Cunha e Silva Filho


             Nesta mais recente crônica, não desejo empregar os adjetivos “derradeira” ou “última.” O português, às vezes, nos constrange, nos amedronta e nos põe em situação de ambiguidade com tons de superstição ao falarmos de alguma coisa que fizemos por último. Bom faz o inglês que recorre à expressão “the latest”( “o mais recente”) ao invés de “the last” (“o último”) e, assim, evita o assombro, o imprevisto, o não desejado,  o definitivo.
       "Pois é”. Esta expressão, que coloco aspeada, dá nome a um livro recentemente publicado – não o li ainda - pelo grande tradutor húngaro, naturalizado brasileiro, Paulo Rónai (1907-1992). O título do livro foi tirado do nome de um sítio no estado do Rio de Janeiro, onde o escritor, poliglota privilegiado, crítico literário, revisor, ensaísta e internacionalmente premiado tradutor, professor exímio de latim e francês no Colégio Pedro II, autor didático, morou nos últimos anos de sua brilhante vida
          É com este título que imprimirei o tom a estas linhas de fim de ano, de um ano conturbado nos mais variados sentidos, notadamente no campo político, na questão da violência combinada com a corrupção do petrolão e seus tristes e vergonhosos desdobramentos.
          Pois é. O saldo do ano que nos resta em dois dias, em muitos setores, não foi nada alvissareiro e tudo perfeitamente cronometrado para liberar a caixa de Pandora logo após as eleições, quando o fato estava consumado e a governante (ou será governanta? É melhor perguntar ao Marcos Bagno que sabe de modernidades linguísiticas e de oralidades urbanas) certa e ancha estava de que tudo novamente se achava em suas mãos, inclusive a segunda rodada do cargo máximo da Nação. Da minha parte, assim o desejo, que aquela caixa, por exceção, pelo menos para os próximos anos, liberte a esperança que, segundo a mitologia grega, no seu fundo infelizmente ficara.
       Pois é. Vieram, contra a nossa vontade de povo,   as notícias transmitidas pela mídia múltipla e ubíqua: aumento de gasolina, de impostos, inflação em subida, violência, impunidades pétreas. Até cabe aqui o “esquartejamento” – termo usado pela Venina da Petrobrás. “Esquartejamento”, de resto, me lembra a figura sacrificada de Tiradentes.
     Falou-se também dos aumentos dos grupos dos altos poderes, aumentos auto-concedidos e proclamados. E ainda os chefes das finanças nos vêm com essa conversa mole de que os gastos foram grandes e, portanto, há a conveniência de aumentar os juros, os impostos, os preços de tudo, numa reação em cadeia. Os americanos, que tinham investimentos junto à Petrobrás, se queixam de que, com os rombos gigantescos nas contas de propinas e subornos esquadrinhadas pelos órgãos competentes do Estado, tiveram prejuízos e, por esta razão, vão processar a Petrobrás para ressarci-los com o peso da lei. É bem possível que o façam porque americanos nasceram no epicentro do capitalismo e não abrirão mão de seus revenues.
      Pois é. O ano de 2015 nem acabou e já contamos essa série de notícias desagradáveis. Porém, não pense que tudo foi malfeito e mal administrado.Veja, por exemplo, há muitas repartições federais, órgãos do governo nos quais a tecnologia está avançada e as coisas funcionam bem. Por exemplo, o serviço dos Correios. A Polícia Federal, entre outros.
     O cerne dos males do governo federal é a politicagem, os conluios, os apadrinhamentos, o “toma lá dá cá.” O jogo do poder a qualquer preço, inclusive com a coexistência da corrupção ainda reinante e endêmica.
Se o governo quiser realmente receber o apoio do eleitor, das pessoas esclarecidas, ele terá que efetuar uma mudança radical: mostrar que vai cortar seus gastos, quer pessoais, quer do conjunto das instituições públicas. Quer dizer, o governo federal deve dar o exemplo no seu próprio seio, na escolha de homens corretos, competentes nos setores cujas pastas irão ocupar, indivíduos comprometidos com o bem do povo e do país.
     O segundo mandato de D. Dilma não poderia ter um número gigantesco de ministérios que só darão gastos aos cofres do Estado, ou azo para cabides de empregos de apadrinhados ou de natureza oligárquica.
Não é justo que aumentos astronômicos sejam concedidos aos altos escalões federais se o governo não der aumento também ao funcionalismo em geral. Tal injustiça cria indignação no seio do próprio funcionalismo e prejudica o desempenho desejável da parte dele. Ao conceder aumentos a quem já ganha altos salários, o governo se torna elitista e se iguala àquelas nações discricionárias, nas quais há uma ostensiva divisão de privilegiados e de explorados. Diferenças entre salários tem que haver por razões de responsabilidade de cargos e de competências, mas não a ponto de se tornarem descabidas e provocarem a rebeldia do povo contra os que detêm o comando do governo.
     Que, em 2015 D. Dilma possa repensar em profundidade os grandes erros cometidos em seu governo e a passagem simbólica do ano e do novo mandato seja o momento inadiável de melhorar o Brasil livrando-o da feia imagem que seu governo construiu aos olhos do mundo mais democrático, civilizado e justo.