(*) Dílson Lages Monteiro

 

       Manuel Antônio de Almeida escreveu que “o sorriso não é todo do mundo externo; metade do que ele é fica conosco, nossa alma guarda essa segunda parte de que os outros não tomam posse”(1). Freud, em seu livro Os chistes e sua relação com o inconsciente, explica o que para Almeida é intuição. O pensamento do pai da psicanálise está resumido nas palavras da psicóloga paulista Araceli Martins(2): na interpretação de Freud, o humor abre “uma brecha na censura social e exprime um pensamento que não poderia ser vinculado de maneira direta, pois provocaria reação imediata de quem é alvo do ridículo e, mesmo, também, porque essa liberação direta de opinião iria resultar numa constatação puramente irada e sem graça, apesar de verdadeira (o julgamento aqui seria apenas uma denúncia, que poderia provocar adesões e consentimento, mas não o riso)”.

       De fato, o riso (leia-se também o humor) traz em si componentes inconscientes  e depende, para se descortinar - quando não se manifesta como humor ingênuo, ou seja, quando produzido intencionalmente – de estratégias de produção e leitura próprias do gênero. São exatamente algumas marcas lingüísticas dele o motivo destas linhas.

       Sírio Possenti, professor de lingüística do Instituto de estudos da Linguagem da Unicamp, há alguns anos pesquisa sobre o assunto. O resultado de suas incursões pode ser lido em Os humores da língua – análises lingüísticas de piadas, publicado em 1998, pela editora Mercado de Letras. No livro, o pesquisador agrupa ensaios escritos entre 1988 e 1996. Intentando descrever os mecanismos lingüísticos geradores do humor, passeia por muitas nuances do assunto, enfatizando, porém, as técnicas e aspectos  determinantes  da leitura desse gênero. E, ao fazê-lo, acredita que as piadas “podem testar teorias sobre a linguagem, com destaque para certas questões estruturais e de leitura, e sobre o sujeito, especialmente em relação a como os sujeitos humanos se caracterizam por serem capazes de certas manobras, apesar da pressão de numerosas instâncias para que se assujeitem cegamente a suas regras e restrições.”(3)

      Para Possenti, interessam principalmente os aspectos lingüísticos envolvidos no humor; como funcionam as piadas. As questões fisiológicas, psicológicas e sociológicas são postas de lado, porque importa ao autor explicar o “como” e não o “porquê” do humor. Para justificar esse caminho, ele recorre a Freud, argumentando que, para este, o “chiste consiste fundamentalmente numa certa técnica, na forma, e não num conteúdo ou num sentido”.(4)

      Possenti argumenta que os elementos utilizados para alcançar o humor são os mais distintos. E chama a atenção para que se observe na leitura e produção do chiste a exigência de se acionar um mecanismo, quer sintático, morfológico ou de outra natureza, a fim de encaminhar a ambigüidade a um sentido único. Na leitura dessa manifestação lingüística, a saber, a cada passo, “o leitor é obrigado a deixar de lado interpretações possíveis, por serem incongruentes em relação ao restante do texto”, uma vez que, no texto humorístico, “há um enunciado potencialmente ambíguo que se desambigua em seguida, impondo ao leitor uma interpretação única”.(4)

      Os ensaios de Os humores da língua também convencem que estudar piadas pode resultar em bastante prazer, porque elas são extremamente sedutoras. Qual a gênese dessa sedução? Ela se justifica, segundo o autor, pelos seguintes fatores: “Só há piadas sobre temas socialmente controversos; piadas operam fortemente com estereótipos (porque veiculam visão simplificada dos problemas ou tornam-se mais facilmente compreensíveis); as piadas são quase sempre veículo de um discurso proibido, subterrâneo, não-oficial, que não se manifestaria, talvez, através de outras formas de coletas de dados”.(5)

      Realmente, como afirmou Manuel Antônio de Almeida, o riso não se origina unicamente pela expressão de uma exterioridade. O encantamento e a expressividade dele nascem, sobremaneira, conforme a já citada estudiosa Araceli Martins, “do fato de liberar a tensão acumulada pela percepção de ações e opiniões que não poderiam passar sem ser rebatidos”. Afinal, o riso é a manifestação de “fatos percebidos que ficam à espera de uma oportunidade para serem julgados e castigados pelos ditos ferinos”.

       Quem quiser tirar a provar é ler Os humores da língua – análises lingüística de piadas, de Sírio Possenti.

      

        (*) Dílson Lages Monteiro é professor, poeta e editor de Entre-textos.