Alhos com bugalhos
Por Cunha e Silva Filho Em: 24/06/2008, às 09H13
Cunha e Silva Filho
Diante dos acontecimentos dos últimos dias no país de variada natureza – execução sumária, corrupção deslavada no setor público(leia-se rombo de milhões do dinheiro público) sinais de inflação, indícios de censura à imprensa, aumento de juros, possibilidade de volta da CPMF sob nova roupagem e outros males crônicos -, é bem difícil ouvir-se da mídia uma boa notícia. Tudo conspira contra nosso otimismo brasileiro, nossa suposta cordialidade, nossa conhecida e propalada passividade. Não é, todavia, possível estar com o coração radiante se olharmos para a realidade do país, que se resume, sobretudo, a uma palavra que nos causa calafrios : violência.
Psiquiatras em São Paulo asseveram que o cérebro do brasileiro está dando sinais de que está com uma parte comprometida, aquela associada ao perigo, ao estresse e principalmente à violência. Será que estamos construindo indivíduos doentes, altamente propensos às mais diversas fobias que afetam o habitante das megalópoles em decorrência da selvageria das condições de vida nesses lugares ? Tal fato é grave e nos preocupa como cidadãos de bem que desejama paz e uma saudável vida mental em todo o território nacional.
A psicanalista e escritora Maria Rita Kehl, num contundente artigo publicado na Folha de São Paulo, página Opinião, Tendências/ Debates (22/06/2008), chama a atenção da sociedade para o que ela define como uma situação “impensável” enfrentada pelo brasileiro frente à escalada da violência contra sobretudo os pobres, os negros e favelados.
O artigo atinge o cerne da questão levantada pela articulista quando conclama o outro lado da pirâmide social tomando como parâmetro os habitantes da zona sul do Rio de Janeiro, e aqui completaríamos, não só a zona sul mas também os bairros nobres da Barra e do Recreio do Bandeirantes, os quais representam o conjunto populacional dos que são melhor aquinhoados financeiramente, a fim de que não permaneçam inertes e indiferentes diante das atrocidades cometidas tanto por traficantes como pela máquina do Estado, através das instituições de repressão e prevenção contra o crime, representadas pela polícia civil e pela polícia militar.
A ensaísta estende sua veemente conclamação ao resto do país que, em grau maior ou menor, está afundado também na violência desenfreada e, na maior das vezes, a resguardo da impunidade. A impunidade é força alimentadora e realimentadora do crime.
Sabemos que a violência não se cinge apenas à criminalidade, à execução sumária e à agressividade sem peias dos traficantes. Ela age com a cumplicidade das chamadas forças ocultas e a cumplicidade é sinuosa nos meios sociais do poder.
O que mais atordoa o brasileiro comum é a presença de outros atores no cenário sombrio das ações bárbaras e do comportamento delinqüente: aqueles que usam farda, os quais são destinados legalmente à proteção do cidadão, quer no asfalto, quer nos morros, sem discriminações étnicas e sociais de toda sorte.
A mais recente ausência da boa notícia foi a que envolveu uns poucos militares do Exército brasileiro no escândalo dessa tragédia inominável que deixou em parte arranhada a sua imagem, fazendo-nos recordar uma fase negra da história militar brasileira. Me refiro à matança por traficantes de morro inimigo de três jovens pobres e negros do morro da Providência no Rio de Janeiro, em que uns poucos militares tiveram um parcela considerável de responsabilidade pela morte desses inocentes indefesos.
Até há pouco tempo era voz unânime que as forças armadas ficavam sempre imunes a qualquer juízo crítico a elas desfavorável, uma vez que as instituições que elas representam têm uma longa história de assinalados serviços prestados na defesa do solo brasileiro e mesmo, em momentos emergenciais, sempre se fizeram presentes e atuantes, como na construção de estradas, nas inundações, nos surtos epidêmicos, no socorro a países em graves crises institucionais , econômicas e sociais.
Ou seja, as forças armadas são parte indissociável da formação social e histórica brasileira, afora sua função constitucional precípua, que é a defesa de nossas fronteiras, da paz social. Mantendo-se nesses estritos limites de atuação, as forças armadas continuarão dando seu contributo indispensável à manutenção do estado democrático. Entretanto, cumpre que elas também se esforcem para servir de espelho, adaptando-se aos novos tempos sem se afastar de seus limites constitucionais. Ao sair destes, elas se sujeitam a manchas difíceis de serem apagadas da memória da sociedade.