Álvaro Lins: além do Impressionismo crítico***
Por Cunha e Silva Filho Em: 09/11/2014, às 11H36
A denominação atribuída por Tristão de Athayde à crítica de Álvaro Lins de “humanismo crítico,” assim como de outros críticos a ele semelhantes, implica um entendimento mais profundo do que a militância de Lins significa em termos de abordagem do fenômeno literário .Em outras palavras, o alcance da visão de Lins sobre a obra literária não se cinge apenas a uma compreensão dessa arte por paradigmas conceituais de cunho subjetivista ou da importância que o crítico dava ao estudo da personalidade literária, do autor e do próprio crítico, este na condição de agente mediador privilegiado para atingir, tanto quanto possível, o cerne da obra em exame.
Se Lins, desde o início de sua atividade crítica não dispensava a relevância dos componentes do estilo, da forma, conceitos, de resto, que por vezes nele se misturavam e se tornavam confusos, segundo anotou Adélia Bolle, ensaísta tantas vezes aqui citada mercê do instigante trabalho que escreveu sobre a crítica de Lins, já podemos neste ponto deduzir o interesse teórico dele de valorizar a dimensão estética e, portanto, estrutural, como fator decisivo na verificação da qualidade ou da fraqueza de uma obra.
Aqui podemos falar daquela harmonia que o crítico trazia à discussão teórica, na qual os conceito de estilo, forma, unidade, este último depreendido seguramente do pensamento aristotélico da Poética, bem podem acenar para uma crítica de natureza estética e não só biográfica, sociológica, psicológica e historicista.
A trajetória crítica de Lins é infensa ao imobilismo teórico. Ela atua num ritmo dinâmico, ou seja atento às possibilidades de que o crítico pode lançar mão na interpretação e julgamento de uma obra, ou segundo vemos nas palavras do crítico:
(...) Ela [a crítica] tem duas faces: a interpretação e o julgamento, Interpretação deve-se entender como a sua fonte criadora, como a força poética que existe em todas as atividades literárias. : é a compreensão, é a penetração, é a análise, é a reconstituição, é a revelação, é o senso psicológico, é o poder sugestivo, é o jogo e o debate das ideias.A faculdade crítica mais necessária, para esta descoberta de alma e ideias, é a intuição. Para o julgamento, ao contrário, a faculdade dominante será a razão[1].
Não obstante ser tachado de Impressionista - reconhecemos -, de ser nítida a linha de, na essência, manter-se no paradigma subjetivista, sua crítica não é fechada a novas leituras que lhe viessem enriquecer o background cultural no terreno teórico no decorrer da vida. Ou seja, se a marca do Impressionismo lhe era evidente, é também verdade que se mostrava ativo com o que já estava se modificando no campo do pensamento crítico universal (e no seu conhecimento de novos autores que despontavam na alta literatura ocidental) autores que ainda eram pouco conhecidos e mesmo desconhecidos no Brasil e é o próprio Lins que se incumbe de relacionar alguns deles:
A crítica científica, dogmática, didática - esta se encontra sempre falida, desacreditada, A crítica como uma aventura da personalidade, como uma arte, como um gênero literário de criação – eis como concebemos o nosso ofício. Não é uma concepção pessoal e tem para sustentá-la e autorizá-la a obra de grandes críticos modernos, as obras de André Gide, de Charles de Bos, de Gabriel Marcel, de André Rousseau, de Benjamin Crémieux, de Ramón Fernandez e também dos mais novos, de um Jean-Pierre Maxence, de um Thiers Maulnier. E ainda as obras críticas de grandes poetas como Paul Valéry e Paul Claudel.[2]
Essa tácita recusa de Lins a cultivar um mero Impressionismo é que seguramente o conduziu a estar atento e atualizado para a época em que viveu e por isso não lhe foram estranhas ao conhecimento as leituras de outros autores-chave do pensamento crítico avançado independentemente de posições crítico-ideológicas, como Croce, Matthew Arnold, Ezra Pound, T. S.Eliot, Lukács, Auerbach, David Daiches, Alfonso Reyes, E. Falci, R.M Albérès, Cesare Pavese, Richard Mckeon, Stanley Edgar Hyman, este ultimo autor da obra Armed vision, segundo Lins “uma espécie de bíblia para os mais fechados e exaltados ortodoxos do “new-criticism.”[3] E, para completar, um recuo necessário a um reforço teórico, na tradição da grande crítica, em autores como Coleridge, Aristóteles, Platão, entre outros.
Basta dizer que, ao eleger Marcel Proust como autor de uma tese de concurso ao Colégio Pedro II, Lins já dava sinais evidentes do que de melhor existia no Ocidente como matéria de pesquisa de alta complexidade, como é resultado o seu ensaio A técnica do romance de Marcel Proust (1951). A bibliografia estrangeira e nacional que consta no final desse estudo reafirma o alcance e o nível de atualidade para a época de sua publicação.
As ideias de um crítico arejado, posto que muitas vezes teoricamente assistemático, sendo mesmo rotulado até de dogmático, confirma algumas analogias - o que só faz dele um progressista – com certos autores que não chegou a conhecer. Consoante ressalta a ensaísta Adélia Bolle, as formulações da Moderna Teoria da Comunicação, da Estilística Estrutural de Rifaterre do ‘princípio de estranhamento’ dos formalistas russos i.e., cada uma dessas situações provoca este questionamento: “Não (...) levariam a uma posição mais diferenciada nessa condenação em bloco do ‘impressionismo’?[4] (grifo nosso).
Em poesia, aquela ensaísta, a propósito de uma análise de Lins da poesia de Thiago de Mello, vê, na expressão empregada pelo crítico – “emprego de surpresa” - um equivalente ao efeito de “estranhamento” de Rifaterre.[5] Bolle infere um dado revelador, segundo o qual os formalistas russos, que são “antipsicologistas” levam em consideração o “problema da “percepção,” sendo que essa percepção transfere o “centro da gravidade do texto para o receptor.”[6]
A ensaísta ainda aponta essas aproximações entre a crítica de Lins e procedimentos do formalismo russo no que concerne, por exemplo, à obra de ficção. Para Lins, - lembra ela -, um romance nunca é “cópia da vida”, pois ele diferencia ‘matéria e ‘construção’ e,com base na obra de Jorge Amado, o crítico considera o autor “incompleto e mutilado,” introduzindo “assunto” e “problemas em estado natural, como a pedir os necessários envolvimentos”[7]
Para Adélia Bolle, essas considerações “extremamente operativas” segundo os formalistas russo, equivalem aos conceitos de “sujet” e “fable” no seguinte esquema: “sujet” = construção; “fable”= matéria.[8]
Este questionamento se prende ao fato de que, como se sabe, o Impressionismo resulta, em primeira instância, de uma reação ou “impressão” do crítico diante da obra, a qual pode ser positiva ou negativa. É claro que também a “impressão,” que mexe com a sensibilidade do crítico ou leitor, não responde pelo julgamento final da obra.
Já afirmamos que Lins trabalha, no exercício da crítica, sob três aspectos: interpretação, sugestão e julgamento. O ponto de partida da leitura, tanto para Lins quanto para quem quer que seja crítico, é a primeira leitura, que pode ser seguida de outra ou outras ou de partes pontuais para atender àquele tríplice aspecto.
Por outro lado, Adélia Bolle lamenta que Lins não tenha sido mais aberto às “contribuições positivas” do New Criticism. Esse particular fechamento de Lins, segundo ela, deveu-se à polêmica de natureza teórico-biográfica da doutrinação enfática e por vezes acirrada de Afrânio Coutinho: “É pena que ele [Álvaro Lins] se tenha fechado às contribuições positivas do ‘new criticism’, em virtude do aspecto polêmico da campanha jornalística empreendida com muita agressividade e envolvimento pessoal por Afrânio Coutinho.”[9]
Essas analogias ou aproximações de equivalência de expressões de natureza teórica que aparecem nos exemplos suscitados pela ensaísta sinalizam mudanças que já se estavam efetivando na análise de Lins matizadas de elementos formalistas desvelando mais os recursos estéticos no desenvolvimento analítico do poema. Estas mudanças de técnicas de análise reiteram o fato de que a classificação de impressionista em Lins não pode ser tomada “em bloco.”
De nossa parte, acrescentaríamos que Lins tinha já consolidada uma formação intelectual marcada, numa primeira fase, pela leitura e familiaridade com os grandes críticos do século XIX (Saint-Beuve, Anatole France, Jules Lemaître, Brunetière etc) aliada a posteriores leituras daqueles que lhe eram contemporâneos, sem se falar nas influências recebidas dos nacionais: José Veríssimo, a quem admirava muito e a quem substituiu na cadeira de literatura do Colégio Pedro II, o próprio Sílvio Romero e Tristão de Athayde, circunstância, na formação intelectual de Lins, já assinalada anteriormente.
Lins prefere os críticos franceses mencionados no parágrafo anterior, aos críticos deterministas, cientificistas também franceses, tais como Taine, Brunetière. O seu subjetivismo repudiava a objetividade científica. Por conseguinte, ao se deparar com o New Criticism que se ia insinuando na formação dos jovens críticos a partir da década de 1950, graças sobretudo ao seu principal introdutor no país, Afrânio Coutinho, o crítico pernambucano, em posição antagônica, manter-se-ia ainda na linha de orientação que o consagrara.
Não tivesse havido a polêmica – o que apenas é uma hipótese provavelmente, quem sabe, teria, com o tempo, aderido, se não ao New Criticism anglo-saxônio ou norte-americano, a uma de outras vertentes de novos métodos críticos abrangidos pelo que Coutinho chamava de Nova Crítica.
Entretanto, nos anos de 1950, sobretudo, a atitude de Lins foi bem compreensível em se tratando de sua personalidade de crítico pronta a desconfiar de uma novidade que se ia implantando sob a égide de uma corrente crítica liderada por Coutinho, cujo epicentro se assentava no exame da obra literária em si, considerada como objeto estético, autônomo, relegando os elementos extrínsecos a um segundo plano, sem, todavia, desprezá-los e deles se utilizando quando fossem convenientes à exegese da obra literária. Esse foi - não custa repisar - o núcleo central da Nova Crítica de base aristotélica da qual Coutinho nunca se afastou. A recorrência de Coutinho a temas nos quis o centro das discussões era a doutrinação dos postulados da Nova Crítica, quer em artigos de jornal, quer em livros ou na cátedra, serviam-lhe como forte estratégia a fim de colimar seus objetivos, ou seja, vencer as resistências do Impressionismo crítico.
Por outro lado, as ideias psicológicas, sociológicas, históricas, biográficas, que tinham lugar privilegiado junto ao componente estético e conjugadas entre si, ainda tinham peso suficiente para Lins mesmo quando, nos últimos tempos, começasse a dar sinais de que sua crítica avançava para uma interpretação e julgamento de notação formalista, tal como se pode depreender de seus sagazes e criativos ensaios de poesia sobre Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes etc, os poetas da geração de 45 e escritores que, anunciando novas formas de técnicas de construção ficcional, demandariam novas formas de interpretação e julgamento, novos recurso críticos.
É em meio a este estágio de sua atividade critica que ele se vai afastando, até pela doença e morte relativamente prematura, de sua judicatura crítica. A guinada nos estudos literários e linguísticos com o surgimento do estruturalismo à altura dos anos de 1970 já não o alcançaram.
Contudo, não devemos deixar de consignar mais algumas reflexões desta parte do capitulo que, em nosso juízo, servem como balizas indicativas de sua permanente curiosidade não só pela atividade crítica, tendo por referência primordial a sétima série do Jornal de crítica, que insere estudos dele datados de
Nessa quinta parte se incluem estudos que vão de 1940 a 1960. Assim, podemos afirmar que, combinando a sétima série do Jornal de crítica com a quinta parte de O relógio e o quadrante, conseguimos discernir os estudos de acento mais teórico de Lins e daí avaliar o quanto suas perquirições sempre buscaram se sustentar em reflexões profundas sobre o fenômeno literário em toda a sua extensão e, surpreendentemente, constatar que aquele Impressionismo por que é rotulado pela historiografia literária está muito aquém do pensamento teórico e da práxis de sua crítica.
Ainda no mesmo sentido de não ceder ao imobilismo crítico que evidentemente levaria Lins à estagnação de seus recursos e princípios empregados na sua crítica, é que percebemos como ele amiúde se portava com um espírito inquieto e disponível a experimentar novas formas que o afastavam de um Impressionismo preso a uma camisa de força na esterilidade vazia do mero subjetivismo que ia perdendo, com o tempo e com a campanha cerrada que lhe moviam as gerações mais novas, reforçada ainda pelos ataques de Coutinho contra a crítica de rodapé.
Lins estava convencido de que perdia terreno para a nova corrente e, já na década de 1960, era fácil discernir a sua eficácia e o seu esforço de pretender ainda terçar armas contra a crítica da cátedra versus crítica de rodapé. O espaço da universidade já se impunha à medida que a resistência crítica de Lins se ia exaurindo, posto que resistindo enquanto forças dispunha para demonstrar que estava em combate.
Esta consciência lúcida de que algo novo se estava processando no domínio da crítica literária e dos estudos literários em geral pode-se bem avaliar pelos artigos e ensaios publicados por Lins na década de 1950.
Contudo, a sua visão teórica básica ainda se mantinha presa, em síntese, ao binarismo terminológico chamado por ele ‘biografia’ e ‘historicismo’ que, segundo ele, equivaleriam a ‘personalidade’ e “realidade social” ou, em outros termos, “uma substituição do relato biográfico e da crônica histórica pela estrutura psicológica do autor e caracterização sociológica”[10]. No mesmo parágrafo, ainda acentua de forma tautológica: “Há que estudar-se numa obra, legitimamente, ou melhor, necessariamente, tanto a personalidade do autor como o seu conteúdo social”[11]
Além disso, nesse jogo de substituição, Lins leva seu argumento para o plano filosófico no tocante ao conceito de “literatura,” que ele denomina “o duplo e amplo conhecimento filosófico” compreendendo “o que é” (essência) e o “ato de ser” (existência). Por falar de “personalidade,” termo reiteradamente invocado em seus estudos, veja-se como Lins reforça essa questão:
Personalidade autêntica: eis a substância psicológica, na verdade como que cada autor há de impregnar a sua obra; eis a matéria humana que é lícito a cada um de nós procurar e exigir numa obra literária – seja Romance, ou Poesia, ou Teatro. Ou também Crítica, ainda mesmo no campo daqueles que têm da Crítica o conceito de que ela não é criação, mas outra coisa qualquer, de acordo com as suas convicções doutrinárias ou com os seus interesses utilitários de baixa espécie[12] (grifos nossos)
Como sempre, na polêmica, o que se poderia discutir somente no plano das ideias e do equilíbrio, Lins não perde azo para alfinetar, em tom mordaz, como também era próprio de seu temperamento combativo, tanto quanto o do seu adversário, sobre as quais teoricamente divergiam: crítica criadora, princípios doutrinários ou de política literária, visões bem diferentes de autores, por exemplo, Lins exaltava a crítica de José Veríssimo, Coutinho lhe fazia, porém, reservas, embora, em artigos posteriores, procurou reavaliar de forma bem mais positiva o legado crítico deixado por José Veríssimo, numa atitude correta e séria de ajuizamento crítico de Coutinho.[13]
Em muitos ângulos percebemos evidências de sintonia do pensamento crítico de Lins que ensejam uma forma de ultrapassagem do mero Impressionismo em questões que, somente anos depois, estariam no debate acadêmico-universitário, sob novos enfoques no domínio da investigação literária em tempos de pós-modernidade: a “indústria cultural,” a morte do autor, a “morte do escritor,” apagamento do autor,” “autoria,” “autoridade” etc.
Nesta direção, guardadas as devidas características temporais, estavam nas preocupações de Lins[14] tópicos como a “Literatura industrial” (da qual já falava Saint-Beuve na sua época), “uma história sem nome e sem biografias,” uma análise de um poema não levando em conta a biografia de ”poetas” e, “em alguns aspectos,” a própria personalidade deles, citando, como exemplo, Mallarmé na literatura francesa e, na literatura inglesa, John Keats. Isto tudo a propósito da ideia de que os “críticos mais ortodoxos do New Criticism” costumavam realizar análises formais ou estilística utilizando-se mais do gênero poético:
Além disso, há certos atores – e fixemos, corretamente, o caso dos poetas, pois com os poetas e com as obras em versos, de preferência ou quase exclusivamente, é que lidam os críticos mais ortodoxos, do ‘new criticism’ – cujas obras melhor se prestam aos estudos de estilista formal e análise objetiva dos respectivos textos.[15]
As afirmações de Lins supra-citadas mereceram, no entanto, esta correção de Coutinho:
A renovação empreendida pela nova crítica aparentemente só se aplicava à poesia, É o que afirmam os que não estão a par dos trabalhos e resultados da nova crítica, com certeza por e os estudos sobre a poesia saltam mais à vista. Mas, em verdade, a ficção está sendo objeto de trabalhos tão revolucionários talvez até mais do que a poesia. O importante é que não limitemos a nossa compreensão da nova crítica aos estudos da linguagem e estilo. Mas, inclusive nesse aspecto, são de maior alcance os resultados já obtidos no que concerne à investigação das características da linguagem da ficção. A bibliografia nesse terreno é já bastante considerável.[16] (Grifos nossos)
No mesmo artigo, do qual extraímos o trecho acima, Coutinho menciona alguns aspectos que a nova crítica tem enfocado: o estilo segundo o conceito, não mais da “gramática,” mas da nova “ciência de estilo”, “(...) inspirados no conceito de que a estiologia começa onde a gramática termina.” [17] Outros tópicos teóricos da estrutura da narrativa são realçados pela nova abordagem crítica, como o ponto de vista, a ordem da narrativa, a ironia, o paradoxo, a ambiguidade, a linearidade de estilo, enfim, todos os recursos provenientes de novas maneiras de analisar a ficção, de compreendê-la na sua totalidade, com técnicas e artifícios que, quando bem utilizados pelo artista, resultam na composição artística de um romance, de um conto, ou seja, de uma obra literária elevada ao estatuto estético[18].
Voltemos a Álvaro Lins. A demonstração mais cabal de que as últimas pesquisas teóricas empreendidas por Lins, em parte, sugerem que as suas derradeiras leituras se dirigiam a autores-chave do New Criticism, elegendo T.S.Eliot como autor de referência para externar algumas reflexões acerca da nova corrente crítica, notadamente no ensaio dividido em três partes que se encontra na obra O relógio e o quadrante: “O autêntico new criticism no estrangeiro,” “A desimportância do new criticism em arrivistas e carreiristas dentro do Brasil” e “Relógio universal e quadrante brasileiro.”[19] Este ensaio de Lins, um estudo comparativo sobre dois ensaios em que de T.S Eliot enfoca o New Criticism, editados em diferentes épocas, com os títulos “The function of criticism” e “The frontiers of criticism,” comentaremos mais adiante.
Também em O relógio e o quadrante, há um artigo “Uma História sem nomes e sem biografias,” no qual Lins se refere a um estudo de T.S.Eliot sobre o poeta Dante. O estudo objetiva uma comparação de Dante com Shakespeare mediante um enfoque que não admitiria, a princípio, não lançar mão de elementos extrínsecos, visto que para o crítico “quanto menos soubesse sobre o autor e sua obra,” tanto melhor seria ao desenvolvimento de seu ensaio. Afirma Eliot:
Em minha própria experiência de apreciação de poesia, tenho verificado que, quanto menos sei acerca do poeta e da sua obra, antes de iniciar a leitura, tanto melhor. Uma citação, uma observação crítica, um ensaio entusiasta poderiam ser a razão de levar alguém a ler um determinado autor: porém, ser-me-ia um obstáculo o uso de conhecimentos históricos e biográficos de uma esmerada estratégia.[20]
Adverte-nos Lins que, um pouco adiante, Eliot se depara com “situações e problemas” de natureza intrínseca, mas também extrínseca em sua análise, ou seja, como trabalhar os “contrastes” de ordem estilística de Dante na comparação com Shakespeare, tanto quanto no “confronto” do poeta da Divina Comédia frente ao “espírito” da Idade Média. Diante dessas dificuldades, Lins, com sutil ironia, até mesmo finalizando o parágrafo com reticências, conclui que uma saída para Eliot – como realmente ocorreu - foi aprofundar-se no conhecimento da “personalidade” desse poeta e estudar as “condições sócio-históricas” da sua obra, assim como recorrer, em larga escala, à sua biografia e ao conhecimento da sua época, i.e., utilizar-se de aportes historicistas.
Cumpre acentuar que, em outra obra, Os mortos de sobrecasaca, Lins escreveu dois artigos-ensaios censurando o que lhe parecia o uso deformado do New Criticism, de títulos “Ah, logrados indígenas!” e “Um povo jovem ante fórmulas requintadas, belas, estratificadas e mortas.”[21] Esses trabalhos datam de
Em todos os artigos e ensaios de Lins em que levanta a questão do new criticism, reconhecendo embora a validade dessa corrente do pensamento crítico, de sua importância e de seus grandes seguidores, sua finalidade maior é a de mostrar ser esse novo movimento mal assimilado no país. Ora, essa atitude de Lins exprime mais um desconforto dele para com a novidade que certamente alteraria o quadro de liderança na condução da atividade crítica entre nós.
Tendo por adversário Afrânio Coutinho, Lins sabia que este crítico tinha firme a sua decisão de realizar uma mudança efetiva nos estudos literários brasileiros que, por seu turno, repercutiria negativamente na prática da crítica de rodapé, reduzindo o poder de liderança de Lins, cuja influência era notória no período de
O crítico e ensaísta João Cezar de Castro Rocha, em Crítica literária: em busca do tempo perdido?[22] - um longo, moderno (particularmente na forma original de apresentação das partes da obra) e notável ensaio sobre a crítica literária no Brasil, apresenta uma chave diferente quanto à atitude de Lins de rebater os ataques de Coutinho.
Castro Rocha depreende nos textos de Lins concernentes à polêmica com Coutinho uma forma de “mimetizar” a linguagem acadêmico-universitária, ou seja, a cátedra em oposição à crítica de rodapé, as citações que faz de grandes críticos americanos pertencentes ao grupo do New Criticism em sentido lato, as citações de T. S. Eliot etc. Veja-se o que afirma Castro Rocha:
Contudo, em 1958, para reafirmar a legitimidade da mesma crítica de rodapé, Álvaro Lins não encontrou melhor recurso do que mimetizar o discurso universitário e, ao fazê-lo, reconheceu, malgrado seu propósito, o triunfo da cátedra [23]
Entretanto, em nosso entendimento, a circunstância de Lins mostrar que não havia perdido o bonde da história, por enumerar e emitir ligeiros juízos sobre obras que formavam um seleto grupo de críticos e ensaístas de língua inglesa, tais como I. A. Richards, René Wellek, Austin Warren Edmund Wilson, Granville Hicks, Kenneth Burke e sobretudo, o que ele escolheu como eixo central do já citado ensaio, “O autêntico new criticism no estrangeiro,” foi de meramente demonstrar que não era nenhum old-fashoned crítico de rodapé. Era um crítico que continuava lendo e ainda atuante no jornal e no livro.
E o exemplo maior que ilustra são essas suas reflexões assimiladas das leituras de “new critics” de língua inglesa, tendo, à frente, a figura respeitada de T. S. Eliot.
Sobre o que linhas atrás denominamos, nesta seção de capítulo, “ultrapassagem” do mero Impressionismo, não intentamos dizer que Lins tenha deixado os traços essenciais do seu pensamento crítico de fundo humanista, mas uma tomada de consciência lúcida de que deveria compreender os sinais do tempo e da sua própria judicatura crítica, i. e., renovar-se sem perder as características primordiais da sua compreensão da literatura e da crítica.
Reconhecer também, à semelhança daquele personagem-escritor de O feijão e o sonho, de Orígenes Lessa, que novos tempos se abriam no domínio da criação literária e, por extensão, do pensamento crítico, o que quer dizer, isso modifica tudo, mesmo as suas antigas concepções da arte literária.As considerações que Lins faz sobre o New Criticism, de certa forma, nos parecem um gran finale às avessas, nem inteiramente melancólico, nem inteiramente feliz, no qual a ironia paradoxalmente se mistura à seriedade, numa peça ensaística que, pelo tom da exposição, nos lembra uma defesa de um tribuno – e aqui nos recorda aquele epíteto que lhe deu Otto Maria Carpeaux ao acentuar ser a verdadeira vocação de Álvaro Lins a de um “tribuno.”[24]
Vários motivos - e podemos frisar ter sido isso uma boa estratégia para falar da Nova Crítica que se estava implantando no país graças sobretudo aos esforços ingentes e doutrinários de Afrânio Coutinho -, levaram Lins a empreender uma análise de dois importantes ensaios de T. S. Eliot, já anunciados linhas atrás, “The function of criticism”, da obra Selected essays (1932) e outro, “The frontiers of criticism,” da obra On poetry and poets (1957).
A opção de Lins por analisar o New Criticism de T.S.Eliot seria uma forma indireta e sutil para discutir o pensamento crítico brasileiro dos adeptos da Nova Crítica encabeçada por Coutinho e ao mesmo tempo para realçar os princípios estéticos de Eliot, que, por sinal, fora também vítima de ataques reacionários de uma crítica estabelecida que se opunha ao New Criticism ” eliotiano, o qual para Lins representava o verdadeiro e autêntico New Criticism no exterior.
Fora uma estratégia inteligente de Lins em face do que ele não aceitava dos postulados da Nova Crítica brasileira, ou, em outros termos, Lins sagazmente usara as armas do inimigo para defender sua própria pele e ninguém melhor do que o peso de Eliot para tentar vencer o prélio. No fundo, tinha consciência de que sairia chamuscado e de certa maneira incompreendido pelas novas gerações que já fechavam o cerco a caminho de outra liderança no campo da crítica literária no país.
Essa estratégia, ademais, serviria mais para reforçar a crítica de Lins contra os que desejavam desqualificar o seu Impressionismo, nunca afirmado por Lins nem tampouco por ele negado. Ao eleger T. S. Eliot como objeto de sua investigação e ao considerá-lo como o mais indicado na época - os anos de 1950 - para estabelecer o que para ele seria o verdadeiro movimento da crítica moderna anglo-americana, Lins - aduzimos -, punha mais lenha na fogueira do embate polêmico entre as duas correntes. Não sonegava validade ao New Criticism, mas também batia forte contra aqueles seguidores, que, na sua ótica, não haviam corretamente assimilado os princípios reais daquela corrente em suas fontes anglo-saxônias e norte-americanas.
Os dois artigos-ensaios de Lins reforçam a sua combatividade, sobretudo tendo em vista que as ideias estéticas de Eliot não eram imobilistas, mas souberam discernir elementos tradicionais e modernos. A par disso, Lins ainda por cima não se opunha a mudanças que deveriam ser aqui feitas no campo dos estudos universitários de letras, no país. Agradava-lhe a ideia de ver numa só pessoa, como era o caso de T.S.Eliot, críticos-professores universitários e críticos-artistas. Por isso, para ele eram auspiciosos e necessários aos novos tempos a criação de Faculdade de Letras, não sua multiplicação desordenada e sem aparelhagem, mas cursos superiores de letras que mantivessem professores competentes e atualizados. Donde se vê que, nesses questões, suas ideias se equivaliam às propugnadas por Afrânio Coutinho.
A grande validade dos artigos-ensaios sobre Eliot se fundamenta em princípios de crítica literária sustentados por esse poeta e ensaísta que culturalmente, segundo Lins, fundiu duas culturas literárias, a americana e a inglesa, mas sem nunca se afastar completamente das suas vivências espirituais e intelectuais dos Estados Unidos, ou melhor, nas palavras de Lins referentes a Eliot: ”Participante da cultura inglesa, e nela integrado, em sua crítica, porém, conservou a alma e o corpo do New Criticism na força originária e na forma mais genuinamente norte-americana”[25] ( grifo do autor).
Lins mostra que a luta de Eliot, no início de sua defesa do New Criticism, não foi assim fácil, pois teve desentendimentos de ideias estéticas com, por exemplo, o crítico Middleton-Murray, da mesma forma que, no Brasil, foi tormentosa para Coutinho alcançar suas metas de divulgação e implantação da Nova Crítica.
Lins não abre mão, contudo, de outros condicionamentos que só atrapalham a vida literária e sobretudo o desenvolvimento do pensamento crítico moderno, que não pode esquecer contribuições de movimentos críticos anteriores, como, no caso, o Impressionismo, uma vez que, à altura da refrega sem trégua da Nova Crítica, não se tratava só de uma única abordagem dela, consoante tantas vezes reiterava seu principal defensor, Afrânio Coutinho. Em toda a sua campanha, corajosa em defesa da Nova Crítica, o autor de Correntes cruzadas assinalava o fato relevante, conforme se pode comprovar na citação dos dois parágrafos seguintes do artigo “Ainda equívocos”:
A propósito da nova crítica – isto e, das correntes de renovação da crítica – uma série de equívocos ainda continuam a aparecer sob a pena de comentários ou mesmo críticos, toda vez que ao problema se referem. É bom sempre tentar o esclarecimento, insistindo em pontos já por vezes muito batidos, a fim de que não se enraízem os enganos.
Primeiramente, a nova crítica não se resume unicamente no grupo anglo-americano do ‘new-criticism.’ Este é apenas um dos aspectos ou correntes das tentativas renovadoras, Entre os próprios ingleses e norte-americanos há outros grupos renovadores infensos ao chamado ‘new criticism.’[26]
Lins, ao centrar seu enfoque nas ideias estéticas de Eliot, não perde tempo para alfinetar seu mais conhecido adversário no campo intelectual, já que, naqueles anos de 1950, a peleja estava a pleno vapor e ainda contava com os seguidores, em muitos aspectos, do pensamento renovador de Coutinho.[27]
Na discussão do ensaio “A desimportância do new criticism em arrivistas e carreiristas dentro do Brasil” sobre Eliot, Lins ataca autores como o velho crítico J. E. Spingarn que, em 1910, proferira uma “conferência-manifesto” com o título de “The New Criticism,” segundo Lins “um desafio escandalosamente ousado naquele distante 1910, hoje quase uma velha peça documental para os arquivos.”[28] Conforme frisa Lins, Spingarn era do tipo de crítico que formulava técnicas de análises de obras sem, contudo, pô-las em prática, servindo apenas para “provocar debates.”[29]
Coutinho, diante dessas afirmações de Lins, procura pôr os pingos nos is e, em vigoroso artigo de 1958, de título “O Velho e o novo Eliot,” com farta bibliografia, um traço característico de seus textos em geral - vale repetir -, chama a atenção de Lins acerca da expressão “the new criticism.”[30]
O crítico baiano, então, esclarece ser aquela denominação incorreta para designar “o moderno movimento da crítica anglo-americana.” Contudo, a participação de Spingarn tinha finalidade diversa dos fundamentos centrais do New Criticism. Informa Coutinho que “... a expressão ‘the new critcism’ foi empregada duas vezes diferentes, para designar dois movimentos distintos da crítica moderna.” [31] As ideias críticas de Spingarn se alicerçavam nas lições que aprendera na Itália com o filósofo Benedetto Croce, ou seja, o crítico norte-americano, segundo Coutinho, reagia contra o academicismo e o positivismo, os fatores estéticos se sobrepunham à “pesquisa moral, social e psicológica.” [32] Spingarn defendia uma formulação estética haurida no expressionismo de Croce. Coutinho também faz referência a outro nome da crítica norte-americana que partilhava dos mesmos princípios estéticos de Spingarn; era Edwin Berry Burgam, influenciado igualmente pelas ideias de Croce.[33]
Ao contrário de Lins, Coutinho reconhecia a influência que aqueles dois críticos norte-americanos significaram para um ‘novo movimento de new criticism,’ ocorrido de
Por outro lado, a razão dessa referência a Spingarn prende-se ao fato de que este crítico ‘nunca pôde demonstrar a técnica que preconizava, limitando suas funções a provocar debates.’[35]
No mencionado ensaio, “A desimportância do new criticism, em arrivistas e carreiristas, dentro do Brasil,” Lins também verbera um estado de permanência da ‘crítica da crítica por um crítico,’ ou o que, segundo ele, “(...) já se classificou, em caso semelhante, como uma crítica de oficina, ‘workshop criticism,’[36] na mesma direção de procedimentos analíticos utilizados pelos “primeiros críticos norte-americanos”[37] do New Criticism, os quais, consoante assinalou Morton Dauwen Zabel, crítico e historiador norte-americano, que, por sinal, lecionou literatura americana no curso de letras da Faculdade Nacional de Filosofia Universidade do Brasil: “Ensinavam, corrigiam e debatiam, mas pouco lucravam os leitores em conhecimentos práticos dos métodos e técnicas literárias”[38]
Ora, todas essas alusões ao lado improdutivo da militância do New Criticism tiveram, em nosso juízo, a intenção da parte de Lins de revidar o ataque de Coutinho contra o Impressionismo e sua prática crítica nos rodapés de jornais..
Por outro lado, de caso pensado, cita o nome do crítico David Daiches, autor do Critical approaches to literature, estudo teórico que aliava a teoria do New Criticism à prática de análises, como o fez em The novel and modern world, levando a efeito o que menos se fazia, ou seja, utilizar os procedimentos de exegese do New Criticism em obras de ficção, fruto da “experiência’ de Daiches em cursos da Universidade de Chicago.[39] A questão de se alegar que o New Critcism unicamente tratava de poesia foi rebatida por Coutinho, segundo vimos numa citação dele linhas atrás.
Já nos reportamos acerca da classificação de Otto Maria Carpeaux atribuída a Lins, ou seja, a de uma vocação de tribuno. Examinando com cautela os artigos-ensaios de Lins, que constituem o seu ensaio acerca da crítica de T. S.Eliot, a sensação que temos é a de que o autor de A técnica do romance
A estratégia de Lins é a de chamar a atenção do leitor para a ideia dessa escolha, e não de outros grandes críticos de língua inglesa por ele citados. A estratégia funciona como um movimento que aparentemente intenta retardar a justificativa da escolha, porém avança no seu desenvolvimento explanatório. Citamos abaixo, as cinco vezes em que essa estratégia é utilizada:
1. “De onde surgiu, porém, a ideia, a sugestão de aproximar os dois ensaios [de T.S.Eliot] para este estudo comparativo?”[40]
2. “Poderá um leitor, nesta altura, levantar uma pergunta, e essa pergunta a mim mesmo já formulei: por que a escolha de T.S.Eliot para a empresa de examinar-se, por intermédio do seu estudo a frio e do brilho ornamental do seu conceito de crítica em matéria de literatura, aquela grande questão do problema geral e do estado atual, da chamada nova crítica...” [41] (grifo do autor)
3. Por que a escolha de T. S. Eliot, e não de outro mais audaz, porque mais jovem, em explorações no território ainda com algumas zonas virgens da crítica contemporânea?”[42]
4. “De fato, por que a escolha de T. S. Eliot, e não de outro qualquer representativo de alguma das correntes mais numerosas ou das experiências mais espetaculares do new criticism...” [43] (grifo do autor)
5. “Por que, então, a escolha de T. S. Eliot, e não a de outra personalidade, um grande nome representativo, ou uma valiosa obra marcadamente expressionista, ou um assinável grupo de jovens lucidamente fixados em conjunto – tudo isto, ou qualquer deles, nos domínios e horizontes do próprio new criticism?[44] (grifo do autor)
A estratégia de cunho retórico a que nos referimos atua no ensaio de Lins da seguinte forma: enquanto, hesita ou retarda a escolha e ao mesmo tempo a explica ao leitor, o crítico faz crescer a importância e a chancela que o nome de Eliot confere ao seu ensaio, quer dizer, sem negar a importância de grandes nomes do New Criticism anglo-americano, ele traz para sua discussão as ideias e os princípios defendidos por Eliot que, em síntese, interessariam aos próprios fundamentos do pensamento crítico de Lins. Em outras palavras, ao privilegiar o New Criticism geral, reconhecendo-lhe as várias variantes nos Estados Unidos e na Inglaterra, Lins aponta como eixo central do seu ensaio as ideias estéticas de Eliot:
Não, nenhuma hesitação ou dúvida seria razoável, nenhuma escola estaria mais indicada para os nossos objetivos do que a figura de T.S. Eliot; nenhuma obra mais apropriada ao tipo e à natureza do ensaio, que ora empreendemos, do que a obra do autor de The use of poetry e The use of criticism, de On poetry and poets e dos Selected essays.[45]
Por isso foi encontrar em Eliot algumas aberturas que se harmonizavam com alguns dos seus princípios estéticos e de visão mais arejada do seu humanismo crítico bem mais evoluído, sobretudo naquele aspecto que para Eliot era incompatível ao entendimento (understanding) e fruição (enjoyment) na leitura de uma obra literária., levando-o, de acordo com Lins, a se afastar do “estreito didatismo e do seco formalismo que ele intitulou com espírito satírico e demoniacamente devastador – The lemon-squeezer school of critcism . Ou seja, apenas isto: ‘a escola espreme-limões da crítica’ “ [46]
Lins, desta forma, não cedeu um palmo naquilo que, como instrumento de sua crítica integral, psicológica, culturalista, impressionista-humanista, em elevado nível exegético de resultados de prática crítica, estivesse exaurindo-a dos componentes de natureza extrínseca, que, por nenhuma razão, deveriam ser alijados da interpretação, análise e julgamento, ou seja, sua compreensão do fenômeno literário, por ter um sentido plural, eclético, não podia limitar-se àquela ”crítica objetiva,” imanente, da obra literária propugnada pelo New Criticism.Atente-se para o enunciado de derradeiro parágrafo de seu ensaio sobre Eliot:
Por outro lado – e continuando nesta mesma direção – podemos analisar o dizer tudo o que significa uma obra de criação literária, mas esvaziando-a do prazer que ela é susceptível de oferecer-nos. E fruir assim uma obra poética com base na ininteligência do que ela é como substância e realidade, isto seria fruir, na verdade, apenas uma outra coisa. Isto é: mera projeção de algum entendimento lógico, histórico, gramatical, formalista e extrovertido.[47] (grifos do autor)
Desta maneira, ao validar o New Criticism de Eliot e de outras figuras eminentes dessa corrente crítica, Lins aproveita a oportunidade para censurar a “nova crítica” que se desejava adotar no ensino superior de letras e que, segundo ele, aqui foi distorcida e mal assimilada. Ele bem sabia que não era nada disso, que a Nova Crítica era uma realidade ainda que com todas as suas limitações de práxis inicial no país.
De outra parte, no ensaio de Lins existe um ponto crucial digno de atenção do analista literário. A escolha recaindo sobre Eliot, num momento de grande efervescência da polêmica com Coutinho e os seus seguidores ou simpatizantes da Nova Crítica - anos de 1950 – reveste-se de um golpe de mestre na peleja literária. Sabia Lins que Eliot, na primeira fase de sua pregação do New Criticism, tinha sofrido muitas incompreensões e ataques da parte dos críticos tradicionalistas, i.e., dos impressionistas norte-americanos.
A admiração que Lins manifestava por Eliot significa que esse crítico jamais repudiou o New Criticism, mas sim, como adverte Adélia Bolle, ‘certos representantes indígenas.’ [48] A ensaísta toca numa questão também essencial no que concerne à posição de Lins de não ter aderido à “nova crítica”: a “ (...) repulsa por uma crítica objetiva, pela imposição de leis, regras e normas à atividade literária.”[49]
Julgamos que essa “repulsa” estaria visceralmente relacionada à própria formação intelectual de Lins, ainda mesmo quando deu demonstração cabal de que a sua prática crítica não seria a mesma de tempos atrás, após novas leituras que lhe iam insinuando a necessidade de novas visões e de novos aportes teóricos no domínio do pensamento crítico ocidental .
Por analogia e ironia do destino, Afrânio Coutinho sofrera incompreensões e também lutara com unhas e dentes contra as formas envelhecidas do Impressionismo crítico brasileiro, ou seja, numa polêmica aguerrida, porém em sentido inverso dos objetivos que Lins direcionava seu ensaio: louvar em Eliot o que desaprovava em Coutinho.
Da mesma forma, com respeito às mudanças que ocorreram com a prática crítica de Eliot, no tocante à sua posição acerca das relações entre o crítico-universitário e o jornalismo literário, o “periodismo,” podemos distinguir algumas semelhanças com o pensamento a este respeito de Coutinho ao discutir as diferenças de qualidade de crítica entre o crítico universitário e o reviewer, o crítico de rodapé.
Em outras palavras, tanto em Eliot quanto em Coutinho havia a segurança de visões de que poderia haver bons ou medíocres praticantes de crítica em jornais ou
A questão da polêmica torna-se um dado positivo na medida em que o debate deflagrado se insere no circuito da história literária de um país. No mínimo, o seu valor funciona, de certa forma, como o fluxo contínuo das ideias estéticas, históricas e culturais que só fazem avançar, no caso específico, os estudos literários e das artes em geral sem fronteiras e, de preferência, sem ranços de chauvinismos de qualquer espécie que só retardam o processo da comunicação artística no plano universal e na era digital de um mundo globalizado..
Os opositores de Lins, sobretudo as novas gerações daquela época do final dos anos de 1940 e da década de 1950 que aderiram à campanha de Coutinho para verem postos em prática, no meio literario brasileiro, os postulados fundamentais do New Criticim, já estavam tomando conta do novo espaço teórico. Lins não desejou baixar a guarda, mantinha-se convicto de que o método de análise de uma obra literária não podia se submeter ao império da autarcia do objeto literário.
Seu tempo de apogeu no rodapé já estava perdendo chão, porquanto o próprio jornalismo literário viria sofrer as consequência da crítica da cátedra universitária. Não tardaria que o aparecimento de novas formas de abordagem crítica surgidas no exterior fossem divulgadas no meio intelectual brasileiro - o estruturalismo, a desconstrução, o pós-estruturalismo, a fenomenologia, a teoria da recepção, a teoria feminista, o novo historicismo, a teoria pós-colonial, o discurso das minorias, a queer theory, os estudos narratológicos, os estudos semióticos, os estudos da análise do discursos -, enfim, que novos movimentos do pensamento crítico universal proliferassem.[51] Lins não os alcançou, uma vez que, já nos meados da década de 1960, não mais produzia. Estava solitário e doente, vindo a falecer em 1970.
NOTAS:
[1] LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante. Op. cit., p. 376-377.
[2] Idem , p.370.
[3]Idem, p. 414.
[4]MENESES BOLLE, Adélia Bezerra de. Op. cit., p. 68.
[5] Idem, p. 80.
[6] Idem, p. 68.
[7] Apud. MENESES BOLLE, Adélia Bezerra de. Op. cit., p. 78.
[8] Idem, ibidem.
[9] Idem, p. 80.
[10] Cf. LINS, Álvaro. Uma história sem nome e sem biografia. In: _. O relógio e o quadrante, Op. cit., p. 364.
[11] Ibidem.
[12] Ibidem, p. 365.
[13] COUTINHO, Afrânio. José Veríssimo, Prós e Contras. In: ___. Crítica & críticos. Op. cit., p. 220-244.
[14] LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante. Op. cit., p. 344-351.
[15] Idem, p. 365-366.
[16] COUTINHO, Afrânio. Crítica & críticos. Op. cit., p. 140-143.
[17] Idem, p. 141.
[18] Idem, p. 142-143.
[19] Cf. LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante. Op. cit. Os três ensaios, na ordem mencionada acima, em conjunto, vão da página 383 à página 414..
[20]Apud LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante, Op. cit., p. 366. .Cf. o original em inglês:
“ In my own experience of the appreciation of poetry I have always found that the less I knew about the poet and his work, before I began to read it, the better. A quotation, a critical remark, a n enthusiastic essay, may be the accident that sets one to reading a particular author: but an elaborate preparation of historical and biographical knowledge has always been to me a barrier”.
[21] Cf. LINS, Álvaro. Os mortos de sobrecasaca, Op. cit. Ver, respectivamente, páginas p. 434-435 e p. 440-442.
[22] CASTRO ROCHA, João Cezar de. A crítica literária: em busca do tempo perdido? Op. cit.
[23] Idem, p. 199.
[24]CARPEAUX, Otto Maria. Apud LINS, Álvaro. A glória de Cesar e o punhal de Brutus. (1939-1959). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962. Trata-se de uma epígrafe extraída do capítulo “Álvaro Lins e a literatura brasileira,” da obra de Carpeaux, Origens e fins, Rio de Janeiro, 1943.
[25] LINA, Álvaro. O relógio e o quadrante, Op. cit., p. 392.
[26] COUTINHO, Afrânio. Crítica & críticos. Op. cit., p. 133-136.
[27] Cf. o que afirmamos anteriormente às páginas 21-23 deste estudo.
[28] LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante. Op. cit., p. 404.
[29] Ibidem.
[30] COUTINHO, Afrânio. Crítica & críticos. Op. cit., p. 200.
[31] COUTINHO, Afrânio. O velho e o novo Eliot. In:__Crítica & críticos. Op. cit., p. 200-209.
[32] Idem, p. 201
[33] Ibidem.
[34] Ibidem.
[35] Apud LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante, Op. cit., p. 404. Essa citação. é de Morton Dawen Zabel. Lins deve ter lido provavelmente o ensaio de Zabel em tradução portuguesa, já que se encontrava traduzido desde 1947; se considerarmos que tenha lido no original em inglês, a tradução de Lins pouco difere da tradução de Célia Neves. O ensaio se encontra na obra de Zabel A literatura dos Estados Unidos e tem o título “A crítica literária nos Estados Unidos,” capítulo XXIV, p. 526-574.
[36] Ibidem.
[37] Ibidem.
[38] Ibidem.
[39] Ibidem.
[40] LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante Op. cit., p. 386.
[41] Idem, p. 389.
[42] Ibidem.
[43] Idem, p. 390.
[44] Idem, p. 391.
[45] Idem, p. 391-392.
[46] Idem, p. 414.
[47] Idem, p. 414.
[48]MENESES BOLLE, Adélia Bezerra de. Op. cit., p. 61.
[49] Ibidem..
[50] LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante, Op. cit., p.388.
[51] CULLER, Jonathan. Teoria literária.: um introdução. Trad. de Vanda Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999, p. 118-126.