ELMAR CARVALHO

 

O nosso compatriota Afonso Arinos de Melo Franco escreveu o livro Amor a Roma, cujo título, composto por dois anagramas perfeitos, uma vez que, lidos de trás para a frente, designam o outro, já revela a sua admiração e estima pela Cidade Eterna. Parece ser o caso do filme Para Roma com Amor, cujo roteiro e direção é do cineasta Woody Allen. Nele atuam célebres atores, como Alec Baldwin e Roberto Benigni. Devo esclarecer que fui assisti-lo por falta de outra opção, pois não gosto de comédias, e raramente as assisto, muitas vezes entre o tédio e o bocejo. Também fui motivado a enfrentar a película por admirar a história, a cultura e o patrimônio da velha urbe, embora não a conheça pessoalmente, mas apenas através de fotografias, filmes, músicas e livros. Fiz, pois, um turismo cinematográfico.

 

Deixando de lado os méritos e deméritos do filme, os célebres atores que nele atuaram, o valor do roteiro e da direção, abordarei somente as alegorias, que julgo haver encontrado nele. Além disso, sei que a obra cinematográfica fugiu da inclinação comercial das produções americanas, com excesso de efeitos especiais, ações em demasia, pancadarias espetaculares, retumbantes explosões e outros “atrativos” similares, tomando o caminho inusitado de velhas vanguardas, para usar uma expressão antitética, e talvez mesmo paradoxal.

 

Uma das alegorias que penso haver encontrado foi a do cantor de banheiro, que era um excelente tenor. Afastado do chuveiro, o diletante revelou-se um “cantador” medíocre. O empresário inventou uma astúcia para lhe revelar o talento inato, que não fora lapidado por conservatórios e maestros. Fez colocar no cenário da ópera um banheiro, em que o tenor cantou de forma prodigiosa, arrancando delirantes aplausos da plateia, que o ovacionou de pé. Creio que o sentido desse enredo foi mostrar que existem muitos talentos, em qualquer ramo artístico, que por falta de oportunidade ou de ambição, ou ainda por timidez, nunca serão revelados ao grande público.

 

Aliás, temos alguns casos em que esses artistas só são descobertos postumamente, através de trabalhos de críticos, que se convencionou chamar de “revisão”. Ou melhor seria chamar ressurreição? Entretanto, contrariamente, existem artistas bafejados pela fama, quando vivos, e que após poucos anos de mortos caem em completo esquecimento, deles não sendo mais reeditadas ou publicadas nenhuma obra, nem mesmo algumas poucas linhas em dicionários biográficos e enciclopédias.

 

Em alguns casos a mudança de gosto contribuiu para o sepultamento artístico; em outros, o fator determinante foi a autopromoção que deixou de existir. Ou seja, com a extinção do marketing pessoal, a glória do artista sucumbiu. Daí alguns considerarem o tempo como sendo o maior crítico, embora eu considere que ele possa também cometer algumas injustiças, com o império exacerbado dos modismos.

 

A outra parábola de Para Roma com Amor foi quando um dos personagens tornou-se subitamente famoso. Nem mesmo ele entendeu como ou por que lhe adveio a celebridade instantânea. De repente, passou a ser acossado por hordas de repórteres televisivos, que desejavam saber a sua opinião a respeito de tudo e de nada. Do sexo enigmático dos anjos ao “glamour” de uma simples meia desfiada. Tudo que ele fazia ou deixava de fazer passou a ter uma importância descomunal.

 

Porém, da mesma forma como veio a sua fama se foi, como num passe de mágica. Repentinamente, sem a mínima explicação, o personagem voltou ao anonimato de onde surgira. A princípio, ele teve um grande alívio, e comemorou esse fato em família. Depois, ao andar pela rua, sem ser cumprimentado por ninguém, sem ser incomodado por nenhum paparazzi, sentiu falta do antigo assédio, e surtou, chegando a ficar de cueca em plena avenida, sem que ninguém lhe desse a menor atenção, quando antes o tipo dessa veste íntima chegara a ser notícia. Sem dúvida, foi uma crítica, fundamentada no nonsense, aos minguados minutos de fama, que todos teríamos, a que se referia o comunicólogo McLuhan, um dos profetas da aldeia global.

 

Por fim, abordarei a outra nuança, de caráter alegórico, que julgo haver encontrado na peça cinematográfica. Seria o adultério, cometido tanto pelo marido como por sua mulher. O homem foi envolvido por uma situação que não procurou, até porque não a desejou, que foi num crescendo, o qual não seria nada interessante descrever aqui, até culminar nas vias de fato da traição. Era ele uma pessoa simplória, ingênua, que se casara virgem.

 

E achou de cometer a sua infidelidade conjugal com uma exímia profissional do sexo, que lhe ministrou algumas notáveis lições, que depois ele se arvorou em transmiti-la à mulher, que também o traíra em situação algo semelhante à sua; ou seja, quase meio sem querer, querendo. Sem entrar em detalhes, conheceu a professorinha um canastrão italiano, cujas interpretações admirara. Um tanto ingênua, foi se deixando envolver pelo ator, e foi perdendo as forças de resistência, também conhecidas como freios inibitórios.

 

A “coisa” estava para acontecer, quando entrou em cena um ladrão. Assalto consumado, repentinamente a porta do apartamento do hotel foi sacudida pela mulher do canastrão e seus acompanhantes, que ameavam entrar à força no recinto íntimo. Por sugestão do larápio, o conquistador de incautas donzelas foi se refugiar no banheiro, enquanto o gatuno fingiu abraçar a semi-adúltera.

 

Com a saída da mulher do ator, e deste, um pouco depois, o ladrão, como para coroar o “serviço” que já fizera, ao limpar a vítima de suas moedas e metais, terminou roubando a mulher do próximo, ao matreiramente lhe dizer o velho adágio de que a ocasião faz o ladrão. Vale dizer, faz também o adultério. Acho que foi esta a mensagem alegórica. Mas tudo terminou bem, em perfeita paz conjugal, com os cônjuges arrependidos, e resolvidos a retornar ao local de origem.