunde  com  a dimensão   muito   forte  nele  da memória  afetiva, subjetiva,   visceralmente  subjetiva e biográfica,   muito  particularmente   nos  poemas   de evocação elegíaca, motivada   pela  morte de Alice, sua musa inspiradora.

    Por  conseguinte,  é nessa  segunda parte de Verônica que se vai  encontrar toda a multiplicidade  girando  em torno  da temática amorosa, do sentimento saudosista   a que já me referi,  enfim, todas   as linhas de  força  do seu lirismo evocativo, lirismo este  definido  por Emil Staiger (1908-1987) como sendo de  fundo romântico, graças  à espontaneidade e ao viés autobiográfico e que vai funcionar,  no conjunto dos  poemas  dessa  parte,  como   quatro forças-motrizes:  

O amor à sua  amada Alice;

O amor materno;

O amor ao rio Parnaíba;      

 O amor à terra  natal;

O amor à Natureza, como  componente  basilar de seu estro.

     Como se pode   depreender,   o sentimento  da saudade é puramente  lírico, e  lírico também por ser  um  poeta   que produziu  versos  de estilos   literários  diferentes  e  em  fase  de transição da lírica brasileira: Simbolismo Parnasianismo e Modernismo. Aspecto  bem  lembrado, de resto,  pelo  grande crítico Fausto Cunha (1924-2004). Lirismo   puro    porque   não dimana de  distanciamentos abstratos, mas por ser   radical  na sua interioridade. Lirismo   ainda por ter  motivos  românticos em vituude da sua natureza  memorialística,  evocatória e altamente subjetivista  em  muitos  poemas,  notadamente nos  alusivos  à terra natal e,  como bem recorda  José Guilherme  Merquior,     por suas  vinculações  neo-simbolistas.(Op.cit, p.41)

   Veja-se  que,  na abertura  de Verônica, o autor faz questão de dedicar  uma epigrafe à sua  musa  Alice, além de uma outra referência epigráfica: uma carta de Heloísa a  Abelardo, duas figuras  históricas profundamente  conexionadas  com  o sentimento  de grandeza do amor. Esse lirismo  aí evidente  equivaleria ao que o erudito Karl  Vossler (1872-1949) denomina de “pequena  poetização.” Portanto,  saudade e lirismo,  no vate  piauiense,   se funde  harmoniosamente e é onipresente  e  inarredável de sua  poética.

A linguagem em Da Costa e Silva

   Da Costa e Silva se destaca  como  um  poeta  virtuoso e altamente  multifacetado no tocante   aos aspectos  estilísticos, sintáticos,  semânticos da sua dicção  esmerada  e em virtude de seu domínio  incomum   de  escrever  poesia, aspectos  que, em parte,   já foram  brilhantemente   analisados pelo crítico,  ensaísta,   poeta e tradutor   de poesia   Oswaldino Marques (1916-2003)  no ensaio “Espelho do mundo refrações,”(apud Poesias  completas de Da Costa e Silva. p.15-35)  publicado,  junto com  o belo ensaio de José Guilherme Merquior, ”Indicações  para um estudo da obra de Da Costa e Silva” (Apud Poesias completas de Da Costa e Silva, op. cit.p. 37-45

      A visão de ambos neste sentido   de investigação  percuciente de bases estilísticas, já foi, aliás,  sintetizada  por mim  na  minha  dissertação  de Mestrado defendida em  1994, na UFRJ e, posteriormente   editada, em 1996,  pela  Universidade Federal  do Piauiense  em convênio com a  Academia Piauiense de Letras (APL).

    Todavia,  em trabalhos  posteriores que escrevi sobre o vate  e, mesmo  na minha  dissertação,  eu já havia  tecido  algumas  considerações de natureza   estilística, porém  me aprofundando   em novos acréscimos de pesquisas sobre o autor. No que  diz respeito  ao lado  experimentalista do seu estro, procurei  ângulos  menos explorados  em três  ensaios: 1) “A função da epígrafes em  Da Costa  e Silva”; 2) “Da Costa e Silva:  “Do cânone ao modernismo; “   3) Um  olhar atual  para o Centenário de Sangue (1908).

  Nesses três estudos, julguei ter avançado nas minhas  pesquisas e até,  por isso,  pretendo, se possível,    adicioná-los a uma nova   edição do meu  ensaio   em livro. Os três trabalhos, mais uma  vez,   põem em evidência o  nível  elevado  e ainda  pouco  conhecido  do que  representou  Da Costa e Silva  como autor  de  relevo no quadro geral da história da poesia brasileira dos anos de  1908 até aproximadamente  os anos de 1934,  considerando  a circunstância de que o  poeta,  segundo   já  acentuei  anteriormente,  em  1934,   já doente,   conseguiu  reunir   sua     Antologia,  graças  ao contínuo e profícuo  desvelo  demonstrado  pelo  filho  Alberto da Costa e Silva.  Entretanto,  recorda  José Guilherme Merquior, no seu citado  estudo,    que Da Costa e Silva   produziu   poemas  durante a Belle  Époque brasileira,  período cultural que, segundo ele, “... só  termina em  1930.”

    Na verdade. Lembra ainda  Merquior que  Da Costa e Silva  só teve  20 anos  de  produção  poética,   ou seja,     de 1908 a 1927, ano da  publicação  de Verônica. Um vasto  espaço de tempo  improdutivo teria  inegavelmente agravado  o esquecimento do poeta. No referido ensaio, conclui  Merquior,  argumentando   que, se não fosse  pelos cuidados e amor  filial    de Alberto da Costa  e Silva, que editou  as Poesias Completas    de Da Costa e Silva, edição  O Cruzeiro,  em  1950, o vate amarantino   estaria ainda mais esquecido das novas gerações.

    Conforme   já ponderei alhures,   Da Costa e Silva se  mostrou,  logo de início, como   uma  voz  poética  potencializada,   vibrante, versátil, original e  aberta  a tentativas  de  não se estagnar  nunca,  o que, de fato    aconteceu graças às  suas habilidades de conhecedor   profundo  do verso em  língua  portuguesa,   ao seu   manejo  e técnicas,   sobretudo   no domínio  da musicalidade,  ritmos,  riqueza   vocabular,   erudição, domínio de línguas   no  original, conhecimento das literaturas clássicas,   dele fazendo um  excelso  verse-maker.

   Senhor de uma  poética inquieta,   dinâmica e marcadamente atualizada para o seu tempo, de tal sorte que, do  ponto de vista  historiográfico,   laborou  em erro  palmar, a historiadora  Lucina  Steggano-Picchia, na  sua apreciada  História   da literatura  brasileira, ao  incluir Da Costa e Silva  como um  poeta  menor. Erro, na realidade,   deplorável por revelar, da parte dela,  pouca  familiaridade  com  a obra  de  Da Costa  e Silva.  

    Por  outro lado,  ensaístas   eminentes  do passado e do presente,  ainda os mais novos,   felizmente  souberam  se  pronunciar  favoráveis ao real  valor  estético  do  poeta. Citaremos, entre outros mais novos, José Guilherme Merquior, Pedro  Lyra (1945-2017)  e Carlos Nejar na sua História da literatura brasileira – da carta de Pero Vaz de Caminha à contemporaneidade (Rio de Janeiro:  Relume Dumará:Copersul:Telos, 2007, p.136-137)

  Os erros e omissões de historiadores  literários  são frequentes,  a meu ver, por  desconhecimento, ausência de leituras suficientes  para   avaliarem  imparcialmente  alguns   poetas  nacionais  ou estrangeiros, ou emitirem  juízos de  valor deformados   por outras   razões quaisquer.

No que tange ao  que se  poderia  chamar de projeto literário da produção  legada   por Da Costa e Silva, se verifica  que ele era um  artífice do verso que não se afastou,   tanto  quanto lhe foi  possível,  das mudanças que desejava  imprimir  à sua  poesia, i.e., do que  provavelmente  tinha em vista   concretizar. Em  outras  palavras, o  vate  tinha  plena consciência  de que  não  iria permanecer  estático  e repetitivo artisticamente, notadamente no tocante aos seus pressupostos estético-composicionais que,   no meu  juízo,  iriam desaguar (caso não fosse  impedido, ainda moço, de escrever  outras  obras)  em formas renovadoras do seu  fazer  poético, como  aconteceria  com, por exemplo, Manuel Bandeira, o qual passaria  do verso de corte   tradicional, parnasiano, simbolista, por vezes romântico,  para  aderir, em seguida,  por completo, ao Modernismo.

   Lembro   o leitor daquela declaração  de Da Costa e Silva sintomaticamente elucidadora de alcançar novas  maneiras de  poetar. Aludo ao que  dissera Judas Isgorogota(1901-1979) sobre essa declaração numa  enquete sobre o   poeta realizada em São Paulo, publicada em  A gazeta, 1950).  Nela o poeta,  cuja voz fora   interrompida   pelo silêncio   do destino, tratando  do momento  literário de então, reafirmava  com  o espírito aberto  às novidades  no  campo da criação  literária,  o seguinte: “Na  arte como na vida, só há renovação.” (grifo meu)

   Atente-se, ademais,  que Da Costa e Silva, ao final da enquete, ainda declarara algo de  sua  importância,   o que reitera a premissa de que ele tinha essa consciência  de que  as  obras  já escritas  necessitariam  de uma  nova guinada,  um  nova  fase   de   outras realizações no campo da poesia nas quais  um das linhas de força  seria, sem dúvida,  uma adesão à atualização  de sua  própria  poesia: ”Os livros anunciados perdem a atualidade. Trabalho agora em Jangada (não me roubem o título), poema  livre e selvagem, aprendido com mestre Amazonas.”(grifos meus)

     Ora, em resumo, à vista do que expus linhas atrás, chega-se à  comprovação de que Da Costa e Silva esteve sempre  coerente com  o que ia  produzindo. A par disso,   o seu decantado  experimentalismo, ou mesmo algumas  estratégias estilísticas desse  poeta  já indiciam  o seu apego,  ou melhor,  sua tendência  inata em direção a formas prematuras de escrever seus  poemas,  tendo em  consideração,  consoante em   estudos   sobre o autor, vestígios  ou marcas   evidentes  voltados  para a  renovação,  para a mudança de dicção,  o que o tornaria  um  poeta  moderno e desejoso de contribuir mercê de  sua  conhecida  versatilidade grafemática, como  é exemplo  magnífico  a construção   inusitada   e originalíssima  do poema   “Pero Vaz de Caminha,” ou em alguns  poemas  enfeixados  no livro  póstumo Alhambra,  organizado pelo  filho,  Alberto da Costa e Silva.

   Merquior, se reportando e se apoiando em Ezra Pound (1885-1972),  traz à baila no seu    ensaio as  três categorias do “fenômeno  poético”  formuldas  por Pound, logopeia,  melopeia e fanopeia,  afirmou  que  Da Costa  e Silva  era um  poeta   muito visual,  i.e.,    se enquadrando,  portanto,  na classificação  da fanopeia  além de que,  com  igual  intensidade,    foi um  poeta extremamente musical, portanto,  um prato cheio  para  análises   do domínio da estilística  fônica, portanto seria  um  poeta que também  usou a melopeia.Na categioia  fanopeia , diria mais,  mais,  por ser  muito   convincente nas descrições de um  imagismo   concreto, realista em quadros vivos da paisagem em geral,    da flora e da fauna brasileiras, o que levou Merquior, no citado  ensaio,  a falar de “presentificação” das  imagens(Apud Poesias completas de Da Costa e Silva.   Op.cit., p.) A meu ver,  penso até que  essa  inclinação  para descrições  concretas de Da Costa e Silva,   fortemente visuais,  estaria ligada ao talento  dacostinano, desde menino,   para a  escultura, arte profundamente  plástica,  táctil, marmórea.  

  Da mesma   forma,  valeria  reiterar os seus  dotes  de  poeta cujos recursos de linguagem lhe  ensejariam   poema  fora  do seu  tempo  cronológico,  já  referido  neste  breve  estudo. Inclusive,  numa análise comparativa, em se tratando  de   escrever    poemas    “inatuais,”  poder-se-ia citar   igualmente  o solitário  José  Albano (1882-1923)  que   poetizou   à maneira clássica  de forma  brilhante,  pois  temperamentalmente era um  poeta   que voluntariamente  se dissociou  dos estilos de sua  época  para  mergulhar   fundo  no espaço e tempo  do Classicismo  luso.

  Na minha análise,   já mencionada, de título  “Da Costa e Silva: do cânone ao Modernismo”  constatei   a influência de Da Costa e Silva  em Manuel Bandeira, de resto, já apontada pelo crítico  Pedro Lyra. Trata-se  dos poemas  “Refrão do  trem  noturno” ( do livro Alhambra, ) e do poema  “Trem de ferro “( do livro Estrela da  manhã, de Manuel Bandeira). Vejam-se os dois versos seguintes comparados   aos de Bandeira  e note  igualmente o ritmo e a cadência do refrão dacostiano  ressonando  no de Bandeira:

                          Em Da Costa e Silva:

                           Muita força  pouca  terra

                          Muita força,  pouca terra

                         

                         

                          Em Bandeira:

                           Café com  pão

                           Café com  pão

                              [...]

                          Muita força

                          Muita força

                            [...]

                           Pouca  gente,

                           Pouca gente

                          Pouca gente...

 Para  concluir essas breves notas, me permita o leitor fazer  uma auto-citação do meu  mencionado  ensaio no que concerne à comparação  entre  Da Costa e Silva e Manuel Bandeira: "É na semântica do tema que Bandeira  se revela como  um  poeta modernista, ao passo que  é no  exercício da visualidade,  fisicidade ou materialidade textuais que   Da Costa e Silva se mostra afinado com a modernidade."