Escritor Alcenor Candeira Filho
Escritor Alcenor Candeira Filho

O trabalho que Elmar Carvalho vem realizando se afasta da velha crítica historicista, que realça os elementos extrínsecos (biográfico, histórico e sociológico) da obra literária. Ciente de que literatura é acima de tudo “monumento estético”, o escritor tem optado pela chamada “nova crítica”, que valoriza os elementos intrínsecos da obra. Se literatura é a arte da palavra, o texto e a sua interpretação estético-literária é que importa.

[Alcenor Cadeira Filho - da Academia Piauiense de Letras]

 

Já me manifestei por escrito sobre a obra literária de Elmar Carvalho em quatro momentos, todos revestidos de caráter solene e público: 1994, com o discurso de recepção na posse do poeta na Academia Parnaibana de Letras; l996, com a apresentação de ROSA DOS VENTOS GERAIS na noite do lançamento em Parnaíba; 2010, com a apresentação de POEMITOS DA PARNAÍBA no lançamento ocorrido no auditório da APAL; 2015, no lançamento do livro CONFISSÕES DE UM JUIZ.

Formado em administração de empresas e em direito. Magistrado, jornalista, poeta, cronista, crítico literário e romancista, Elmar é autor de vários livros em prosa e em verso, destacando-se ROSAS DOS VENTOS GERAIS, LIRA DOS CINQUENTANOS, CONFISSÕES DE UM JUIZ e HISTÓRIAS DE ÉVORA.

Durante o tempo em que morou em Parnaíba (1975/1982), Elmar participou de vários movimentos culturais, principalmente como presidente do Diretório Acadêmico 3 de Março (CMRV/UFPI) e membro do Movimento Social e Cultural Inovação.

Na qualidade de literato, Elmar é mais conhecido como poeta e romancista, mas não podemos deixar de lembrar a sua vocação para a crítica literária.

Mesmo não sendo ainda autor de livro no gênero, Elmar já publicou em revistas e jornais vários textos de crítica literária, voltados especialmente para a análise de obras piauienses.

O trabalho que Elmar Carvalho vem realizando se afasta da velha crítica historicista, que realça os elementos extrínsecos (biográfico, histórico e sociológico) da obra literária. Ciente de que literatura é acima de tudo “monumento estético”, o escritor tem optado pela chamada “nova crítica”, que valoriza os elementos intrínsecos da obra. Se literatura é a arte da palavra, o texto e a sua interpretação estético-literária é que importa.

No início de 2010 Elmar Carvalho criou por sugestão de sua filha Elmara o “poetaelmar.blogspot.com.br”.

Ao longo desses oito anos de existência, o blogue vem divulgando textos em prosa e em verso de sua autoria e artigos e poemas de intelectuais do Piauí e de outros estados brasileiros.

Elmar Carvalho tornou-se um dos poetas mais importantes da Geração do Mimeógrafo ou dos Anos 70, geração que escreveu uma poesia agressiva – chamada marginal ou alternativa -, caracterizada por uma linguagem livre e contestatória e fortemente impregnada de denúncia.

Essa poesia social, reveladora de um grande poeta público, se reveste de acentuado sopro épico, como exemplificam os poemas que integram “A Zona Planetária”, título inspirado num prostíbulo de Campo Maior.

Além da poesia utilitarista, o poeta tem criado também a poesia lírica como se vê no poema “Marítima”.

A mais importante obra poética de Elmar Carvalho – ROSA DOS VENTOS GERAIS -, com três edições, apresenta apreciável diversidade temática, variedade percebida também em termos de gêneros literários, com versos para todas as preferências e gostos: líricos, sociais, épicos, satíricos.

A partir dessa diversidade, o poeta dividiu a coletânea em quatro partes, que passo a comentar.

Os poemas da 1ª PARTE são líricos. Falam de amores devastadores, como no “Poema da Mulher Amada”, e de amores idos e vividos, como na “Elegia do Amor Final”.  Aliás, as coisas idas, vividas e revividas predominam na parte inicial do livro.

O passado não é uma pedra, não é uma campa, por isso nele o poeta mergulha como que em busca do tempo perdido “com seus gemidos/ de fantasmas que/ arrastam correntes/por entre ais doloridos”.

Conforme está dito em “Eterno Retorno” o passado são “emoções revividas/ e ampliadas/ das sensações/de nervos expostos/ nas carnes pulsantes”. Na esteira da teoria circular, o poeta lembra que “o passado poderoso e renitente/ retorna e continua vívido e presente/ se contorcendo se retorcendo/ e se reacontecendo.

Já o poema que abre a coletânea – “Autobiografia Zodiacal” – anuncia uma das características marcantes do poeta Elmar Carvalho: sua vinculação com o concretismo, vanguarda que propõe o aproveitamento de recursos espaciais e geométricos como elementos orgânicos do poema.

A miséria humana, observada numa das regiões mais carentes do país, latejam nos versos que compõem a 2ª PARTE do livro, denominada “Cancioneiro do Fogo”.

Certamente não são versos incendiários, porque não incitam a rebelião. São versos utilitários, que servem para tornar o ouvido um órgão capaz de ouvir, por exemplo, o ronco sinistro de vísceras famintas:

 

“a rosa

que come

e consome

o ‘home’

mora

em sua víscera sonora

e o devora

como uma flora

cancerosa

rosa carnívora

que aflora e o deflora

de dentro para fora”.

 

 

O poeta, sempre interessado em sua época, assume a posição de receptáculo do sofrimento humano, de caixa acústica por meio da qual as pessoas possam tomar conhecimento dos males que as afligem, como neste minúsculo poema “O Favelado”

O favelado, qual filósofo meditava:

sua miséria era tamanha

que tudo enchia e ainda sobrava”.

 

A terceira parte do livro – “Cancioneiro da Terra e da Água” – celebra o Piauí. São versos líricos através dos quais o poeta empreende um passeio sentimental por ruas, praças, praias, campos, casas, catedrais e cidades piauienses. Nesse bloco de composições telúricas, destacam-se, como os mais inspirados e de melhor solução formal, os poemas “Noturno de Oeiras” – resultado de uma viagem física e psicológica que o poeta realizou pelo reino mágico da antiga capital de inúmeras tradições históricas, religiosas e artísticas -, e “Marítima”, escrito no ritmo oceânico do mar, em cujas ondas o poeta assimilou os gestos e o jeito de falar e de ser.

A vida, respirada, repisada, repensada e/ou reinventada nos ares do Piauí no final do século XX, mas sempre a mesma em qualquer lugar e época, – eis a matéria-prima da poesia reunida na derradeira parte do livro – “Cancioneiro dos Ventos Gerais”.

A vida em Parnaíba, que o poeta já exaltara em vários poemas inseridos no “Cancioneiro da Terra e da Água´, está presente na série denominada “PoeMitos da Parnaíba”, que retratam tipos curiosos, malucos, miseráveis, humanos.

Dois poemas se destacam na parte final do livro, ambos de natureza épica na classificação do próprio autor: “Dalilíada”, baseado na vida e na obra do pintor espanhol Salvador Dali, e a “Zona Planetária”, inspirado no cabaré de Campo Maior.

Num total de 382 versos, distribuídos em 10 segmentos, o poeta focaliza a prostituição através de um processo criativo em que mistura a mitologia clássica, a astronomia e a sociologia dos lupanares.

O início do poema fornece uma visão geral da promiscuidade do ambiente, onde as emoções são alinhadas pedra a pedra ao som de vitrolas que embala os “que bebem vinho/ e sangue em frágeis taças de cristal”.

Há versos admiráveis nesse moderno poeta épico, seja pela magia musical, seja pela beleza das imagens. Se a linguagem às vezes ganha sabor classicizante para ajustar-se ao referencial mitológico, assume quase sempre expressividade moderna e contundente, como nos versos de “Marte”, cujo ritmo de rudo açoite parece querer varrer as impurezas da vida instintiva e sublinhar a sublime alvura dos lençóis lavados em lágrimas vertidas nas ressacas das “tempestades do sexo”.

Com POEMITOS DA PARNAÍBA, obra ilustrada com caricaturas de Gervásio Pires e Castro Neto, Elmar Carvalho revela mais uma faceta de seu talento poético: a produção jocosa, alegre, graciosa, satírica, retratando anatômica e psicologicamente pessoas que foram ou são bastante conhecidas em Parnaíba, a maioria gente humilde.

Finalmente, CONFISSÕES DE UM JUIZ é um livro de quase duzentas páginas que reúne parte dos textos postados no blog: crônicas, comentários, reminiscências, confissões, reflexões sobre pessoas, bichos e lugares.

A obra enfatiza na parte inicial as lembranças do burocrata, sobretudo do julgador, do que tem a responsabilidade superior e constitucional de “atribuir a cada um o que é seu”. Responsabilidade imensa a do juiz, que raramente é reconhecido pelo que faz no desempenho da profissão.

Destaca-se nas primeiras páginas do livro a revelação, em tom de quase desabafo, feito por quem laborou durante quatro décadas na vida pública e dela teve se afastar em razão de aposentadoria fundamentada em tempo de serviço mas motivada verdadeiramente por razões que a própria razão desconhece.

O juiz Elmar teria ainda outro argumento para justificar a aposentadoria, se essa fosse o seu objetivo: doença grave.

Mas no fundo o que ele pretendia apesar dos pesares era continuar servindo ao país como magistrado culto, íntegro, justo, bom. Estava plenamente motivado para o trabalho forense por mais algum tempo.

O comovente depoimento de Elmar sobre os fatos e circunstâncias que precipitaram o pedido de aposentadoria aos 58 anos de idade repercutiu no meio forense e intelectual, com opiniões postadas na internet e comentários inseridos no livro.

Na 2ª e 3ª PARTES do livro, o autor selecionou textos escritos há algum tempo, vários deles complementando e elucidando fatos focalizados na parte inicial.

Recentemente Elmar Carvalho publicou o romance HISTÓRIAS DE ÉVORA, que ainda não li.

Elmar Carvalho é casado com Maria de Fátima de Sousa Carvalho, com quem tem dois filhos. Pertence a várias agremiações culturais e literárias. Ocupa a cadeira nº 10 da Academia Piauiense de Letras e a de nº 07 da Academia Parnaibana de Letras.