Coelho Rodrigues, então jovem professor da Faculdade de Direito do Recife.
Coelho Rodrigues, então jovem professor da Faculdade de Direito do Recife.

Reginaldo Miranda[1]

 

Portador de sólida cultura jurídica e de vasta experiência política, Antônio Coelho Rodrigues foi um dos mais importantes juristas do Brasil, sendo autor de um dos anteprojetos que precederam o Código Civil de 1916.

Nascido na fazenda Boqueirão, então município de Oeiras, hoje de Picos, a 4 de abril de 1846. Era filho de Manoel Coelho Rodrigues e dona Ana Joaquina de Sousa, sendo bisneto por duas linhas de Valério Coelho Rodrigues, o primeiro do apelido chegado ao Piauí, onde fundou diversas fazendas.

Consta que foi batizado em 15 de agosto do mesmo ano de seu nascimento, na capela de N. Sra. dos Remédios de Picos, estranhamente apenas com o nome da família materna, Antônio de Sousa Martins. Porém, mais tarde, em decorrência de contrariedades familiares, corrigiu esse equívoco, assinando exclusivamente com o nome paterno, como manda uma velha tradição portuguesa.

De inteligência invulgar, iniciou as primeiras letras com a genitora e aos seis anos de idade já sabia ler, escrever e efetuava operações aritméticas. Foi então mandado para estudar na fazenda Paulista, hoje cidade de Paulistana, com um primo o padre Joaquim Damasceno Rodrigues, onde permaneceu até 1859, aprofundando os estudos de língua portuguesa e aritmética e imiscuindo-se nos de francês, latim e filosofia.

Então, com esse cabedal de conhecimento foi para o Recife em princípio de 1860, aos 14 anos de idade, a fim de cursar os preparatórios, que os concluiu com êxito, ingressando na Faculdade de Direito, no ano de 1862. Desde então, passou a conviver num ambiente de cultura e saber, participando dos embates e debates filosóficos, dos quais soube tirar proveito, sendo ao final do curso aprovado com nota máxima. Recebeu o diploma de bacharel em direito em novembro de 1866, aos 20 de idade, sendo escolhido por seus colegas orador da turma, o que demonstra a distinção em que o tinham. E não era uma turma qualquer, ali pontificavam os piauienses Eliseu de Sousa Martins, seu primo, e Segismundo Antônio Gonçalves, além de José Maria da Silva Paranhos Júnior, futuro Barão do Rio Branco, Joaquim Pontes de Miranda, avô do notável civilista Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, dentre outros.

Retorna ao Piauí em dezembro de 1866, logo depois da formatura, fixando residência em Teresina, nova capital do Piauí, fundada pelo presidente José Antônio Saraiva, onde inicia intensa atividade na advocacia, na política e na imprensa. Filiou -se ao Partido Conservador, que era então liderado por seu parente Dr. Simplício de Sousa Mendes, conceituado médico da capital piauiense. Conta Monsenhor Chaves, que duas horas depois de ter chegado a Teresina, já estava na sala do júri defendendo um réu. E houve-se com brilhantismo, de forma a encantar a sociedade piauiense e iniciar a sua fama de grande advogado. Em 1867, passou a dirigir o jornal do partido, denominado A Moderação, cujo nome mudou para O Piauhy.

Era monarquista, “monarquista moderado”, no dizer de Wilson de Andrade Brandão, defendendo o imperador sem intransigência, no interesse do partido. “Essa posição agrada, sobretudo porque assumida por um moço inteligente, que utiliza o jornalismo sério e a oratória fluente na peleja constante das grandes causas. Os conservadores, velhos e novos, têm-no, desde logo, como intérprete e mentor. Abre-se, assim, o caminho de uma longa e acidentada vida pública”[2].

Seu batismo na vida pública deu-se em 1867, quando disputou uma cadeira na assembleia provincial, obtendo a primeira suplência. Embora pudesse ser aproveitado porque outro candidato era inelegível, não foi o que aconteceu. Mandava na nação um gabinete liberal. Por essa razão, durante uma reforma no ensino deixou-se de criar uma cadeira de Filosofia no Liceu Piauiense, apenas para não dar a ele a oportunidade de candidatar-se e vir a ocupá-la.

Diante dessas adversidades, retirou-se para o Recife em julho de 1868, onde deveria aprofundar os estudos e candidatar-se a uma cadeira na Faculdade de Direito. Porém, durante a longa viagem o Partido Conservador ascendeu ao poder com o Ministério de Itaboraí, fazendo com que mudasse de ideias e fosse entender-se com as lideranças no Rio de Janeiro. Em outubro do mesmo ano está de volta a Teresina, tendo o seu nome indicado para as eleições da Assembleia Geral Legislativa. Embora divergindo de algumas posições assumidas pelo partido, sagrou-se vitorioso para a legislatura de 1869-1870. Antes, porém do início do mandato, assumiu o cargo de promotor público de Jaicós.

Depois de cumprido o mandato, retorna ao Recife onde defendeu tese de doutorado, sendo aprovado plenamente em 7 de maio de 1870, tornando-se, assim, o primeiro doutor em borlas e capelos no Brasil.

Embora conservador, era abolicionista, tendo iniciado a campanha na província com a divulgação de artigos, criação de caixas beneficentes e realização de solenidades de divulgação das ideias e mesmo libertação de escravos. Em 1.º de novembro de 1870, funda em Teresina, a Sociedade Manumissora, com a finalidade de apoiar a abolição.

No ano seguinte candidata-se à cátedra de Direito Civil da Faculdade de Direito do Recife, competindo com os Drs. José Joaquim Tavares Belford e Graciliano de Paula Batista, obtendo o primeiro lugar por nove contra dois, sendo nomeado professor substituto por decreto de 23 de maio de 1871, onde lecionou nas cátedras de Direito Civil, Romano e Internacional. Nesse período, enfrentou vários embates intelectuais, onde pôde demonstrar suas ideias filosóficas. Em março de 1873, integrando banca examinadora à defesa de tese de Sílvio Romero colocou-se em confronto com os positivistas ligados a Tobias Barreto, atraindo a ira dos mesmos. Mais tarde, lecionaria Economia Política na Escola Politécnica do Rio de Janeiro.

No campo político, ainda foi eleito deputado provincial para a legislatura iniciada em 1874 e deputado geral no pleito travado em 1878, sendo sucessivamente reeleito até 1886, destacando-se sempre no debate parlamentar pela oratória fluente, conhecimento jurídico e pelo alto debate das ideias. Nessa qualidade, em 1881, emite parecer sobre o projeto de Felício dos Santos de um novo Código Civil. É importante ressaltar que, embora o Partido Conservador possuísse diversas lideranças de cunho regional foi Coelho Rodrigues quem assumiu a liderança maior do Partido, representando-o na Corte do Império, no que rivalizava com o Marquês de Paranaguá, que representava igual papel entre os liberais, sendo eles as duas mais expressivas lideranças piauienses em plano nacional ao final do Império.

Era conselheiro do império e portador da comenda da Imperial Ordem de Cristo.

Cidadão pragmático, com a proclamação da República aderiu ao novo regime em famoso Manifesto aos Piauienses.

Em 1891, elegeu-se senador da República, na vaga aberta com a morte de Teodoro Pacheco, permanecendo até 1896, tendo a oportunidade de ocupar como membro a importante Comissão de Constituição e Justiça. No exercício desse mandato ofertou ao Senado um projeto do Código Civil, que foi rejeitado pelo governo Floriano Peixoto, mas despertou calorosos debates, colocando-o em evidência política. Foi, também, responsável pela redação da lei que instituiu o casamento civil (Dec. N.º 181, de 24 de janeiro de 1890), inclusive, admitindo a possibilidade de divórcio sem dissolver o vínculo conjugal, mas permitindo a separação indefinida dos corpos e a cessação do regime de bens (art. 88). Foi esta, em muito tempo, a alteração mais significativa implementada no direito civil brasileiro, um avanço para a época, em alguns pontos obstado pelo Código Civil de 1916, projetado por Clóvis Beviláqua. Esse fato insere Coelho Rodrigues como um dos mais destacados reformadores do direito civil brasileiro, inclusive causando impactos sociais e políticos, a exemplo da Revolta de Canudos, liderada pelo beato Antônio Conselheiro, que se propunha, entre outros fatores, a combater o casamento civil. Conforme disse o notável jurista Pontes de Miranda: “O Código Civil brasileiro, pelo que deve a Clóvis Beviláqua, é uma codificação para as Faculdades de Direito, mais do que para a vida. O que nele vai morder (digamos) a realidade vem de Teixeira de Freitas, ou de Coelho Rodrigues”[3].

Por fim, em 1900 é indicado pelo presidente Campos Sales para exercer o cargo de prefeito do Distrito Federal, sendo empossado em 1.º de fevereiro e exonerado, a pedido, em 6 de setembro do mesmo ano, em face de desentendimentos com o ministro da fazenda, Joaquim Murtinho. É que enfrentou problemas financeiros, tendo de tomar medidas restritivas, sendo pressionado pelo povo e imprensa, sem o necessário apoio da área econômica federal.

Conforme se disse, o ponto culminante de sua vida pública foi a elaboração do seu Projeto de Código Civil. É que em 1.º de setembro de 1890, fora nomeado pelo então ministro da Justiça, Campos Sales, para, no prazo de três anos, elaborar um projeto de Código Civil Brasileiro. Então, para distanciar-se do debate nacional e ter mais tempo para executar o seu trabalho, fixa residência na Suíça, onde conclui o seu projeto em 11 de janeiro de 1893, apresentando-o ao governo em 23 de setembro do mesmo ano. Todavia, depois de apreciado por uma comissão especial, o projeto foi recusado pelo relator, negando-se o ministro da Justiça, Felisberto Firmo de Oliveira Freire a enviá-lo ao Congresso. Coelho Rodrigues, então, protestou veementemente, defendendo a sua obra.

Na qualidade de senador da República, apresentou-o ao Senado, onde suscitou calorosos debates, sendo afinal acatado em 1896, como base para o Código Civil Brasileiro. Porém, o projeto não teve a mesma recepção quando foi enviado para a Câmara dos Deputados, sendo praticamente abandonado, sem o necessário andamento.

Mais tarde, quando Clóvis Beviláqua foi indicado para elaborar o projeto que resultou, de fato, no Código Civil de 1916, ainda foi cogitado que servisse de base o Projeto Coelho Rodrigues. Todavia, embora reconhecesse a qualidade do projeto, Beviláqua recusou em face de conflito político entre os dois juristas.

O Projeto Coelho Rodrigues, de nítida influência alemã, foi bastante elogiado em face de sua sistematização, trazendo uma Parte Geral e uma Parte Especial. Todavia, também recebeu muitas críticas em razão de, segundo os detratores, privilegiar o direito estrangeiro em prejuízo da tradição nacional. Esqueciam eles, porém, de que o jurista piauiense trazia importantes inovações, sobretudo no direito de família.

De toda sorte, seja pelo projeto de Código Civil, seja pela obra publicada, pelo debate parlamentar ou pelos artigos de imprensa, Coelho Rodrigues demonstrou ser portador de vasta cultura jurídica e geral, transitando com desenvoltura desde a filosofia, a ciência política, às mais variadas áreas do direito, tais como civil, romano, internacional e diversas outras. Traduziu do latim para o português, as Institutas, do imperador Justiniano (1878). Também, publicou Manual do súbdito fiel (1884), este sob pseudônimo, onde vai expressar sua insatisfação em relação às políticas desenvolvidas pelo Gabinete liberal, e A República na América do Sul (1906).

Em 9 de janeiro de 1873, Antônio Coelho Rodrigues convolou núpcias com Alsina de Caldas da Silveira Lins, com quem teve doze filhos, entre esses o ex-deputado Helvécio Coelho Rodrigues.

Faleceu Antônio Coelho Rodrigues em 1.º de abril de 1912, na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde, quando retornava de uma viagem a Zurique. Deixou um nome aureolado e uma substanciosa obra jurídica.

 

 


[1] REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. E-mail: [email protected]

[2] BRANDÃO, Wilson de Andrade. Contribuição de Coelho Rodrigues ad Direito Civil Brasileiro. Teresina: 1998.

[3] MIRANDA, Pontes de. Fontes e evolução do direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Pimenta de Mello, 1928.