Cuidado ao fazer um pedido: ele pode ser atendido...

Miguel Carqueija


    Aconteceu naquele domingo em que Simplício resolveu arrumar os trastes que lotavam o sótão. Eram muitos objetos empoeirados, enferrujados e atirados para tudo quanto é lado, atravancando o lugar. Simplício queria se livrar de muitas coisas, e foi separando velhas revistas e outras velharias que não mais lhe interessavam, acumulando tudo a um canto. Foi quando deparou com a garrafa sinuosa e cor-de-rosa, no meio de outros objetos que haviam pertencido ao seu avô, um homem misterioso que passara muitos anos em terras do Oriente Médio.
    Simplício retirou a tampa da garrafa, para ver se havia alguma coisa dentro dela, e teve um grande susto ao presenciar a saída de uma névoa rosada e luminosa; ele largou a garrafa, que caiu ao chão sem quebrar, pois não era de vidro; a névoa então, ainda saindo pelo gargalo, configurou uma figura humana flutuante no ar, com turbante e roupas árabes.
    — Salve, Amo! — disse a figura. — Eu sou o gênio desta garrafa. Acho que dormi por uns cinquenta anos... pouca coisa dessa vez. Quais são os seus desejos?
    — Desejos? Você disse desejos? — falou Simplício, todo trêmulo.
    — Ah, sim, alguns dos nossos amos não conhecem previamente as regras. Você tem direito a três pedidos e nem um a mais. Tudo o que estiver ao meu alcance eu lhe darei, mas pense bem no que vai me pedir. O meu último amo foi bem esperto, pediu essa casa, um bom emprego e um carro...
    “Então foi assim que o vovô conseguiu... mas isso é muito pouco para pedir a um gênio.”
    E Simplício pensou na sua dureza, nas dívidas, na pouca sorte com as mulheres...
    — Está bem! Vamos ao primeiro pedido, então! Eu quero um tapete mágico voador, que só obedeça ao meu comando, que eu possa chamar de volta se me roubarem...
    — Concedido! Quer uma demonstração? Não conta como desejo.
    E num instante estavam os dois, e mais a garrafa, sobrevoando celeremente o Rio de Janeiro... e Simplício, que até então vivera uma vida absolutamente medíocre, começou a ficar super-excitado:
    — Bem vamos ao segundo desejo! Eu quero um caldeirão cheio de gemas preciosas, barras de ouro e diamantes! Tudo meu, com certificado e tudo!
    — Concedido! — o gênio estalou os dedos e o caldeirão com as jóias se materializou no meio do tapete.
    — E agora, Amo? Qual o seu último desejo? Pense bem!
    — Pensar? Para que pensar? Eu quero mulher na minha vida! Uma porção delas! Gênio, eu quero dez odaliscas jovens e bonitas, muito carinhosas, todas para mim!
    — Pois não, Amo! Aqui estão elas! Depois não diga que não lhe avisei!
    Ele estalou os dedos e as garotas apareceram. Simplício olhou em volta, extasiado, maravilhado... um instante antes de perceber que estavam caindo vertiginosamente.
    — Ei, que está acontecendo? Gênio, estabilize esse tapete!
    Em meio aos gritos histéricos das mulheres, a voz do gênio soou forte aos ouvidos de Simplício:
    — Lamento, Amo. O senhor esqueceu de verificar a capacidade do tapete. E não posso ajudá-lo, pois o senhor já externou e obteve todos os seus desejos. Agora se me permite eu vou me retirar com a minha garrafa, e ficar à espera de outro amo... Não se preocupe com as odaliscas, elas só existem para o senhor, com a queda elas vão desaparecer...
    — Mas e eu? E eu?
    — O senhor? Lamento ter de lembrá-lo que o senhor é um mortal comum, de carne e osso, e está caindo da altura de trezentos metros. Adeus!