Cunha e Silva Filho

 

 

         Hoje, às 14:00h, numa tarde meio chuvosa, na Academia Brasileira de Filologia, situada numa das dependências da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), fui empossado na cadeira nº 30, antes ocupada pela Professora Doutora Maria Antonia da Costa Lobo, cadeira cujo Patrono é o Professor Candido Jucá, e que tem como antecessores os eminentes professores Candido Jucá (filho), Jayr Vasconcellos Calhau.
        A ABRAFIL, como é abreviadamente conhecida, é uma das mais importantes instituições culturais a serviço dos estudos e pesquisas de Filologia, Linguística e Língua Portuguesa do país e foi fundada em 26 de agosto de 1940, numa reunião composta por 30  estudiosos da língua portuguesa. Esse primeiro encontro, naquele já distante ano  de 1940,  aconteceu numa das salas do Colégio Militar do Rio de Janeiro. Atualmente, consoante ocorre com outras academias, a ABRAFIL se constitui de 40 membros efetivos e vitalícios com seus correspondentes Patronos. Ademais, ela mantém um Quadro Especial de Membros Honorários, os quais, antes, já haviam a ela pertencido como membros efetivos e vitalícios
        Na composição da mesa estavam presentes o Professor Doutor Amós Coêlho da Silva (Presidente da ABRAFIL) e o Professor Doutor Manoel P. Ribeiro, a quem coube dirigir a sessão. Segue abaixo o meu texto:

 

Estimados acadêmicos:


         Antes de tudo, quero de coração agradecer aos ilustres confrades e confreiras da Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL) que me honraram, no escrutínio, com a escolha do meu nome a fim de que pudesse ser o sucessor da cadeira nº 30 que tinha como ocupante a distinta Professora Doutora Maria Antonia da Costa Lobo, prematuramente falecida, porquanto ainda tinha muito o que dar de si como estudiosa das questões de linguística e de filologia portuguesa. Além do pesar por sua repentina ausência do nosso convívio, a estudiosa era minha amiga de muitos anos.
        Ao adolescente do final dos anos 1950 e princípios dos anos 1960, jamais passaria a ideia de que, um dia, seria galardoado com o privilégio de ser membro da Academia Brasileira de Filologia. Naquele dia em que li, num capítulo do compêndio de Língua e Portuguesa de Modesto de Abreu em coautoria com Enéas Martins de Barros, destinado as cursos científico e clássico, informações sobre a fundação da Academia Brasileira de Filologia, sobre seus objetivos culturais voltados para os estudos de língua portuguesa e de filologia, reparava atentamente nos nomes dos patronos e membros ocupantes, então, das quarenta cadeiras (inclusive de um dos autores daquele mencionado compêndio didático, Modesto de Abreu, de quem li algumas obras importantes.
       É claro que, em conversa com meu pai, ele costumava falar-me de nossos grandes filólogos e gramáticos bem antigos, como, entre outros, Mário Barreto, Carlos Góis, Eduardo Carlos Pereira, Otoniel Motta, Laudelino Freire, Carlos de Laet, Rui Barbosa, Ernesto Carneiro Ribeiro, Said Ali, Antenor Nascentes, João Ribeiro, algumas obras dos quais ele possuía em sua biblioteca, em Teresina.
       Ora, sempre tive em casa a presença de obras filológicas, gramáticas normativas, gramáticas históricas, de sorte que o adolescente ia-se familiarizando com elas, assim como com a saudável mania de ler dicionários de línguas, como os de português, latim, inglês, francês. Por isso mesmo, é que, vindo para o Rio de Janeiro estudar medicina, logo me afastei dessa ideia e resolvi cursar Letras na famosa Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ. Desse fascínio não mais me afastei e faria tudo de novo se me perguntassem hoje. Parte dessa passagem de minha vida narro no meu livro de memórias, de título Apenas memórias ( Rio de Janeiro: Quártica, 2016).
        Não tive tempo para pesquisar sobre o patrono da cadeira nº 30, o acadêmico Candido Jucá. No entanto, cheguei a conhecer pessoalmente o filho dele, Candido Jucá (filho), douto estudioso de língua e literatura portuguesa, autor de valiosos livros didáticos e de estudos fundamentais no campo filológico, alguns deles lidos por mim. Conheci-o uma vez, à noite, quando fui, na companhia de outros jovens estudantes secundários, pela primeira vez, assistir a uma conferência, antes mesmo de ser estudante universitário, na Academia Brasileira de Letras. A conferência versava sobre o capítulo 63, do romance Esaú e Jacó, de Machado de Assis.
        Naquele mesmo local, tive o prazer de conhecer, além do citado professor Modesto de Abreu, já cego, uma pessoa simpática e educada, que estava acompanhada de um familiar, o gramático e filólogo Arthur de Almeida Torres, igualmente bem receptivo à mocidade e o historiador e grande orador Pedro Calmon, membro do Petit Trianon. Este último, pessoa polida e de trato agradável, olhando para nós, falou-nos com entusiasmo: “Esta é a geração futura.”
        Do segundo ocupante da cadeira nº 30, o filólogo Jayr Vasconcelos Calhau, em síntese, diria que foi um estudioso da língua portuguesa, do latim, cuja obra talvez mais destacada, segundo o professor Horácio Rolim, foi um estudo sobre o eminente filólogo Clóvis Monteiro, intitulado Clóvis Monteiro e a filologia portuguesa (1974), com o qual obteve o grau de Doutor e Livre Docente pela PUC do Rio Grande do Sul.
        A terceira ocupante da cadeira nº 30 foi a Professora Doutora Maria Antonia da Costa Lobo. Após concluir seu curso de licenciatura em Português-Literatura nas Universidade Gama Filho e na Sociedade Universitária Augusto Mota (SUAM) e em Francês pela Universidade de Nancy e complementação na Universidade Santa Úrsula, a Professora Maria Antonia não se deu por satisfeita. Almejava muito mais. Incentivada por professores, como, entre outros, o Dr, Walter Verga e pelo Professor Dr. Antonio Hauila e principalmente a Professora Maria Aparecida Lino Pauliokonis e Luis Marques de Sousa, que nela perceberam forte potencial para avançar no campo do magistério superior de Letras. Maria Antonia matriculou-se no curso de Atualização, em 1987, da Faculdade de Letras da UFRJ. Posteriormente, fez o curso de Mestrado e Doutorado pela mesma Universidade; no Mestrado, defendeu a Dissertação sob o título Meios e instrumentos de transporte: uma abordagem onomasiológica e, no Doutorado, defendeu, no ano de 1997, Tese nas áreas de Linguística e Filologia Românica sob o título Chão de ferro: a gênese textual de uma obra de Pedro Nava, numa abordagem de crítica genética.
Nesse estudo recebeu nota “Excelente.”
       A Dra. Maria Antonia lecionou na rede municipal do Rio de Janeiro, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Universidade Castelo Branco (UCB), da qual foi, durante um período, Coordenadora do Curso Letras. Foi nessa função que, pela primeira vez e graças ao seu dinamismo e profícuo trabalho de Coordenação, que conseguiu, decerto com o apoio do então Diretor do Centro de Ciências Humanas, Professor Reinério Luiz Moreira Simões, ver realizada a publicação de uma revista semestral do Curso de Letras, com o sugestivo título Itinerarium, que, pela qualidade e alto nível de seus textos, prometia ter outras edições. Ao que eu saiba, só tenho notícia do 1º número de estreia, Ano, jul/dez. de 1999.
      Maria Antonia, a par de inúmeros artigos, comunicações de congressos nas áreas de Linguística, Filologia e Língua Portuguesa, nos legou trabalhos como Conservatória: uma topônimo na unicidade, As relações sintáticas, semânticas e pragmáticas: uma aplicação (edição do autor, 1993, 51 p.), Discurso: um problema de busca, seleção, ordenamento, arranjo e intenção (Itinerarium, op. cit., p. 46-47. (Rio de Janeiro. Faculdade de Letras, Universidade Castelo Branco).
      A Professora Maria Antonia, segundo me informou, estava há algum tempo escrevendo um ensaio sobre a linguagem do compositor Noel Rosa. Entretanto, sem haver lido grande parte da obra por ela deixada, e me apoiando na leitura de sua citada obra, As relações sintáticas, semânticas e pragmáticas: uma aplicação, é possível tirar uma ilação: seu interesse de filóloga seguramente a levava também aos estudos linguísticos.
      Por conta disso, igualmente, sua grande acuidade e mente especulativa a meu ver, por força haveria, como complemento de sua formação intelectual, de direcioná-la aos modernos estudos de linguística textual, análise do discurso, gramática textual, tanto quanto outros colegas que enveredavam por esses domínios dos estudos da linguagem, muito deles até provenientes da área de literatura.
Espírito afinado com um pensamento lógico, para as minúcias do desvelamento da compreensão e análise do discurso não só o de viés referencial, do âmbito da propaganda, da publicidade, da mídia escrita, quer dizer, , tanto quanto o da linguagem técnica, donde se pode entender sua atividade de tradutora técnica exercida durante bom tempo.
     Tenho informação de que Maria Antonia foi muito firme ao lutar pela autonomia dos estudos filológicos, os quais não considerava que poderiam ser subordinados aos estudos linguísticos. Não concordava, no tocante às divisões de áreas no curriculum de Letras, que a filologia se tornasse uma sub-área dos estudos linguísticos, os quais tomaram vulto desde o surgimento do estruturalismo no país na década de 1970. Por esses e outros argumentos não arredou pé da grande prevalência que dava à filologia românica, por exemplo.
      Isso já é suficiente para que essa estudiosa, tão amiga dos dicionários, seja reverenciada pelos seus pares da Academia Brasileira de Filologia, instituição científico-cultural que soube dignificar e da qual fora admiradora até ao último instante de sua produtiva vida.
      Chego a esta gloriosa instituição com um experiência não de um filólogo, linguista ou gramático, stricto sensu, mas de um crítico literário, ensaísta, articulista, cronista e tradutor não profissional. Por outro lado, a meu favor e talvez por uma dessas boas coincidências, tanto no meu Mestrado quanto no meu Doutorado, não descurei da pesquisa filológica e da linguagem literária, pois no primeiro destinei um capítulo inteiro a comentar a origem da palavra “saudade, me valendo sobretudo da filóloga Carolina Michaelis de Vasconcellos   e do filólogo alemão Karl Vossler, a par de autores galegos. Isso para analisar o lexema “saudade” na poesia de Da Costa e Silva (1885-1950), o famoso poeta piauiense, autor do conhecido soneto “Saudade,” que se encontra na obra “Sangue;” no segundo curso, desenvolvo todo um capítulo para abordar a linguagem criativa no contista paulista-carioca, João Antônio (1937-1996), numa tese na qual estudo o conceito de “malandro” em quatro importantes contos do autor.
       Muito mais, meus confrades, poderia avançar nas minhas preocupações com assuntos da Língua Portuguesa. No entanto, só desejo, finalmente, expressar o meu contentamento em pertencer a uma instituição nacional de alto porte intelectual, que é a Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL). Espero estar à altura para tão elevado encargo e compromisso no campo do saber humano. Muito grato mesmo.