Alberto de Oliveira
Em: 05/08/2009, às 21H49
BIOGRAFIA
Alberto de Oliveira foi, junto com Raimundo Correa e Olavo Bilac, um dos grandes nomes do Parnasianismo no Brasil. Conviveu pessoalmente com os maiores escritores de sua época e, tendo envelhecido tranquilamente, pôde ver a influência que sua obra teve sobre outros artistas e o fim do movimento literário de que fez parte.
Nascido em Saquarema (RJ), cursou depois humanidades em Niterói e formou-se em farmácia. Cursou por três anos a faculdade de medicina, onde foi colega de Olavo Bilac. Trabalhou como farmacêutico e chegou a cursar em São Paulo a faculdade direito. No Rio de Janeiro, foi oficial de gabinete do presidente do Estado e exerceu o cargo de diretor geral da Instrução Pública do Rio de Janeiro. Também foi professor da escola normal e da Escola Dramática e colaborou com diversos jornais.
Ficou famoso a casa onde residia na Engenhoca, em Niterói, com sua esposa. Era freqüentada, na década de 1880, pelos mais ilustres escritores brasileiros, entre os quais Olavo Bilac, Raul Pompéia, Raimundo Correia, Aluísio e Artur Azevedo, Afonso Celso, Guimarães Passos, Luís Delfino, Filinto de Almeida, Rodrigo Octavio, Lúcio de Mendonça, Pardal Mallet e Valentim Magalhães. Nessas reuniões, só se conversava sobre arte e literatura. Sucediam-se os recitativos. Eram versos próprios dos presentes ou alheios. Heredia, Leconte, Coppée, France eram os nomes tutelares, quando o Parnasianismo francês estava no auge.
Em seu primeiro livro, Canções Românticas, ainda era influenciado pelo Romantismo. Os traços da transição, porém, não passaram despercebidos por Machado de Assis, que em um ensaio famoso de 1879 assinala os sintomas de uma nova geração. Foi o próprio Machado que escreveu a introdução do segundo livro de Alberto de Oliveira, Meridionais, onde já estão todas as características do Parnasianismo: o forte pendor pelo objetivismo e pelas cenas exteriores, o amor da natureza, o culto da forma, a pintura da paisagem, a linguagem castiça e a versificação rica.
Tudo isso só se acentuou nas suas obras posteriores. Alberto é considerado um dos maiores cultores do soneto na língua portuguesa. Publicou o último de seus dez livros de poesia, Poesias Escolhidas, em 1933 e faleceu em Niterói, aos 80 anos, em 1937. Além de Póstimas, de 1944, outros livros com sua obra reorganizada foram lançados após a sua morte.
Principais obras:
Canções Românticas;
Meridionais;
Sonetos e Poemas;
Versos e Rimas;
Poesias completas;
Ramo de Árvore;
Poesias escolhidas.
AMOSTRAGEMA VINGANÇA DA PORTA
Era um hábito antigo que ele tinha:
entrar dando com a porta nos batentes
— "Que te fez esta porta?" a mulher vinha
e interrogava... Ele, cerrando os dentes:
— "Nada! Traze o jantar." — Mas à noitinha
calmava-se; feliz, os inocentes
olhos revê da filha e a cabecinha
lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.
Uma vez, ao tornar à casa, quando
erguia a aldrava, o coração lhe fala
— "Entra mais devagar..." Pára, hesitando...
Nisso os gonzos range a velha porta,
ri-se, escancara-se. E ele vê na sala
a mulher como doida e a filha morta.
APARIÇÃO NAS ÁGUAS
Vênus, a ideal pagã que a velha Grécia um dia
Viu esplêndida erguer-se à branca flor da espuma
– Cisne do mar iônio
Desvendado da bruma,
Visão filha talvez da ardente fantasia
De um cérebro de deus:
Vênus, quando eu te vejo a resvalar tão pura
Do largo oceano à flor,
Das águas verde-azuis na úmida frescura,
Vem dos prístinos céus,
Vem da Grécia, que é morta,
Abre do azul a misteriosa porta
E em ti revive, ó pérola do Amor!
Extraído: Nossos Clássicos. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1959.
VASO GREGO
Esta, de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o poeta de Teos que a suspendia
Então e, ora repleta ora esvazada,
A taça amiga aos dedos seus tinia
Toda de roxas pétalas colmada.
Depois... mas o lavor da taça admira,
Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Ignota voz, qual se de antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa a voz de Anacreonte fosse.
Extraído: Nossos Clássicos. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1959.
LUVA ABANDONADA
"Uma só vez calçar-vos me foi dado,
Dedos claros! A escura sorte minha,
O meu destino, como um vento irado,
Levou-vos longe e me deixou sozinha!
Sobre este cofre, desta cama ao lado,
Murcho, como uma flor, triste e mesquinha,
Bebendo ávida o cheiro delicado
Que aquela mão de dedos claros tinha.
Cálix que a alma de um lírio teve um dia
Em si guardada, antes que ao chão pendesse,
Breve me hei de esfazer em poeira, em nada...
Oh! em que chaga viva tocaria
Quem nesta vida compreender pudesse
A saudade da luva abandonada!"
Extraído: Nossos Clássicos. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1959.
NOTAS DE UM VERANISTA
(fragmentos)
7 de fevereiro
O meu último pensamento
Ontem, antes de adormecer,
Não foram nem podiam ser
Os morangos que nos serviu o hotel sempre avarento.
Não foram dessa guerra assombros
Que se contam descomunais;
Eu hoje dou a tudo de ombros,
Pouco me importam paz ou guerra, e não leio jornais.
O meu último pensamento,
Fique bem anotado aqui,
Foi ela, o meu doce tormento:
Vinte vezes disse o seu nome – Élena – e adormeci.
17 de fevereiro
Nunca lhe disse o que por ela sinto,
Nunca lho hei de dizer,
E digo-o a tudo, digo-o ao seu perfume
Que fica por onde ela passa;
Disse-o a uma flor que lhe caiu do cinto
Na varanda, ao escurecer;
A um rude banco onde ela esteve, disse-o;
Digo-o, supondo-os ser seu rir que esvoaça,
A toda borboleta ou vagalume;
Digo-o – ela é meu enlevo e meu suplício!
Em calma ou em excitação
Digo-o, falando ou mudo,
Digo-o em sonho e acordado,
A tudo o tenho dito e o digo a tudo...
A ela, não.
27 de fevereiro
Vim
E achei vazio de hóspedes o hotel.
Haviam todos ido
Em tropel
A ver um destemido
Aviador que do Rio, em ascensão estranha,
Viera ter num só vôo a este alto de montanha.
Toda a cidade agora enche-a um nome, um rumor:
O aviador!
No hotel, desde o jardim à sala e ao corredor,
Não se fala senão na glória do aviador.
E nas ruas e aqui dentro é o mesmo clamor:
O aviador! O aviador!
6 de março
Mais cedo hoje me ergui quede costume.
Vinha clareando o dia,
Saio do quarto, entro no corredor;
Uma porta se abria
Próxima e vi um vulto – era o aviador –
Passar; passou, deixando o seu perfume,
O cheiro dela, pelo corredor...
O cheiro dela, o cheiro seu de flor!
10 de março
Fui despedir-me de Élena, à saída;
Interrompeu o riso breve instante,
Disse-me adeus, mas, quando não ainda
De seus olhos distante,
Via-a tornar à mesma alacridade,
Ria-se, ria-se aloucada e linda.
No trem.
Embora a alma desiludida,
Enlevam-me a grandeza e formosura
Da serra. Vou descendo, vou descendo.
Da manhã auri-rósea à claridade,
Tumultua em cada árvore florida,
Em cada pedra ou fonte,
Em cada abismo, em cada gruta escura,
Por todo o chão, por toda a encosta e todo o monte,
A orgia dionisíaca da Vida.
Respirando estes ares,
Tanta beleza em torno olhando e vendo,
Vão-me fora os pesares
Ou vão também descendo... vou descendo.
Fica lá em cima o sol, o almo esplendor do dia,
Fica o riso, a festa, a alegria;
Tristeza ou mágoa é como o enxurro, é como a bruma,
Rola em baixo e é umidade e espuma...
Vou descendo. Já vejo o Rio, amplo horizonte,
Os morros de altaneiro
Cimo, casas, o oceano...
Vou descendo, descendo... Deslembrado
De Élena, embora, súbito seu cheiro
Senti: veio de flor aberta ao lado
Da Estrada, flor de imaculada alvura;
Via-a ao passar, sorriu-me – era tão bela!
Lembrando a miniatura
De veloz aeroplano,
Um besouro zumbia em torno dela.
Extraído: Nossos Clássicos. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1959.
IAM VINTE ANOS...
Iam vinte anos desde aquele dia,
Quando com os olhos eu quis ver de perto
Quanto, em visão, com os da saudade via.
Corto pelo caminho agro e deserto
Que, em chegando ao Pinhão, foge à direita
E um teso alcança de indaiás coberto.
Larga inda há pouco, a estrada, agora estreita
Sobe, inclina depois, até que em plano
Imenso, imensa e toda igual se deita.
Eu a sofreguidão, febril e insano
Desejo de chegar, com lhe ir à beira
As flores vendo mil e mil, engano.
Ora as ostenta azuis a trepadeira,
Ora brancas o lírio, ora encarnadas
A maravilha. E a estrada cheira, cheira...
Curto prazo, de um bosque entre as latadas
Fujo ao fervor do sol e cismo absorto
Em tantas cousas que se vão passadas
E eu vou tornar a ver... como, o conforto
Das águas pátrias relembrando, a vela
Torna algum dia ao desejado porto
E o vê mudado e sem lembrança dela.
Extraído: Nossos Clássicos. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1959.
NUM TREM DE SUBÚRBIO
No trem de ferro vimo-nos, um dia,
E amarmo-nos foi obra de um momento,
Tudo rápido, como a ventania,
Como a locomotiva ou o pensamento.
– "Amo-te!"
– "Adoro-te!"
A estação primeira
Surge. Saltamos nela ao som de um berro.
Nosso amor, numa nuvem de poeira,
Tinha passado, como o trem de ferro.
Extraído: Nossos Clássicos. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1959
FORTUNA CRÍTICAAguarde