Muitos diziam que eles já haviam nascido amigos e continuaram assim, contrariando o senso comum, pois se tratava de um homem e uma mulher, ao longo da vida. Crianças, e mesmo adolescentes, seguiram juntos, estudando nas mesmas escolas, às vezes, comungando idênticas diversões. Ele, um desportista dedicado; ela, sua torcedora fiel. Nunca namoraram um ao outro, mas os namorados de ambos, geralmente, os dela, amigos das dele. A dicotômica personalidade e a quase antagônica natureza de caráter, complementava-os. Ela, desde cedo, mostrara-se uma pessoa desprendida, leal e servidora, que se satisfazia com o que lhe era disponibilizado; não costumava reclamar, mas não tolerava crítica, ainda que familiar ou de amigos, se as considerasse tentativa de querer mudar-lhe o jeito de ser. Zelosa de suas obrigações, das escolares aos afazeres sociais e, mais tarde, também com os deveres profissionais. Ele sempre fora um sujeito familiar, porém, não caseiro. Aceitava bem as críticas dos parentes, mas não a dos amigos ou de pessoas mais distantes, as quais, não raro, logo, logo desconsiderava, ainda que, depois, descobrisse que não deveriam ter sido ignoradas. Estudante criterioso, contudo, facilmente influenciável pelas tendências econômicas do momento; tanto que, até se decidir por uma específica graduação, começou e não terminou diversas outras; e, nem assim, a que concluiu foi a que abraçou, profissionalmente. Politicamente inversos os dois amigos. Ela não se ressentia em desprover ou negar à família aquilo de que um conhecido, amigo seu ou de alguém amiga pudesse estar precisando; daí a razão de ser muito mais admirada entre amigos, colegas e companheiros do que, verdadeiramente, no meio da parentada. Ele, não, somente atendia ou provia a outros que não familiares e amigos íntimos, depois de locupletar-se e de suprir, primeiramente, parentes; talvez por isso, contrariamente à sua velha amiga, fosse adorado pela parentalha e havido por egoísta perante muitos estranhos àquela. Sem que a amiga pedisse, mas como entendia a dedicação dela - mais que aos íntimos, a terceiros - atributo de sua personalidade benemérita, não raro atendia aos parentes dela como se fossem seus. Ela entendia essas providências da parte dele como simpáticas e graciosas gentilezas. Ao que tudo indicava, ele também, haja vista, jamais, em relação a essas questões, ter feito qualquer exigência como contrapartida. Fato é que a família dela o endeusava, o que o fazia sentir-se figura importante. Não soava estranho, na verdade, era algo natural para ela, deixar de cuidar dos próprios interesses para atender e ajudar o amigo naquilo em que estivesse tendo muito trabalho. Ela casou primeiro do que ele, que, por sua vez, teve vários casamentos. Ambos tiveram filhos: de três lindíssimas garotas veio a ser mãe; ele, pai de dois meninos. Interessante é que os filhos de ambos não levaram adiante a mesma amizade dos pais, mas também nada fizeram para prejudicá-la. Entre um casamento e outro, ele se meteu em política partidária, elegendo-se a um cargo parlamentar. Ela, enquanto pôde, ajudou-o no que foi possível. A ajuda minguou quando ele decidiu retribuir-lhe, financeiramente, pelos serviços prestados, dando-lhe uma função remunerada. Nem a justificativa de que fazia o mesmo com gente da própria família e amigos mais chegados, a convencera. Como não queria perdê-la, resolveu dar-lhe opção de encomendar um projeto, criar ou gerir algo que julgasse importante e útil. A princípio, ainda relutou, mas entendeu que o amigo estava certo, e aceitou. E assim nascia a instituição social e filantrópica com que sempre sonhara. Como ele não mudara suas convicções de político demagogo e nepotista incorrigível, depois de dois ou três mandatos, não mais conseguiu reeleger-se. Chegou a sugerir que ela, querida que era por tantos, tentasse uma vaga no parlamento. Declinou da sugestão. O tempo passava e a organização conduzida pela amiga seguia exitosa. Feliz por ela, deve ter concluído que essa fora sua melhor ação política. A amizade continuou firme. Ninguém para confirmar isto, mas, certamente, tantas vezes deve ter ele se mostrado arrependido de haver preferido pensar e agir em benefício de sua família e amigos raros, a trabalhar em prol da sociedade que o acolhia, ajudando a todos. Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal ([email protected]