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ANA RAQUEL ILUSTRADORA

 

Uma das ilustradoras da obra Poeminhas pescados numa fala de João (2001), de Manoel de Barros e de grande importância para a ilustração brasileira é Ana Raquel. A autora mineira ilustra livros infantis há três décadas, com aproximadamente cento e trinta obras publicadas, muitas com premiações relevantes. Da autora, recomendo A volta ao mundo em 80 dias (2008), de Júlio Verne, O ex-mágico da taberna minhota (2004), de Murilo Rubião, A bordadeira de histórias (2002), de Ana Raquel e Rogério Andrade Barbosa, Bicho que te quero livre (2002), de Elias José, A estrela do viaduto (1992), de Laís Ribeiro, Lua cheia amarela (2005) Pêra, uva ou maçã? (2005), ambos de Roseana Murray, dentre outras.

Para Ana Raquel, ilustrar é fabricar histórias com imagens. Em um de seus depoimentos integrados na obra de Ieda Oliveira (2008), ela assevera que a ilustração se trata de um trabalho de arte e questiona a qualidade do livro ilustrado:

 

O que é uma boa ilustração? Procurei palavras tipo lápis, pincel, tinta e papel para ilustrar este conceito. Não foi possível. Pincel ou lápis e tinta são substantivos e concretos. Penso que ilustrar requer abstração, desafio, observação... Poesia quase sempre é uma dose bem servida de preconceito. (RAQUEL, 2008, p.165).

 

Analisando a citação e outros dados sobre a autora, posso dizer que ela se liberta do trivial e do óbvio da tradução do texto literário, priorizando a subjetividade acoplada ao abstrato da arte. Na obra Pelos jardins de boboli: para ler livros ilustrados para crianças e jovens (2008), Rui de Oliveira assegura que fugir do texto não significa transgressão. É justamente o que defende Ana Raquel numa entrevista a “Feira do Livro”[1]:

 

 Sempre achei importante fugir do óbvio. O texto e a ilustração não podem dizer a mesma coisa. Se o texto diz o menino de sapato amarelo você não pode desenhar um menino de sapato amarelo. É preciso explorar os elementos de outra maneira, fazer uma página bem marcada por essa cor, por exemplo. A ilustração deve trazer coisas que o texto não traz para aumentar a viagem do leitor (RAQUEL, 2010 p.1).

 

Há uma grande preocupação quase unânime de ilustradores a respeito do trabalho imaginário do leitor e com aspectos da beleza e seu conjunto de caracteres que devem proporcionar o desejo de recriação da história contada pelo autor do texto, além do encantamento visual que um texto ilustrado deve oferecer. Dentro dessas características, certifico que das ilustrações de Ana Raquel que tive acesso, o colorido exuberante, o brilho e jogo de imagens fantásticas se constituem como projeto de arte, a exemplo de O ex-mágico da taberna minhota. Neste conto fantástico, Ana Raquel usou a técnica da pintura surrealista, mesclando seus desenhos e colagens de fotografias. Semiótica e visualmente o leitor tem o signo da linguagem não-verbal, sucedendo a narrativa do mágico insatisfeito com a condição de funcionário público (Ver a ilustração da página 7,  de O ex-mágico da taberna minhota).

A ilustração de Ana Raquel tem um caráter singular na pintura. Basta abrir esta obra e compará-la ao trabalho que a artista faz para a obra de Manoel de Barros. O brilho, a cor, o tom, a textura e o jogo desses elementos provam que Raquel funda seu estilo no que tange à exuberância e ao jogo com colagens. Ao discorrer sobre esta obra, ela convida o leitor a adivinhar até onde as imagens são ilustração e onde são colagens de fotos.

 A narrativa da ilustração do mágico inicia-se com a epígrafe dos Salmos 85, unindo-se ao poder inusitado do inconsciente do mágico e para traduzir as surpresas, a autora, além de optar pela cor forte do rosa, cria outros objetos que saem da cartola do mágico e estão fora do texto (Ver a ilustração das páginas 20 e 21, de O ex-mágico da taberna minhota).

Aliado aos desejos do fazer surgir do mágico, a artista traz à tona o projeto de um funcionário público convergindo-se com a narrativa fantástica do mágico. E o recurso na tradução do texto é a transposição do signo pintura pela colagem de figuras e fotografias. Nas imagens, o apreciador de arte encontra o armário peculiar de uma sala de escritório, os carimbos que vão se juntando às tintas espalhadas ao chão e tudo passa a ser um jogo para traduzir o real do texto e o surreal, além dos pedaços de endereço eletrônico no papel. Todavia, a realidade poética da imagem, produzida pelas mãos fabulosas de Ana Raquel, projeta o leitor para um instante do real da própria imagem e não o querer dizer do texto, pois a narrativa se passa em 1930, momento em que ainda não havia o recurso de e-mail. Daí a criatividade e invenção da artista para trazer o texto mais próximo da realidade e da contemporaneidade. (Ver ilustração da página 29, de O ex-mágico da taberna minhota).

Da mesma autora são as ilustrações de A volta ao mundo em 80 dias. Ana Raquel consegue prender o leitor no encantamento visual, atualizando o texto publicado por Júlio Verne em 1873. A narrativa inglesa se refere ao enredo do cavalheiro inglês Phileas Fogg e sua vida de isolamento, solidão, fantasia e aventuras, a partir do instante em que o cavalheiro ganha a aposta e decide dar a volta ao mundo em 80 dias. Ana Raquel embeleza a magia da história escrita por Júlio Verne e os temas da viagem e da fuga marcam-se pelo símbolo da navegação, os quais são associados ao mapa para transmitir essa trajetória no globo terrestre, além de outros recursos de transportes que o observador pode conferir nas páginas de A volta ao mundo em 80 dias. Nas ilustrações referidas, entendo que a volta é assinalada por Ana Raquel com pinceladas de sentimentos e cores em tom de azul celeste que simboliza o universo e ao mesmo tempo a aventura e outras representações. Pode-se dizer que Ana Raquel não abre mão do azul. Em quase todas as obras, tal cor se constitui como uma escolha e/ ou estilo peculiar, sempre no mesmo tom, mas nunca em mesma medida e igualdade. A artista comprova que a magia da cor traduz sentimentos.

 Se eu eleger vinte livros ilustrados por Ana Raquel com a mesma cor e tom, nenhum será repetitivo, visto que ela consegue pincelar o mesmo azul em múltiplas iluminações. E essa afirmação também serve para a tradução da artista para a obra Poeminhas pescados numa fala de João que não divulgo, a fim de preservar o caráter original e inédito de meu trabalho de tese em andamento. Encerro minhas concisas palavras, asseverando que Ana Raquel é muito mais que uma ilustradora importante para a literatura infanto-juvenil. Diria meu amigo Manoel: “Ela tem cacoete para poeta”, pois sua alma de mágico é capaz de transportar o leitor para além da magia e fantasia da cor e da palavra “poesia”, um voo fora da asa da imaginação.

 

                                                                                           Por Rosidelma Fraga – 21/08/2012

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[1] Matéria do Jornal do Comércio sobre a entrevista de Ana Raquel na Feira do livro (2010). Disponível em: <http://jcrs.uol.com.br/site/especial.php?codn=45743>. Acesso em: Jan, 2012.